Conversa de bar
Já era noite na cidade e como de costume a boêmia se encontrava nos bares para dançar, beber, seduzir e conversar. Alan e Carlos conheciam-se apenas de vista, mas por alguma razão no final da festa passaram a conversar sobre filosofia, ou mesmo filosofar (bem talvez eles tivessem bebido um pouco além da conta, não é a toa que a "filosofia de butequim" é um dos ramos mais difundidos da arte).
Conversa vai e conversa vem, depois de terem passado por filósofos modernos, acabaram como sempre caindo na grécia antiga. Interessante, ambos gostavam de Epicuro (nem todos entendem a simplicidade de se viver feliz, porisso a surpresa usual )... Mas Carlos teceu aquele tipo de comentário que pode encerrar uma conversa num momento: "Sim, puxa como é belo o pensamento de Epicuro, uma pena que não acreditasse em Deus." - Ora, mas Alan era ateu, como muitos filósofos aliás, e já se sentia triste por ter de encerrar a conversa, principalmente devido ao "uma pena": "Bem, mas eu também não acredito em deus."
Houve uma leve tensão no ar, mas para a surpresa de Alan seu agora talvez quase amigo respondeu: "Ah tudo bem, é que... Bom, eu acredito Nele, ou melhor, tenho certeza, então acho que Deus adicionaria muito na filosofia de Epicuro... Principalmente porque na época a idéia de Deus não era limitadora como na idade média." - Alan achou interessante poder continuar uma conversa como aquela, sem ser "censurado" por não acreditar em algo que a maioria acredita.
Conversa vem e conversa vai, Alan começou a ficar curioso para saber como alguém que acreditava em Deus podia ser tão "mente aberta" e sem preconceitos para com muitos assuntos e muitos filósofos... Até que teve vontade de dizer, e realmente disse: "Sabe, para alguém que tem certeza de deus, até que você está aberto a muitas idéias novas. Certeza é uma palavra forte, como você pode dizer que tem essa certeza toda?" - Carlos simplesmente disse: "Ora não sei. Bem eu sei que já nasci com essa certeza, mas não sei muito bem explicar ela."
"Mas e você não conversa com deus? Não tem medo de ir para o inferno ou coisa assim?"
"Não. Bem se Deus quisesse que fossemos perfeitos desdê a criação, não nos teria criado assim tão imperfeitos não é mesmo? Mas fácil teria sido criar robôs que já viriam programados para sempre trilhar os caminhos iluminados e sempre fazer as escolhas corretas... Eu não tenho medo de ir para o inferno, porque para mim não existe inferno, apenas ignorânica. Se tenho medo, tenho medo de repetir erros e fazer escolhas erradas, mas mesmo assim na vida ou na morte, tudo tem conserto."
"Mas então você não é daqueles que conversa com deus todo dia antes de ir dormir? Tipo, acredita que ele aparece para nós? Acredita que Jesus era deus?"
"Claro que Jesus não era Deus. Jesus foi o maior homem a passar pela Terra, mas entre o homem e Deus ainda existe uma extensa distância a percorrer. Deus não precisa aparecer nem conversar conosco, já que tudo na existência segue suas leis que foram determinadas ainda na criação do cosmos, acredito... Mas também não acho importante o fenômeno, o milagre. O importante é estar no caminho certo na vida, e se reconfortar com a idéia de que existiu sim um Ser antes do universo, e que se nos criou só poderia ter uma intenção de amor, já que o próprio ato de criar é um ato de amor."
"Interessante, mas se para você deus não interfere em nada em nossas vidas, se não pode fazer milagres por nós, se não pode nos julgar e nos mandar para o céu ou o inferno, então deus não exerce nenhum influência em sua realidade... Existe apenas a idéia, ou a certeza, a crença, de que ele existe. E que diferença isso faz?"
"Meu caro Alan, será que ainda se lembra de primeira vez que beijou sua mulher? Ou da primeira vez que fez amor com ela? Ou quando teve a certeza dentro de si que a amava, embora essa certeza fosse tão invisível quanto tantas outras?"
"Sim, bem eu ainda a amo."
"Pois é, e que diferença isso faz?"
Marcadores: contos, contos (1-20), Epicuro, existência, materialismo, religião
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