White Pride
Texto de Tiago de Thuin, autor do blog "Samba do Avião" e também meu amigo de longa data. O comentário ao final é meu.
Volta e meia alguém, mesmo sem ser particularmente racista (numa sociedade que é racista, não dá pra dizer que alguém seja inteiramente livre disso), repete aquela pergunta de white power, "se você pode ter orgulho negro, por que não orgulho branco, ein, ein?" A resposta que eu dou normalmente é a tradicional: porque orgulho negro se trata de orgulho de ter sobrevivido, e ainda sobreviver, a uma sociedade que lhe oprime, assim como o orgulho gay; nessa dicotomia, orgulho branco ou orgulho hétero ou bem são uma besteira sem sentido ou bem são orgulho de fazer parte dos opressores. E sinceramente, a não ser que você seja uma dominatrix, acho que ninguém acha tão legal ou virtuoso oprimir os outros quanto manter a cabeça erguida diante da opressão. O orgulho negro, ou gay, explícito, se dá justamente para afirmar o valor frente a um orgulho implícito branco ou hetero fortíssimo. É como a piada do dia internacional da mulher; agora que acabou voltamos ao ano internacional do homem.
Hoje, vendo a wikipédia sobre os bairros do Rio, achei algo que atenta para uma das facetas desse orgulho, que se mistura com a noção dos EUA como modelo de civilização. É que o brasileiro - ou pelo menos, e principalmente, a classe média brasileira, que é afinal de contas principalmente branca e poderia concordar com a frase infeliz de Gilberto Freyre quando este diz que o brasileiro se misturou com o negro e com o índio - tem, muitas vezes, um orgulho desmesurado de suas raízes imigrantes. Você tem um único imigrante na família? Basta para se proclamar "italiano," "alemão," ou "espanhol." A importância da imigração é ensinada na escola, mesmo em livros radicais de esquerda, de forma epocal; no fim do século XIX, saem as lutas dos escravos, exceto por uma nota de rodapé dizendo que não foram devidamente apoiados após a abolição, e entram os imigrantes. O povo brasileiro do século XX, nessa visão, é imigrante.
E ora, o Brasil não chega a ser exatamente um país de imigrantes, não na escala dos EUA ou da Argentina. A maior leva imigratória brasileira, de muito longe, foi mesmo a africana, forçada; 4,4 milhões de escravos, versus 3,3 de todos os imigrantes não-escravos juntos. E esses 3,3 milhões de imigrantes, ao longo da maior parte de um século, se somaram a um país que tinha, em 1872, quase dez milhões de habitantes, dos quais seis milhões de pretos e pardos. A imensa maioria do Brasil (e não da classe média) é mesmo descendente, não de imigrantes, mas de pretos, ibéricos da época da colônia, e índios; os imigrantes não chegam a ser um prato principal nessa mistura. Como foram trazidos justamente, em parte, por se acreditar na sua "superioridade racial," e se beneficiaram tanto de leis de imigração que em alguns momentos foram ridiculamente generosas quanto do racismo em geral, os imigrantes rapidamente viraram a nova classe média, expulsando dela a maior parte dos mulatos.
No caso dos bairros da wikipédia, chega a ser hilário. Alguém realmente acha que um componente importante da população de Botafogo é inglês? (No caso, como o modo de valorizar a imigração segundo o modelo americano já foi estabelecido, somaram ali uma igualmente enigmática Angola.)
Outro caso em que esse orgulho, essa ânsia de ser imigrante (e não-negro ou se mestiço só o bastante pra ter bunda, de preferência) fica engraçado é nos números anunciados da população "x" do Brasil. Fora os portugueses e os italianos, cujo número no Brasil é mesmo substancial (se bem menor, no caso dos segundos, que na Argentina), com efeito, os números propagandeados significariam que todo japonês, árabe, e alemão que veio pro Brasil teve mais filhos que o Genghis Khan. Assim, São Paulo sozinha teria mais de seis milhões de libaneses, apesar de haver, nos censos de 1920 e 1940, uns cinquenta mil imigrantes daquelas bandas. Os 250.000 alemães que chegaram até 1970 representariam a maior parte da população do Sul - uma multiplicação de 1 pra cada 50, pelo menos, o que significa que o Gobineau estaria certo e a fertilidade ariana era mesmo maior, já que se os pobres bugres brasileiros da mesma época tivessem se multiplicado do mesmo jeito, o Brasil seria mais ou menos do tamanho da Índia.
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Comentário
Existem realmente muitos racistas assumidos no país, pelo menos assumem "em família", qual a família que não conta pelo menos um? Mas a grande maioria é racista mesmo sem perceber, por isso que é sempre válido refletir sobre isso...
Para mim, o racismo é sobretudo um fardo. O que eu tenho de racista, tento sempre me livrar, pois em última instância é apenas ignorância, uma ignorância que pode me afastar de conhecer boas pessoas.
Não custa lembrar: não afirmo que o racismo seja ignorância por mera opnião, mas porque já foi comprovado cientificamente que não existem raças humanas, e todos os homo sapiens compartilham um único genoma.
"A palavra raça não identifica nenhuma realidade biológica reconhecível no DNA de nossa espécie, e portanto não há nada de inevitável ou genético nas identidades étnicas e culturais, tais como as conhecemos hoje em dia. Sobre isso, a ciência tem idéias bem claras." - Guido Barbujani em "A Invenção das Raças" (Editora Contexto).
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Crédito da foto: Leonardo Martins (Quilombolas no estado do Rio, aprox. 1940)
Marcadores: autores selecionados, autores selecionados (81-90), história, ignorância, racismo, Rio de Janeiro, Tiago de Thuin
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