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12.1.09

Porque simpatizo com o espiritismo (III)

Seguindo o artigo anterior de onde parei...

Como vinha dizendo, uma coisa é crer na possibilidade de um Criador, outra muito distinta é compreendê-lo. Em todo caso, poderemos começar por uma lei da Natureza para a qual tanto céticos quanto espiritualistas não criam objeção a primeira vista: a lei da evolução. Evolução não significa que os organismos na Terra evoluem aleatóriamente com o passar do tempo, peixes que "decidem" ir viver na terra firme, simios que "decidem" ir viver em cima das árvores, ou girafas que "de alguma forma" esticam seu pescoço até que consigam comer as folhas das copas das árvores... Evolução significa que genes já existentes na espécie são privilegiados ou descartados, de acordo com sua função, até que certas características físicas (determinadas por esses genes) possibilitem uma melhora na capacidade da espécie sobreviver: peixes que tinham mais chances de sobreviver em terra firme se transformam lentamente (ao longo de várias espécies e milhões de anos) em criaturas desse tipo, simios que sobrevivem mais nos galhos das árvores evitando predadores no solo se transformam em mestres das árvores, girafas que vislumbram a possibilidade de encontrar pasto acima das árvores (onde não há muita concorrência com outros herbívoros) se transformam em criaturas pitorescas de pescoço alongado.

Se existe um plano para tudo isso, pela lógica devemos considerar que todas as criaturas vivas tem igual oportunidade na Terra, e que a Natureza, muito antes do homo sapiens chegar, proporcionou um vasto campo de experiências para essas espécies, onde simples bactérias evoluiram lentamente para todo tipo de animal sobre a Terra: uns bem sucedidos na sobrevivência, outros mal sucedidos ou extintos. A Natureza não faz um drama disso tudo: ela apenas propicia que espécies evoluam fisicamente, até estarem de acordo com a capacidade de abrigarem consiciência. Se considerarmos toda a história da Natureza na Terra, como um todo, teremos um maravilhoso exemplo de luta feroz pela sobrevivência, mas também do lento afloramento daquilo que nos é mais precioso: a capacidade de sermos conscientes de nós mesmos, e então passarmos a decidir nosso próprio futuro; Sermos morais ou imorais, sábios ou ignorantes, amorosos ou indiferentes... Agora, não dependemos apenas dos instintos animais, não precisamos mais ser governados por eles.

O Criador justo

Por mais que nos seja complexo definir conceitos como a Justiça, me parece que toda a história descrita acima pelo menos nos leva a uma idéia de "igual oportunidade". Pois, se Deus criasse os espíritos no ato da concepção, e os "enviasse" as mães, como poderíamos ver Justiça quando uns nascem em terras áridas africanas, enquanto outros nascem em celeiros de riqueza europeus? Quando uns nascem numa era de tecnologia, anestesia e direitos civis, e outros nascem no passado tribal ou na época negra medieval? Quando uns nascem perfeitamente saudáveis, e outros nascem com doenças terminais ou disfunções desastrosas?

Na minha modesta opinião, um Criador só poderia ser realmente Justo se nos houvesse criado todos iguais, princípios de consciência ancestrais, que vieram evoluindo ao longo de diversas espécies, e diversas encarnações, até que a consciência enflorasse, e pudéssemos então guiar a nós mesmos, obedecendo a uma simples Lei de Causa e Efeito: tudo o que sua consciência inflige de mal, estará para sempre gravado nela própria. A única forma de evoluir moralmente, portanto, é nos expurgarmos desse mal, lapidando nossa alma lentamente, também ao longo de milhares de anos... Não existe punição nessa Lei, a "punição" está de acordo com a ignorância de cada espírito para com os segredos de sua própria consciência. Melhor aquele que matou pessoas na fogueira vir como enfermeiro de queimados, do que ele mesmo morrer queimado... No entanto, existem espíritos ignorantes que ainda seguem a lei do Talião, e mesmo aqueles que se recusam de antemão a qualquer prática de caridade. Mas, aqueles que tem algum conhecimento de si mesmos, e do Amor que nos liga a todos em uma teia divina, trata de trabalhar sempre para que sua consciência se veja livre de toda culpa, o quanto antes melhor!

Seguindo a mesma lógica, teremos uma elegante explicação para a evolução da cognição humana. Genes, como já disse, determinam apenas características físicas. Não se sabe que espécie de genes determinam características cognitivas (como em gênios precoces da música ou matemática), morais (como nos grandes sábios e seres amorosos) ou mesmo culturais (embora os cientistas tenham chegado a vaga teoria dos Memes). Ora, é que esses tais "genes da cognição" nada mais são do que a capacidade cogntiva desenvolvida pelos espíritos ao longo de inúmeras encarnações. São como "potencialidades da alma" que se encontram adormecidas, e podem ser afloradas ou não, dependendo da "sorte" de cada um na vida atual, ou seja: do que se propuseram a vir realizar de construtivo para si mesmos (e todo restante do planeta).

Dessa forma, o médico que precisa desenvolver sua moral, poderá ter uma potencialidade para a prática da medicina nunca desenvolvida, e quem sabe ser um mero faxineiro do hospital: para este, o aprendizado não vem mais de cirurgias, e seu jaleco de faxineiro o trará todo o tipo de provas que o fará "forçosamente" encarar os problemas morais em seu espírito; Poderá, no mínimo, aprender a respeitar a todos como iguais, cirugiões ou faxineiros. E nos livros de Kardec, exemplos como este não faltarão.

Porisso também é que a grande maioria se esquece de suas vidas passadas, é que elas não desempenham papel tão preponderante assim: não precisamos "saber" o quanto fomos imorais para praticar a moral. Não precisamos "fazer regressão" para despertar nossa capacidade de amar... Ela já está aqui, dentro de nós, e o espiritismo nos passa sempre essa mesma recomendação de trabalho na melhora gradual de nós mesmos. É tão somente isso que os espíritos de luz desejam para nós, pois que ninguém evolui sozinho, e a evolução não anda para traz. Certamente que antes, quando iámos ao Coliseu ver feras devorando homens, quando achávamos normal a escravidão e a idéia de que mulheres e animais não tinham alma, eramos decerto menos evoluídos moralmente... Daí a lógica de que procurar saber de nosso próprio passado espiritual quase nunca é passo necessário para que evoluamos aqui e agora, no único presente ao qual nos foi dado decidir o que fazer.

Nascer, morrer, renascer ainda, e progredir sempre. Tal é a lei (essa frase se encontra na lápide de Kardec, na França).

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4 comentários:

Blogger Manuel Almeida disse...

Caro Del Debbio.
Há já algum tempo que tenho conhecimento da coerência dos seus escritos.
Hoje, dei por mim a procurar ler sobre este tópico, os argumentos que escolheu para partilhar o porquê da sua afeição pelo espiritismo.
Como vc, também eu sou adepto da filosofia espírita, porém com acrescimo da filosofia ubaldiana, pois que, no meu fraco entender, Ubaldi completa e faz coerente os pilares kardekianos.
Quanto à problemática do criador, e, tentando defini-lo filosoficamente, não concebo que um ser absoluto (Deus) crie, pois isso demonstraria essa necessidade (a de criar) e faria dele um um ser incompleto, assim, concebo que tudo quanto existe será consequência da projecção do AMOR DIVINO, quais fotões são consequencia da luz electrica. Assim como nós somos deuses e por isso responsáveis pelos que emanamos (Pensamentos, energia, atitudes), assim será com tudo quanto existe, ou seja emanação da causa incausal. Obviamente que por sua vez as emanações possuem as suas próprias e, desta forma somos "co-emanadores" com a fonte primeira.
Um bem haja a si pela partilha.

11/3/12 08:34  
Blogger raph disse...

Manuel, acredito que esta seja uma excelente reflexão acerca do Criador. Bem, Espinosa falava em "uma substância que não poderia criar a si mesma" e que, portanto, jamais criou algo, apenas irradiou tudo o que há a partir de si própria. Isso também vai de encontro ao que defendem os hermetistas, particularmente no Caibalion.

Agora, só falta explicar: este é o blog do Rafael Arrais (eu), um dos colunistas do site do Del Debbio, e não do próprio Del Debbio :)

Abs!
raph

11/3/12 18:52  
Anonymous Franco-Atirador disse...

Sobre os comentários:
Se assim for, então o próprio termo Criação estaria errado, encaixando-se melhor Perpetuação, ou necessitando de uma interpretação adicional de que é uma Criação incriada e perpétua, de que oque se CRIA são VARIAÇÕES da Perpetuação :).


Quanto ao Absoluto e sua complexidade, acho mesmo que enquanto humanos nesse estágio jamais poderemos captá-lo totalmente, acho que nunca poderemos, pois que é a jornada infinita, e, se pudéssemos, perderia a graça, por mais que ainda nos sobre inúmeros sabores e cantos da Sua Criação para nos entreter, possibilidade esta, a meu ver, remota, uma vez que se parece pouco provável que a criação seja mais interessante e demorada de entender do que o Criador, pois que talvez isso diminuiria o efeito perante a causa, ou não, sendo visto como o conhecimento total sobre um artista, mas que produziu tantas obras que não damos conta de ver todas. Enfim, permanecem muito mais dúvidas, pois é um assunto em que ainda engatinhamos - se usamos esse termo para descrever o que sabemos de genética, física, imagine desse assunto.

Sobre as potencialidades, é curioso pensar em como surgem. Surgiriam daqui mesmo e seriam estimuladas a continuar seu desenvolvimento (ou não) por outras vidas dependendo do ambiente? É o que consigo captar logicamente. Há pessoas que não são boas em alguma coisa mas amam fazer aquilo, inclusive há uma frase que diz que 'prefiro ser um fracasso no que amo do que um sucesso no que odeio', poderia estar surgindo, então, uma potencialidade a ser lapidada. Mas surgiu de onde? O amor a indicou. E o que é o amor àquilo? Um gostar. Por que? Talvez devido às experiências que teve em vidas, por acaso (ou não)? Por que gostamos de algo? Por que nos faz bem. Por que o fazer bem é tão relativo para cada um? O fazer bem refletiria a necessidade de lapidação do espírito? Seria então, programado por alguma lei da natureza (se te lapidar, fará bem), assim como os animais tendem a fazer aquilo que os dá prazer e não fazer o que lhes dá dor? Mas para alguns, matar, mutilar-se, praticar pedofilia e usar drogas pesadas lhe fazem bem; mas seria um bem ilusório?

Sobre a moral, esta, a meu ver, também parece operar como uma potencialidade, tendo em vista que a alma pode nascer em uma família menos adiantada, e se não se tocar, buscar, aprender (olha o ambiente outra vez), pode ficar presa na persona menos adiantada compartilhada pela família, porém o estalo de se tocar pode vir da potencialidade - no caso, mais aflorada daqueles que continuam menos lapidados. Então, veríamos o indivíduo como uma alma que recebe uma persona do meio e dos genes, mas que a alma ao longo do tempo, devido à uma interação com o ambiente, aprendizado, experiência e potencialidades - entendida aqui como o estágio da alma, seja artística ou moral - gruda e/ou desgruda de sua persona aspectos que lhe aprazem e sintonizem com a alma.

Ufa! Com essa me superei, acho, kkkkkk. Ótima série!

12/9/12 11:00  
Blogger raph disse...

Oi Franco,

Além de tudo o que questionou acima, devemos levar em consideração que, muitas vezes, um ser possui muitas potencialidades técnicas e poucas potencialidades morais.

Dessa forma, um grande médico que praticou uma vida de medicina de alta técnica, mas sem realmente exercitar a compaixão ou a humildade (do ego), pode noutra vida ser o faxineiro do Hospital. E porque não enfermeiro? Porque seria arriscado: fosse enfermeiro, seria mais provável que relembrasse de suas potencialidades técnicas, e acabasse virando o "grande médico" novamente.

O que quero dizer é que assim como podem haver potencialidades não desenvolvidas, podem também haver potencialidades já plenamente desenvolvidas, mas que não seriam "interessantes" para certos "planos de vida".

Abs
raph

12/9/12 11:08  

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