Ad infinitum: Porque não há 2 substâncias incriadas?
Este é um comentário adicional acerca do meu livro: Ad infinitum. Este comentário pode parecer complexo, mas devo dizer que o livro foi escrito para ser o mais compreensível possível. Portanto, não deixe de ler a Amostra grátis antes de descartá-lo por alguma razão de aparente complexidade.
Algumas pessoas parecem não ter compreendido muito bem alguns conceitos chaves do livro, e da ideia de Substância de Benedito Espinosa.
Uma das questões que encontrei se referia ao motivo lógico de não poder haver mais de uma substância incriada, no caso, 2+. Ou seja, entre 2 ou 1 milhão ou 1 googolplex de substâncias incriadas, o problema lógico seria o mesmo. Mas, para facilitar o entendimento, vou considerar apenas 2 aqui.
Devo dizer que o que vou falar aqui é exposto bem mais aprofundadamente logo no início da obra prima de Espinosa, a Ética. Mas, devido à linguagem “geométrica” utilizada na obra, o entendimento pode ser mesmo complexo para quem não está muito acostumado com uma filosofia um pouco mais densa. Somente por isso venho aqui tentar explicar o mesmo, procurando usar a linguagem mais simples possível:
Ou há "0" ou há "1" (onde "0" = nada).
Conforme nada pode surgir do nada, temos que ou deve existir algo, ou deve existir nada.
Já que estamos aqui, há "1". Há informação, e não nada.
Conforme estamos aqui pensando, e conforme a nossa volta existem cadeiras e tortas de maça [1], temos que algo existe. Poderia ser somente uma única informação, um único bit [2], ou poderia ser tudo o que há no Cosmos. Tanto faz: fato é que algo existe, e não nada. De fato, esta é uma das poucas certezas que podemos ter em filosofia.
Acaso existissem duas substâncias incriadas, precisariam ter dois atributos diferentes: "1a" e "1b".
Se imaginarmos que poderiam existir duas substâncias incriadas, ou causas de si mesmas, temos que elas precisariam ser diferentes uma da outra, do contrário seriam a mesma. Desta forma, seria necessário que tais substâncias tivessem ao menos um atributo, uma informação, capaz de diferenciá-las entre si. Então, neste caso, teríamos algo como: “1a" e “1b”. Onde “a” e “b” são atributos diferentes um do outro.
Mas "a" e "b" são informações, e toda informação é já um efeito da causa primeira: "1".
Conforme os atributos “a” e “b”, atribuídos às supostas substâncias incriadas, são por si só informação, e como nenhuma informação poderia surgir sem uma causa [3], daí concluímos, pela lógica pura, que “1a" e “1b” na verdade partilham informações já criadas. Isto significa que “1a" e “1b” não poderiam ser as responsáveis por haver criado, respectivamente, “a” e “b”. Ou seja, apenas partilham uma informação que foi criada por uma substância necessariamente pré-existente a elas: “1”.
Dessa forma, temos que "1a" e "1b" nada mais seriam do que subdivisões, efeitos de "1".
Conforme “a” e “b” eram já informações pré-existentes, isto significa que “1a" e “1b” não seriam substâncias incriadas, mas antes subdivisões, substâncias filhas da substância incriada, que deve necessariamente ser única: “1”.
Outra analogia que nos cabe fazer é imaginarmos a luz e suas cores: Ora, hoje sabemos que as cores nada mais são do que a luz (fótons) em diferentes comprimentos de onda. Poderíamos, portanto, imaginar que “existe a cor azul” e que “existe a cor verde”. Mas ambas as cores são apenas percebidas assim por nossos olhos, subjetivamente, pois objetivamente são formadas por luz. Não é que as cores não existam, elas existem, mas existem somente porque antes existiu a luz, e depois uma mente capaz de perceber a luz. Quando rodamos um disco de cores (ou Disco de Newton) percebemos que o que resulta da mistura de todas as cores é a cor branca. Da mesma forma, poderíamos nos iludir imaginando que “1a" e “1b” seriam substâncias incriadas, quando em realidade seriam como que “cores” de “1”, que corresponderia, por analogia, a cor branca, a luz em si.
Lembremos, porém, que isto é somente uma analogia, pois que mesmo os fótons em si já seriam subdivisões de “1”.
A conclusão lógica é que há somente uma única substância incriada, e que estamos dentro dela.
Esta é a beleza desta reflexão profunda: conforme tudo o que existe é subdivisão da substância incriada, e conforme tudo o que existe é formado por informação, daí concluímos, pela lógica, que somos também formados por esta mesma substância, que estamos neste momento, e em todos os outros, navegando dentro dela [4].
Isto não significa crer num deus pessoal (e Espinosa, de fato, não acreditava), mas significa, quem sabe, reconhecer que debaixo de cada pedra e dentre qualquer galho seco, há uma brisa de Eternidade, há algum pedaço do Infinito.
E, agora que vocês sabem disso, podem se tornar também, nesta Criação, cocriadores!
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[1] “Para criar uma torta de maça a partir do nada, primeiro seria necessário criar todo o universo” (Carl Sagan, em Cosmos).
[2] Um bit de informação corresponderia a “sim” ou “não”, “falso” ou “verdadeiro”, ou qualquer outro conjunto de dois valores. Atentem, porém, que neste caso o “0” ou “1” já não corresponderia ao “0” (nada) ou “1” (algo) da primeira suposição lógica. Neste caso, o “0” seria já alguma informação, e não nada.
[3] Isto é: Nenhuma informação poderia surgir sem uma causa, e nem mesmo a própria ideia de informação em si, pois que nada poderia ser formado por alguma informação sem que a própria informação em si já fosse existente. Seria o mesmo que dizer que uma árvore foi árvore sem antes ter sido semente, ou que “1” ao mesmo tempo é “1+1”, ou “1a", o que é ilógico. Primeiro veio “1”, primeiro veio à semente, e depois veio todo o resto.
[4] De fato, conforme exponho no decorrer do livro, mesmo nossos pensamentos são formados por subdivisões da substância incriada. Lidamos com informações o tempo todo.
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Crédito da imagem: Ayon/Raph.
Marcadores: Ad infinitum, Ad infinitum: comentários, Espinosa, filosofia, livros, panteísmo
2 comentários:
Muito bom o texto. Pelo que estou lendo a respeito do livro é um que vale a pena comprar e ler várias vezes.
Parabéns!
Obrigado.
Se tudo correr bem, ele vai te levar para obras grandiosas, algumas delas bem mais antigas que a minha... Está tudo na seção "Sugestões de estudo" :)
Abs!
raph
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