O fogo de Prometeu, parte 2
Fissão Nuclear é a quebra do núcleo de um átomo instável em dois menores e mais leves, um processo físico normalmente catalisado pela colisão de nêutrons com o núcleo. Esse processo pode ser rotineiramente observado em usinas nucleares e/ou em bombas atômicas.
A floresta e o sarcófago
Einstein dispensa apresentações, sendo o célebre criador da equação que mudou o mundo, E=MC², o que nos demonstrou que toda matéria, tendo sido criada pela condensação da energia, pode uma vez mais se converter em energia, processo que ocorre a todo momento no núcleo das estrelas. O cientista alemão, entretanto, inicialmente não acreditou que este processo seria viável tão cedo, como disse: “a probabilidade de transformar matéria em energia equivale a atirar em pássaros no escuro num campo em que há pouquíssimos pássaros”.
A equação de Einstein parecia mais uma conclusão puramente teórica do que uma solução prática para a produção de vastas quantidades de energia. Era muito difícil “vencer” a integridade dos núcleos atômicos, sendo que para provocar uma fissão nuclear gastava-se muito mais energia do que se poderia produzir ao fim do processo... Foi Leó Szilárd, um jovem cientista húngaro, amigo de Einstein, quem primeiro compreendeu que o problema estava em se bombardear o núcleo atômico positivo com partículas de carga elétrica igualmente positiva: como sabemos, polos idênticos se repelem mutuamente. Szilárd teorizou que o recém-descoberto nêutron – como já diz o nome, de carga neutra – poderia ser usado para bombardear o núcleo atômico, sem ser repelido, portanto ligando-se ao próprio núcleo e o tornando instável. Núcleos atômicos instáveis se repartem em elementos mais leves, liberando grande quantidade de energia, e novos nêutrons, o que acarreta uma reação em cadeia: uma reação nuclear digna do fogo de Prometeu!
E todos sabemos como foi a história da corrida nuclear do século XX... Para nossa sorte, os nazistas não conseguiram construir a bomba atômica antes dos aliados, e Hiroshima calhou de ser a testemunha direta do que míseros 0,6g de massa podem fazer quando liberam sua energia em uma reação em cadeia. Após o fim da Segunda Guerra, essa corrida continuou por vias obscuras, numa guerra psicológica, fria como um sarcófago de chumbo, que colocou duas grandes potências, EUA e URSS, em polos opostos.
Sabe-se lá como, conseguimos virar o século sem termos nos exterminado em um inverno nuclear, e hoje felizmente as nações que alcançaram a tecnologia da bomba atômica estão aparentemente em um consenso de que o arsenal nuclear deva ser reduzido – muito embora provavelmente não o suficiente para que qualquer espécie de guerra atômica seja nalgum dia segura... Sim, pois em todas as guerras pregressas, os homens temiam pela morte de dezenas ou milhares – porém, na era nuclear, passaram a temer pela extinção de centenas de milhares, ou até mesmo de toda a espécie humana. Teria o temor irracional finalmente conseguido escapar da caixa de Pandora?
Disso não sabemos, mas existe um outro aspecto da corrida nuclear que passou desapercebido da maioria... É que a fissão nuclear não havia sido usada apenas para a produção de reações nucleares descontroladas, detonadoras de bombas, mas também para as controladas, no intuito de se produzir energia. E surgiram as usinas nucleares, grandes aliadas do desenvolvimento humano, da industrialização, de uma nova era para a humanidade. Em sua confiança cega, o homem acreditou mesmo que estava apto a controlar o fogo de Prometeu, a realizar na Terra o que era próprio de reações estelares. O homem acreditou que poderia aprisionar um deus, sem pensar devidamente nas consequências...
Claro que as coisas um dia dariam errado. O problema de lidar com a energia nuclear é que qualquer erro pode trazer consequências graves, muito graves... Em 1986 um dos reatores da usina nuclear de Chernobyl – então URSS, hoje Ucrânia – explodiu em pleno funcionamento, durante um teste de um mecanismo de segurança. Este evento catastrófico liberou radiação equivalente a 20 bombas de Hiroshima, e matou diretamente dezenas de pessoas; Mas indiretamente, conforme ocorreu com Madame Curie, pode ter causado cânceres letais em dezenas de milhares de pessoas, além de ter tornado as imediações da usina uma zona fantasma por talvez milhares de anos, já que muitos dos elementos expostos na atmosfera continuam radioativos por muito, muito tempo!
A solução encontrada pelas autoridades foi construir um imenso sarcófago de chumbo [1] em torno do reator exposto, numa tentativa de conter o veneno radioativo apenas naquele local... O problema é que existem inúmeras evidências de que a radiação contaminou o solo, a vegetação, e mesmo os animais que perambulam pela área. Embora ninguém saiba ao certo a extensão do estrago, o que se esperava é que ele fosse suficiente para fazer as nações repensarem o uso da energia nuclear. Como sabemos, não foi bem o caso...
Chernobyl, entretanto, ainda foi capaz de nos trazer uma lição ainda mais sombria e profunda: após o desastre, as imediações em torno da usina foram abandonadas por quase todos os humanos (alguns camponeses insistiram em continuar vivendo no local, mas obviamente não sobreviveram por muito tempo); Só que a fauna e a flora devastadas num primeiro momento, regeneraram com o passar das décadas, e hoje temos no entorno do sarcófago de Chernobyl a chamada Floresta Vermelha, o mais improvável dos refúgios naturais!
Se a radiação pode fazer mal aos seres vivos, e causar inclusive um grande aumento de mutações genéticas (em sua maioria, “maléficas”), ela não se compara a capacidade devastadora da civilização humana. Eis que, mesmo em meio à zona contaminada, os animais prosperaram, pois lá tiveram maiores chances de sobrevivência do que nas parcas zonas selvagens que ainda lhes restam naquela região do globo. Eis uma dura lição sobre a natureza humana.
Entre a floresta e o sarcófago, já foram registradas estranhas plantas com gigantismo, pássaros com penas estranhas, e outras anormalidades genéticas... Como saber o que surgirá de Chernobyl daqui a milhares de anos? Tomara que, se o homem realmente se aniquilar em um inverno nuclear, que pelo menos esses animais tenham tido algum tempo para, quem sabe, passar por alguma forma de mutação que os possibilite ter maior resistência à radiação.
Sim, pois tudo que o homem poderá fazer, se não souber usar ao fogo de Prometeu com sabedoria, é consumir-se no próprio fogo. Como o fogo é capaz de renovar todas as coisas, esperamos que no caso de uma tragédia global, uma próxima espécie consciente seja mais sábia. Pois o homem pode ir-se embora, mas a floresta e o sarcófago ainda restarão.
Na continuação, como aproveitar a usina que sempre esteve lá...
***
[1] Veja mais neste documentário da BBC: "Dentro do sarcógafo de Chernobyl" (em inglês).
Crédito das imagens: [topo] Gerd Ludwig/Corbis (Cemitério próximo a usina de Chernobyl); [ao longo] Gerd Ludwig/Corbis (Frutos radioativos). Nota: eu optei por não mostrar imagens muito fortes. Para quem tiver interesse, buscar por "Chernobyl - The Aftermath" no Google Images... Eu sequer posto o link aqui, pois há que se pensar bem antes de se dispor a ver algumas das imagens, sobretudo de crianças e do gado contaminado.
Marcadores: acidente, artigos, artigos (111-120), átomo, Chernobyl, ciência, Einstein, energia, física, guerra, política, radioatividade
1 comentários:
Apesar de ser um refugio para certos animais, Floresta Vermelha esta longe de ser um paraiso ecologico:
Após 25 anos, Chernobyl ainda é perigo para meio ambiente (AFP)
Postar um comentário
Toda reflexão é bem-vinda:
Voltar a Home