Silas Malafaia, Eli Vieira e o "gene da homossexualidade"
Normalmente não me envolvo muito com "polêmicas de última hora" nas redes sociais, mas esta em específico merece uma reflexão mais aprofundada...
O que me preocupa nesta história da entrevista do pastor Silas Malafaia para a Marília Gabriela, e na (em boa parte brilhante) resposta do geneticista Eli Vieira a polêmica da "influência genética na homossexualidade", é que sabemos hoje que não há "gene da homossexualidade", e que pode ser muito perigoso crer que exista um. Vamos refletir um pouco:
(a) A hipótese da influência genética decisiva em qualquer tipo de comportamento humano, ainda que sexual, não é conclusiva e tampouco decisiva. Talvez um dia encontrem uma associação direta e decisiva entre algum gene ou grupo de genes e um tipo de comportamento, mas este dia ainda não chegou [1]...
(b) Crer que exista um gene assim nos força a considerar a hipótese de que há outros genes do tipo. Por exemplo, vamos citar um trecho do livro "Evolução em quatro dimensões", de Eva Jablonka e Marion J. Lamb (Companhia das Letras):
"O livro A natural history of rape [Uma história natural do estupro], de Thornhill e Palmer, é um exemplo perfeito desse gênero [de suposta determinação genética decisiva].
Eles não afirmam não ser possível sobrepujar a manifestação de um comportamento como a propensão ao estupro, mas sugerem que isso é muito difícil por se tratar de um comportamento embutido num módulo mental que evoluiu. Nem é preciso dizer que não existe nem sombra de evidências para essas alegações evolutivas. São apenas histórias inventadas".
Entenderam o problema? (Obs: as autoras também são geneticistas brilhantes).
(c) Genes não são como deuses, astros ou orixás, que supostamente influenciam nossa personalidade. Não são, mas é exatamente assim que alguns dos "adoradores da ciência" os veem (e ainda criticam os astrólogos).
(d) Os homossexuais não tem de se "desculpar" por sua homossexualidade. Não tem de explicar que "são assim porque nasceram com um gene alterado", etc. Homossexualidade não é doença, mas algo perfeitamente natural. Se não acredita em mim, lhe dou duas palavras-chave para pesquisar online: "bonobos" e "homossexualidade na Grécia antiga" (Obs: alguns dos homens mais sábios da humanidade viveram na Grécia antiga).
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[1] E, admito: torço mesmo para que nunca chegue. Se chegar, o próximo passo será a "terapia genética para dar fim ao mal da homossexualidade", ou vocês acreditam que não?
Vejam também:
» 3 chimpanzés (também sobre os bonobos)
» Levítico: pedras não faltarão
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Crédito da imagem: Divulgação (Silas Malafaia e Eli Vieira)
Marcadores: artigos, artigos (191-200), ciência, debates, Eli Vieira, entrevista, evolução, Genoma, homossexualidade, sexo, Silas Malafaia
10 comentários:
Quando surge essas polêmicas eu sempre lembro daquela fala espetacular do Chico Xavier sobre homossexualidade no Pinga Fogo. Só reforça como o homi sabia das coisas! :D
Um amigo cientista me trouxe isto aqui...
"Uma crítica ao Eli Vieira.
Perguntei para alguns amigos meus que tiveram acesso ao texto principal que ele cita no vídeo, o qual ele diz que os textos mostram claramente a conexão genética e o homossexualismo. O problema é que tive acesso ao texto, e o que encontrei foi um estudo inconclusivo e que propõe que no futuro, os resultados na biologia molecular podem atestar alguma coisa (ou mesmo nada).
Eis o artigo:
http://genepi.qimr.edu.au/contents/p/staff/NGMHandbookBehGen_Chapter19.pdf
"
@Saltador: Ainda mais naquela época, e no contexto em que aquilo foi dito... Coragem, coragem, e coragem!
As pessoas estão exagerando e tornando complexa uma coisa que é bem simples: um video de um biólogo falando sobre o trabalho dele. Em nenhum momento o Eli Vieira tratou um fato natural (influências multifatoriais biológicas e ambientais/culturais no comportamento) como valor ético (bom), ou seja, predicou o que é contingente aos fatos naturais descritivos como valores éticos a serem cultivados. Ora, doenças são naturais e nem por isso elas são boas ou desejáveis para serem cultivadas eticamente. Se ele fizesse isso, teria cometido falácia naturalista. Ele disse no final do video e foi um dos momentos mais geniais: "eu não misturo os meus fatos como biólogo geneticista com a minha moral ou ética".
Ele passou longe disso e tomou cuidado para não ser interpretado como um reducionista ganancioso e determinista biológico, cientificista. A preocupação do texto é totalmente válida, eu entendo, mas erraram o alvo e isso acaba sendo contraprodutivo. Pessoas sensatas na área falam a palavra 'gene' e algumas pessoas tem a reação automática de conjurar a imagem de Hitler, nazistas, darwinismo social, psicologia evolucionária publicada por imbecis machistas e todo tipo de caricatura. Eu entendo totalmente a preocupação e compartilho dela. Mas acho que esse é o exemplo da falácia da conjunção. É um viés psicológico que todos tem às vezes.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guilhotina_de_Hume
O argumento que fundamenta as bases genéticas da homossexualidade pode ter o intuito, na minha opinião, de explicar que as pessoas não tem um momento de "escolha consciente e racional" na definição da sua orientação sexual. Justamente para que covardes tenham a noção de que OPRIMIR e moralizar as pessoas apenas faz com que elas se sintam ainda mais desprezadas e desesperadas por algo que na maioria das vezes vem com elas e faz parte do seu ser desde o seu desenvolvimento como pessoa. E mesmo se fosse algo mais cultural, a cultura também tem o componente de formação inconsciente que também não depende de momentos e escolhas conscientes e racionais. O importante é que não existe nenhum argumento ético que justifique atormentar a vida das pessoas por causa da orientação sexual. Nada justificar atormentar ninguém, mesmo se fosse uma escolha planejada.
No mais, é só ver o que o Eli falou:
http://www.facebook.com/elivieira/posts/10200760585403341
Eu tenho certeza que o Eli não crê em determinismo genético e nem quis passar esta ideia. Mas no "calor dos debates", há muita gente que, sem parar para refletir, pode acabar entendendo o conceito de forma errada... Conforme alertam as autoras do "Evolução em quatro dimensões", contra a ideia (cientificamente errada) de que podem existir "genes da tendência ao estupro", ou "módulos mentais que evoluíram favorecendo a tendência ao estupro", etc.
Vendo a ambos os vídeos também podemos aproveitar para refletir sobre a falácia do "8 ou 80", que basicamente postula que alguma teoria, conceito, ou mesmo uma pessoa, ou está "totalmente correta" ou "totalmente errada".
Por exemplo, no caso do Silas Malafaia, acredito que esteja equivocado em muito do que disse. Mas fez uma defesa inteligente e pertinente da chamada teologia da prosperidade (vejam bem, não quer dizer que ele **pratique** o que disse, mas foi uma boa defesa).
Já no caso do Eli Vieira, mesmo concordando em quase tudo o que foi dito, acredito que tenha "caído na armadilha" do Silas Malafaia, de trazer a discussão da homossexualidade para o âmbito genético, onde o conhecimento ainda é um tanto incerto e inconclusivo, particularmente na questão da hipótese de genes, que determinam apenas características físicas, "passarem a determinar" também características cognitivas e comportamentais, da mesma forma decisiva que determina as físicas. Isto, repito, não está comprovado, está MUITO longe de estar comprovado. E, talvez, nunca se comprove (não foi a toa que Dawkins pensou nos memes, ele estava exatamente reconhecendo este problema).
Seria muito mais simples, no caso, recorrer a moral e a filosofia naturalista, que são ainda anteriores a ciência, e simplesmente perguntar assim:
"Pastor, o senhor conhece os bonobos?"
A Marília Gabriela chegou a mencionar de passagem a homossexualidade nos animais, mas o Silas Malafaia retrucou com um "não-argumento", e ela simplesmente deixou passar batido...
Era ali que ele poderia "se enrolar" no embate, mas ele se sai muito bem com seu sofismo (e, claro, sua inteligência e entusiasmo, que tem de sobra).
A resenha mais equilibrada que eu vi dessa confusão foi esta aqui:
http://www.oene.com.br/malafaia-perdeu-e-a-ciencia-ganhou-nao-tao-rapido/
90% das pessoas refererendam um ou outro lado NADA sabem do que está sendo debatido.
Oi Vitor,
Realmente esta resenha está muito bem fundamentada. Recomendo todos os interessados no assunto a dar uma olhada.
O autor, inclusive, já apareceu aqui no blog. Pelo que já li de Pedro Burgos, é um excelente jornalista científico:
http://textosparareflexao.blogspot.com/2011/05/watson-quase-humano.html
Abs
raph
Só para questionar o "argumentinho" de que animais também têm comportamento homossexual e que isto é passível em comportamento humano também. Vamos raciocinar simploriamente: animais vivem por instintos e tal prática "homossexual" é observada em animais que vivem em bando, por exemplo, nos leões, há um macho que tem o domínio sobre todas as fêmeas, os demais que não têm perspectivas de acasalarem-se, na época da reprodução, por instinto, tentam (e é só tentam mesmo, pois não conseguem nada de fato) copular com outro macho, depois da tentativa e erro, eles desistem. Outra coisa, não se observa "homossexualidade" entre fêmeas. E se comportamento animal fosse padrão a ser observado para o meio social humano, o incesto seria uma prática muito mais aceita do que a homossexualidade, pois é muito mais frequente entre os animais. A tese de que animais também praticam por isso é comum, é coisa de principiante, por isto a Gabi cortou esta linha de raciocínio, e não o Malafaia. Tirando isso, nas demais observações, concordo com você, Raph.
Oi,
Você falou de Leões, mas eu me referia mais especificamente aos Bonobos:
"Os estudiosos perceberam apenas em 1928 que os bonobos formavam uma família diferente dentro da espécie dos chimpanzés, com um comportamento muito peculiar, em que o sexo está em primeiro lugar, funcionando como substituto da agressividade. O bonobo é um dos raros animais para quem não existe relação direta entre sexo e reprodução. Ou seja, como os humanos, eles fazem mais amor do que filhos. Ao contrário da maioria dos primatas, a sociedade dos bonobos é dominada pelas fêmeas e não pelos machos.
Estudiosos como o antropólogo Richard Wrangham – autor de Demoniac males – especulam que isso ocorreu pelo fato de, entre os bonobos, os vínculos mais duráveis se estabelecem entre as fêmeas, que passam grande parte do tempo em atividades sociais ou em brincadeiras sexuais. Wrangham acredita que essa organização social é resultado do tipo de alimentação desses macacos, que se adaptaram a comer frutos e pequenos animais, como os chimpanzés, além de folhas e raízes, como os gorilas. A facilidade de obter alimentos desestimulou o desenvolvimento da agressividade dos machos, mas incentivou as alianças entre as fêmeas. Essas alianças acabam resultando em mais poder para quem as estabelece.
Mas a “sociedade matriarcal dos bonobos” só se torna efetivamente possível porque, ao contrário da maioria das fêmeas de outras espécies, que só são receptivas ao sexo no período fértil, às fêmeas bonobos são atrativas e ativas sexualmente durante quase todo o tempo. Além de intensa atividade sexual com seus parceiros, em que tomam a iniciativa, elas simulam relações com outras fêmeas – é justamente através do sexo que estabelecem as alianças entre si. Os machos também participam dessa espécie de homossexualismo light. As atividades eróticas dos bonobos compreendem ainda sexo oral, masturbação mútua e beijos de língua.
Um dos “inconvenientes” da sociedade dos bonobos é que incestos e pedofilia são relativamente comuns… Isso parece ter sido motivo suficiente para muitos ditos cristãos demonizarem a espécie inteira, como se outras espécies também não praticassem incesto e pedofilia (e coisas muito piores). Na verdade, o problema com os bonobos é que eles fazem sexo, muito sexo, e nisso lembram a nós mesmos."
Retirado deste artigo:
http://www.deldebbio.com.br/2012/07/11/3-chimpanzes/
Abs
raph
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