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17.1.09

O caçador de médiuns

“Houdini... Houdini... Houdini...”

Ele estava imerso nas águas de um rio com a superfície congelada. Quando foi jogado por um dos buracos no gelo, estava preso por diversas correntes e cadeados, e trancafiado em um baú. Livrar-se das correntes e sair do baú, mesmo debaixo d’água, foi um dos truques que o fez famoso mundialmente, um dos muitos truques “mágicos” de fuga em que era especialista... Porém, naquele dia Houdini havia desconsiderado a possibilidade da forte correnteza do rio o levar para muito longe do buraco na superfície congelada, por onde deveria sair após se livrar das correntes e do baú, e infelizmente foi o que ocorreu.

Com pouco tempo de consciência em um leito de rio de águas em temperaturas muito baixas, tudo que conseguiu fazer foi achar um “bolsão” de ar entre a superfície da água e a camada de gelo imediatamente acima. Eram alguns centímetros talvez, mas era o suficiente para respirar um pouco. Porém, sem saber em que direção estava o buraco no gelo, Houdini passou a considerar que aquele talvez fosse o seu truque derradeiro: um truque do qual só escaparia com a morte.

Isso foi até ouvir a voz de sua recém-falecida mãe. A voz não era um cumprimento emocionado de uma mãe que talvez o estivesse esperando em algum céu, mas uma ordem para que nadasse em direção a ela... E, sem pestanejar, foi exatamente o que o mágico fez: seguindo a voz de sua mãe, encontrou a saída do túmulo de gelo e ainda teve muitos anos de glória pela frente.

Houdini no entanto nunca se esqueceu do ocorrido. Cético, acreditava que poderia ter “fantasiado” sobre ter ouvido a voz da mãe, mas como então explicar que a voz o direcionou a saída do rio? Como explicar a certeza que sentia em seu íntimo, de que aquela era, sem sombra de dúvida, uma comunicação genuína de sua mãe falecida?

Buscando explicações, Houdini acabou encontrando em Sir Arthur Conan Doyle, célebre criador de Sherlock Holmes, um conselheiro promissor: Doyle era um intelectual, e provavelmente mais confiável do que “espiritualistas em geral”.

Através de Doyle, Houdini teve suas primeiras experiências com o espiritismo, e alguns fenômenos que ainda eram comuns na Europa do início do século XX: “experiências com copos”, “mesas girantes” ou simplesmente médiuns que “diziam incorporar os mortos”. Entretanto, seguindo o próprio conselho do codificador da doutrina espírita, Houdini encarou todas essas pretensas “experiências espíritas” com extremo ceticismo. Com seus conhecimentos célebres de magia e ilusionismo, desmascarou inúmeros charlatões e falsários, a maioria dos quais cobravam por suas “apresentações” (o que é condenado pelo espiritismo). Não precisou de muito mais do que isso para que Houdini fosse então considerado uma espécie de desenganador, desmistificador, ou “caçador de médiuns”, principalmente porque desde essa época a mediunidade já era atacada por duas vias: céticos que contestavam a existência de espíritos fora de um corpo, e protestantes que ligavam a mediunidade a “comunicações com demônios”.

Doyle, que notadamente não era um cético por excelência, acabou rompendo sua amizade com Houdini. Obviamente que Houdini atacava somente os charlatães, e não os espíritas (que, dentre outras coisas, não cobram nada por sua mediunidade), mas o choque negativo (em relação à mediunidade em geral) que Houdini causava na mídia da época foi o suficiente para que Doyle considera-se afastar-se dele (mesmo o considerando um “grande médium”, coisa que o próprio Houdini sempre desmentiu).

Ora, me parece que até aqui essa é uma história ideal para os “céticos de plantão”, que aproveitam qualquer mísera oportunidade para atacar o espiritismo. Ocorre que, felizmente (ou infelizmente), esse tipo de “cético” não é muito dado e interpretações mais profundas dos fatos: sim, é óbvio que Houdini vinha desmascarando inúmeros charlatões durante os anos, mas engana-se quem acredita que Houdini fazia isso pelo puro prazer de os desmascarar, ou por alguma consciência de justiça; nada disso, Houdini estava todos esses anos tão somente tentando voltar a se comunicar com a mãe. Aquela experiência do rio realmente nunca lhe fugiu da memória: ele tinha a esperança clara de encontrar uma comunicação mediúnica verdadeira, pois sentia que precisava voltar a dialogar com a mãe.

Mas, como dizia Chico Xavier, “o telefone só toca da lá para cá” (Kardec diria outra coisa, mas isso já é outra história). Sem dúvida, Houdini perseguiu uma comunicação mediúnica com a mãe por boa parte da vida, mas ele a buscava pelos motivos errados, motivos egoístas. Mediunidade não é “passe de mágica”, nem uma coisa que existe para nos “consolar” ou “satisfazer os desejos íntimos”; mediunidade é uma lei natural que permite que espíritos trabalhem em comunhão em ambos os mundos (ou dimensões), e segue uma série de regras estritas (não cobrar fortunas é muitas vezes uma delas), todas voltadas para a reforma moral íntima dos médiuns, geralmente através da caridade. Quem vai atrás do espiritismo em busca de uma “comunicação” ou fenômeno espiritual, quase que sempre sairá de um centro espírita desiludido: os espíritos não se prestam às nossas necessidades, os médiuns é que se prestam as deles, de preferência aos espíritos adiantados moralmente que querem tão somente “melhorar a moral na vizinhança cósmica”.

Para os céticos que ainda não acreditam que a intenção real de Houdini era ter um novo contato com a mãe, resta-nos a história bastante conhecida que nos conta que, pouco antes de falecer (sua morte foi um tanto banal), Houdini confidenciou a sua esposa (Bess) um código que serviria para que ela interpretasse qualquer comunicação mediúnica após sua morte: caso o pretenso médium informasse o código, Bess saberia que era uma comunicação genuína do marido falecido. Meses após sua morte, Bess divulgou na mídia que buscava comunicações do espírito desencarnado de Houdini, e não sem surpresa, percebeu que a maioria delas era falsa, pois não informava o código. Isso prosseguiu até que um médium chamado Arthur Ford divulgasse o tal código secreto. Posteriormente, para conseguir com que um filme sobre a carreira do marido fosse rodado (o que lhe renderia bastante dinheiro), ela “admitiu” que talvez o tal código pudesse ter chegado a Ford antes de Houdini morrer (mas não deu muitos detalhes além disso, na realidade era “pré-condição” da produtora que Houdini não fosse retratado como “alguém que acreditava na mediunidade genuína”, devido a razões óbvias [novamente, duas vias de ataque: céticos e protestantes]).

O fato é que, tendo ou não o tal código sido revelado anteriormente a Ford, Houdini sem dúvida tinha a crença de que era possível a mediunidade genuína (embora, sem dúvida, soubesse que a grande parte dos “médiuns” da época eram fraudes): do contrário, não teria passado boa parte da vida buscando uma nova comunicação com a mãe, e muito menos se daria ao trabalho de criar o tal código para sua esposa.

Para mim, isso demonstra que o ceticismo e a mente aberta são condições ideais para a compreensão da realidade. É muito provável que ainda existam muitos farsantes no campo espiritualista (mesmo entre os que nada cobram, mas buscam atenção, ou sofrem de autoengano), mas ignorar a realidade espiritual do mundo pode nos limitar certas opções: será que quando estivermos congelando no leito de um rio escuro, seguiremos a voz que nos ama?

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7 comentários:

Blogger raph disse...

Atualização: provavelmente o médium Arthur Ford teve acesso ao código de alguma forma tradicional (não genuinamente mediúnica), o que compromete a crença de que Houdini realmente se comunicou com a esposa após ter falecido (e dá razão aos produtores do filme). Porém devo dizer que isso continua sendo mera opinião, no cruzamento dos dados é que tenho a tendência a crer na fraude de Ford (nesse caso).

De qualquer forma continua valendo o que afirmei no texto:

"O fato é que, tendo ou não o tal código sido revelado anteriormente a Ford, Houdini sem dúvida tinha a crença de que era possível a mediunidade genuína".

Lembrem-se: o paranormal é apenas o natural a ser compreendido pela ciência!

17/1/09 19:41  
Anonymous Anônimo disse...

Não penso que Houdini de fato acreditasse na mediunididade verdadeira, talvez nas primeiras análises, mas seu livro, A Magician Among the Spirits, deixa bastante claro isso, pois ele comenta que no início tinha tal esperança, mas que com o tempo isso desapareceu completamente.

O tal código não foi deixado antes ou perto de sua morte, mas no início das "investigações" (que durou dezenas anos) e não apenas para a sua esposa, mas também para amigos; amigos estes que também morreram e nunca entregaram tal código à Houdini - todos estes combinados desde o início da investigação.

Com isso, resumindo, Houdini deve ter acreditado no início, mas apenas no início e, certamente, não morreu tentando encontrar veracidade nas tais práticas; isso acabou se tornando uma atividade rotineira de "catálogo de serviços" (expressão minha).

Rodrigo

25/2/11 09:32  
Blogger raph disse...

Oi Rodrigo,

Apesar de haverem muitas teorias sobre o que Houdini acreditava ou não, em realidade não importa para este texto - o objetivo dele é expor como mesmo um cético por vezes tem de encarar o desconhecido e, embora não saiba explicar exatamente o que ocorreu, nem provar como fraude ou evento paranormal, ainda assim pode tirar uma lição subjetiva do ocorrido.

Ou, em outras palavras, não adianta pretender ignorar totalmente a intuição. Ela sempre vem, independente de isso nos servir de "prova" para alguma coisa ou não.

No entanto, Houdini provavelmente perdeu sua crença na paranormalidade, independente de quando tenha sido.

Abs!
raph

25/2/11 09:47  
Blogger raph disse...

Por exemplo, existem teorias de que Houdini era maçom. Dado o conhecimento do autor deste site sobre ocultismo e maçonaria (inslusive "do lado de dentro"), acho que é uma informação bastante relevante a ser considerada:

http://www.deldebbio.com.br/index.php/2011/03/24/mapa-astral-de-harry-houdini/

24/3/11 10:07  
Blogger Unknown disse...

Amigo, qual a diferença entre a busca de Kardec e Houdini? No Início, Kardec também foi um cético, não se convenceu até ter certeza absoluta da veracidade dos fatos.

Injusto de sua parte referir-se a motivação de Houdini como egoísta uma vez que não se sabe o que ele faria com a informação se a conseguisse.

Creio que seja um pensamento pequeno querer que esse ou aquele indivíduo acredite naquilo que lhe escapa aos sentidos simplesmente pelo significado que a palavra fé carrega na cultura do homem moderno.

Ao meu ver, ele teve grande valor ao desmascarar manifestações fraudulentas. Pena não termos hoje um Houdini para contrabalancear a imensa quantidade de fraudes que alimentam expectativas fantasiosas sobre a doutrina.

13/3/14 08:01  
Blogger raph disse...

Oi Marcel, talvez tenha interpretado o "egoísta" de uma forma forte demais no contexto do artigo. Gostaria de trazer de volta os últimos trechos do mesmo:

"Houdini sem dúvida tinha a crença de que era possível a mediunidade genuína (embora, sem dúvida, soubesse que a grande parte dos "médiuns" da época eram fraudes): do contrário, não teria passado boa parte da vida buscando uma nova comunicação com a mãe, e muito menos se daria ao trabalho de criar o tal código para sua esposa.

Para mim, isso demonstra que o ceticismo e a mente aberta são condições ideais para a compreensão da realidade. É muito provável que ainda existam muitos farsantes no campo espiritualista (mesmo entre os que nada cobram, mas buscam atenção, ou sofrem de auto-engano), mas ignorar a realidade espiritual do mundo pode nos limitar certas opções: será que quando estivermos congelando no leito de um rio escuro, seguiremos a voz que nos ama?"

Abs
raph

13/3/14 11:36  
Blogger Mariana Sodemell disse...

Impossível ser maçom e ser ateu, descrente da realidade espiritual/extrafísica. Acreditar em algo é necessário p entrar. Apesar da maçonaria tb estar envolvida com questões políticas e interesses materiais, seus integrantes são iniciados e recebem ensinamentos relacionados ao plano espiritual (o q n quer dizer q sejam seres maravilhosos). Impossível uma pessoa entrar na maçonaria sem estudar esses ensinamentos, pois é necessário p passarem pelos graus.

Comunicação com mortos é algo polêmico até pra espiritualistas, pois os planos extrafísicos tem características próprias e em mtos aspectos distintos do material. O q n significa q invalida a realidade extrafísica e questões como a continuação da vida após a morte do corpo físico. O problema é que os ditos céticos não sabem sobre o assunto e misturam as coisas. Não é pq a consciência continua q a alma vai ficar vagando por aí e todos irão conseguir ver, isso é algo q implica várias coisas.

O q me parece q o Houdine fazia era tentar desmascarar falsos médiuns, da mesma maneira q qlquer profissional ou entendido de um assunto pode querer desmascarar charlatões. O fato dele fazer isso, n significa de maneira alguma q ele desconsiderava essa possibilidade ou a realidade extra física, não tem nada a ver esse pensamento, isso é uma falácia. Até pq como disse, ele sendo maçom, conhecia mto bem sobre a realidade espiritual.

O que parece é que toda vez que alguém chega perto de uma prova, ou forte evidencia da realidade extrafísica, é sabotada. É sempre assim e a maioria acredita q é sempre assim, pq é sempre mentira mesmo, mas não creio nisso. É mto forçada a imagem q tentam passar do Houdine como um descrente. Contam as histórias pela metade, apenas o q querem q a gente saiba e q acreditemos.

31/1/15 12:30  

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