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5.4.19

O homem universal

O que é o homem universal?

O polímata, aquele que conhece várias áreas do saber, geralmente é identificado com o homem renascentista, a exemplo de Leonardo da Vinci. No Renascimento (entre os séculos XIV e XVI, aproximadamente) houve um retorno a ideais da Antiguidade Clássica e uma perspectiva mais centrada no homem (humanismo) e não em Deus. Porém, não seria o monge medieval também um homem universal? Um verdadeiro polímata?

Os mosteiros, com suas grandes bibliotecas, eram o centro do saber na Europa antes do surgimento das universidades. Na verdade, foi a partir deles que algumas das primeiras universidades surgiriam. O que torna o monge medieval um homem universal? Por influência da Antiguidade Clássica, na Idade Média ensinava-se as Sete Artes Liberais, aprimoradas nesse período, que eram a base do saber: o Trivium (lógica, gramática e retórica) e o Quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia). O clero era educado nelas, principalmente os padres. Era um requisito indispensável para os padres aprender o latim e algumas vezes também o hebraico e o grego, para um estudo aprofundado da Bíblia.

Além de padres e muitos monges terem essa base nas Sete Artes Liberais e conhecimento de idiomas, eles estudavam filosofia e teologia. Nos mosteiros, os monges repetiam, e repetem até hoje, os salmos na Liturgia das Horas tantas vezes por dia que alguns sabem os 150 salmos de cor. É comum que citem de cor muitas passagens dos Evangelhos ou mesmo algumas do Velho Testamento. Houve vários monges que também foram cientistas. Um dos exemplos mais óbvios é Gregor Mendel, o pai da genética: biólogo botânico e monge agostiniano. E um padre e físico belga, Georges Lemaître, criou a teoria do Big Bang. 

Mas voltemos aos monges. Além de muitos terem inúmeros conhecimentos intelectuais em diversas áreas do saber, todos eles possuem uma categoria muito especial de conhecimento: o manual. Assim como os pintores renascentistas, vários monges, frades e padres se destacaram na habilidade com a pintura, a exemplo de Fra Angelico, frade dominicano. Nos mosteiros sempre foi muito comum que os monges aprendessem as artes da pintura e da caligrafia e preparassem as belas iluminuras dos pergaminhos medievais. Mas os conhecimentos do monge medieval não acabam aí. Eles aprendiam a cozinhar, preparavam as próprias comidas e até vendiam artigos como pães, biscoitos, geleias e cervejas artesanais, tudo feito por eles mesmos. E fazem isso até hoje.

Isso é tudo? Não, alguns monges fazem esculturas, costuram, dentre outras habilidades manuais, dependendo dos artigos que vendem nas lojas dos mosteiros. E além disso, eles também fazem sua própria limpeza: varrem e lavam o chão, lavam os pratos. Lavam a própria roupa.

Aristóteles e outros filósofos da Antiguidade Clássica colocavam os trabalhos intelectuais acima dos manuais porque tinham escravos para fazer para eles trabalhos como cozinhar, lavar e limpar. Na Idade Média e com o cristianismo houve uma valorização de trabalhos do campo como a agricultura. E aqui encontramos mais uma habilidade de muitos monges medievais: plantar, já que muitos plantavam e colhiam a própria comida. E cortavam a própria lenha para se aquecer no inverno. Além disso, sempre foram excelentes anfitriões, recebendo e hospedando viajantes que chegassem. 

Portanto, o monge medieval, além dos conhecimentos intelectuais em várias áreas, também sabia pintar, esculpir, fazer caligrafia (os monges copistas), costurar, cozinhar, limpar, plantar e tudo mais que fosse necessário à sobrevivência, pois eles não tinham nenhum empregado para fazer isso para eles. Num mosteiro todos devem fazer um pouco de trabalho intelectual, manual e braçal. 

Será mesmo que o homem urbano renascentista, que conhece a fundo filosofia, ciência e engenharia, sabe pintar e esculpir, mas talvez não saiba plantar, cozinhar, costurar e limpar, é mais universal que o homem medieval, principalmente se falamos de um monge medieval?

E será que não é particularmente interessante que todos saibam um pouco dos trabalhos braçais e auxiliem com eles, como ocorre em mosteiros, ao invés de considerá-los em segundo plano, como inferiores, enquanto o homem universal renascentista se coloca num pedestal com seus trabalhos intelectuais e artísticos superiores?

Respondendo nossa pergunta inicial: o que é o homem universal? Depende das crenças do pequeno universo no qual ele foi criado, educado e ensinado a valorizar.

Wanju Duli é escritora – Contato: facebook.com/WanjuDuIi

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Crédito da imagem: Pintura de Fritz Wagner

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