A beleza duradoura de Sofia
Poucos dias atrás eu estava descendo uma escada rolante no coração de São Paulo, mais precisamente no Hotel Nacional Inn Jaraguá, próximo à Praça da República, onde já se hospedaram artistas como Alain Delon, Sophia Loren e Mick Jagger. Por acaso eu também me dirigia a um encontro anual de artistas, embora nem sempre eles sejam compreendidos como tal.
Tal encontro é hoje conhecido como Sofia, ou Simpósio de Ocultismo e Filosofias Arcanas, mas ele também já foi chamado de Simpósio de Hermetismo, sendo a continuidade de algo que surgiu lá em 2010. Ele representa um genuíno caravançará espiritual. Calma, eu também não conhecia essa palavra até agora pouco, quando pesquisei sobre algum sinônimo para “uma parada de caravanas”. Eis a resposta do sr. Google:
Uma parada de caravanas no deserto é um caravançará, um ponto de descanso e comércio com alojamento para viajantes e camelos, localizado ao longo de rotas comerciais importantes. Eles serviam como base para caravanas que atravessavam o deserto, oferecendo água, abrigo, e suprimentos, facilitando o comércio de longas distâncias. Os caravansários também eram cruciais para a sobrevivência, conectando comunidades e impulsionando o desenvolvimento cultural e econômico nas regiões desérticas da Ásia, África e Oriente Médio.
Ora, não importa se a sua caravana de busca espiritual, de busca de um sentido, um entusiasmo que vá além do chumbo do mundo, é grande ou pequenina, fato é que no Sofia formamos todos uma grande caravana de almas, ainda que ela dure poucos dias, e depois se desfaça... Será?
Descendo as escadas, a primeira alma que vi foi justamente o coração do Sofia, Pri Martinelli, uma das sonhadoras que materializou nosso encontro. Nos cumprimentamos pessoalmente após cerca de um ano, após um giro da Terra em torno do Sol, e no entanto parecia que aquele nosso último encontro tinha sido ontem. De certa forma, estando ali, naquele mesmo local do ano anterior, parecia que o próprio tempo transcorrido havia se tornado, subitamente, algo irrelevante, sem importância: era como se ali, naquele encontro de caravanas, o próprio registro do tempo se desse de outra forma, como se ali cada momento, cada troca de cumprimentos e de saberes, fosse mais eterna, mais duradoura.
Os magos e os místicos, esses praticantes da Arte e de tudo o que ela irradia, são realmente capazes de ver a beleza, o ouro oculto entre o chumbo do mundo. O problema é que a vemos, e logo vem o chumbo e nos faz esquecer. Mas nenhum de nós realmente se esqueceu de nenhum de nossos encontros, de nossas rodas em torno da fogueira, de nossas peregrinações pelo deserto, de nossas aventuras na floresta, de nossos renascimentos na caverna... Ainda que isso ainda resida velado em nosso inconsciente, de alguma forma parte disso vem à tona em encontros como esse, em pleno centro de São Paulo. Esta é a beleza duradoura de Sofia.
Desde que participei do meu primeiro caravançará espiritual, em 2012, pude sentir e compreender que, embora muito importante e iluminador, o conteúdo das palestras dos expositores era algo que ficava claramente em segundo plano, ofuscado pela simples oportunidade de finalmente, finalmente, podermos conviver alguns dias em meio a uma comunidade de buscadores, de caminhantes, de gente que veio de todos os cantos do Brasil, e até de fora, para estar com seus semelhantes. E a nossa principal semelhança é querer buscar o que está além do dogma, além do julgamento, além das ideias de certo e errado. O Sofia é um campo onde as almas se encontram e são o que são.
Pode parecer fácil, mas não é. A magia mais difícil é ser quem realmente somos. A cada vez que paramos nossas caravanas isoladas nesse grande campo, a cada vez que percebemos que todas aquelas regrinhas hipócritas de “faça isso ou não faça aquilo senão aquilo outro pode acontecer”, de “pratique este caminho e jamais olhe, sequer de relance, para os demais”, ou de “nós somos os escolhidos e não podemos nos misturar com aqueles ali”, a cada vez que constatamos que tais regrinhas não passam de palavras ao vento, incapazes de gravar um coração sequer, nos voltamos um pouco mais, um pensamento de cada vez, para a grande realidade do que realmente somos.
E aquilo que buscávamos esse tempo todo também estava nos buscando. Também estava ali, no olhar de nossos irmãos mais adiantados no caminho; e como eles não poderiam caminhar por nós, tiveram de ser assim, pacientes, esperando que chegássemos até eles. Uma coisa que aprendi no deserto é que uma caravana precisa apenas do suficiente para alcançar a próxima parada, todo o acúmulo de preceitos, todo o empilhamento de dogmas, serve apenas para nos atrasar, nos fazer arrastar, cheios de julgamentos, nas areias escaldantes.
No fim das contas, a coisa toda é realmente simples: tudo tem a ver com amar e com não amar.
Amar nos enche de entusiasmo, nos faz ser habitados pelos deuses, nos faz querer ser antes de ter. Mas o amor não é algo escondido numa masmorra entre a floresta, não é um prêmio que se conquista ao final de alguma aventura fantástica, não é uma medalha de algum grau maçônico: o amor sempre esteve à nossa volta, tudo o que temos de fazer é derrubar, pedra por pedra, toda essa muralha de julgamentos que erguemos entre nós e ele. Daí então poderemos nos dedicar a construir um belo templo no lugar.
Quando nos aproximamos do grande caravançará de Sofia, pode ser que alguns desses templos dourados cintilem demais e nos façam fraquejar, imaginando que estamos distantes demais de tamanha beleza. Mas tudo o que os mestres querem é que façamos tudo aquilo que eles fizeram, e ainda mais. É somente assim que a chama pode realmente ser passada adiante. É somente assim que a beleza pode realmente se tornar duradoura, atemporal, eterna.
Seja como for, essa viagem não acaba nunca, e esse universo é vasto o suficiente, paciente o suficiente, amoroso o suficiente, para nos aguardar no próximo encontro.
Até lá, caravansárias e caravansários!
por Raph em 25/11/25
***
Crédito da imagem: Guilherme Zorba (Déia Filha D'Água)
Marcadores: amor, artigos, artigos (311-320), espiritualidade, Simpósio Sofia
0 comentários:
Postar um comentário
Toda reflexão é bem-vinda:
Voltar a Home