Os filhos
E uma mulher que carregava o filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos."
E ele disse:
"Vossos filhos não são vossos filhos
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam conosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles tem seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós.
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O Arquiteto mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda Sua força para que Suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável."
***
Gibran Khalil Gibran (na tradução de Mansour Challita) em seu livro O Profeta, talvez traga uma das mais belas e sucintas definições da relação (verdadeira) de pais e filhos de toda a história. Está colocada aqui, pois por mais que não goste de copiar textos extensos de outros autores, esse é um dos que não tem outra forma de serem abordados que não no próprio texto original.
Em breve, falaremos então de espíritos, seres eternos que foram arremessados a milhões de anos, e ainda percorrem o universo rumo ao alvo na senda do infinito... Quem sabe ler nas entrelinhas, sabe o grande homem que foi Gibran.
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9 comentários:
"Está colocada aqui, pois por mais que não goste de copiar textos extensos de outros autores, esse é um dos que não tem outra forma de serem abordados que não no próprio texto original."
Eu obviamente devo ter mudado de idéia ao longo do tempo deste blog no ar :)
http://textosparareflexao.blogspot.com/search/label/autores%20selecionados
Esse poema é fabuloso, mas tenho quebrado a cabeça para achar um significado para este trecho:
"Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho."
Na minha concepção é correto dizer que não se tem acesso a alma. Nem o próprio indivíduo o que dizer então dos pais.
Mas não imagino o que ele quis dizer com "mansão do amanhã" e por que ele faz referência ao sonho.
Oi Hiro,
Bem acho que foi uma forma bastante poética do Gibran fazer referência ao conceito de que "o novo sempre vem"... Muitas mudanças decisivas no mundo ocorrem porque os jovens "continuam vindo", e nós que aqui já estamos muitas vezes não fazemos sequer vaga ideia do pensamento das novas gerações.
Acho que o poema também fala sobre essa "renovação de ideias" que ocorre constantemente com o advento das novas gerações, contando que elas tenham liberdade para pensar. O conselho de Gibran é para que "deixemos ser o que querem ser, pois não fazemos tanta ideia assim do que é o melhor para eles"... São, enfim, os filhos da vida, e não os nossos filhos.
Abs
raph
Raph,
Concordo com você, essa ideia geral está bem clara no poema, porém não tinha pensado aquele trecho específico por esta perspectiva.
Faz sentido, “a mansão do amanhã” seria todas as potencialidades futuras que residem nos filhos.
E o “Não podeis visitar nem mesmo em sonhos” poderia se referir a “impossibilidade” de se conhecer aquilo que ainda não se concretizou.
Mas ainda acho que tem algo a mais, escondido nessa frase. O ideal seria saber árabe para ler o poema original, ou será que este foi escrito em inglês?
Talvez você me ajude também com esse outro poema:
Ainda ontem pensava que não era
mais do que um fragmento trémulo sem ritmo
na esfera da vida.
Hoje sei que sou eu a esfera,
e a vida inteira em fragmentos rítmicos move-se em mim.
Eles dizem-me no seu despertar:
" Tu e o mundo em que vives não passais de um grão de areia
sobre a margem infinita
de um mar infinito."
E no meu sonho eu respondo-lhes:
"Eu sou o mar infinito,
e todos os mundos não passam de grãos de areia
sobre a minha margem."
Só uma vez fiquei mudo.
Foi quando um homem me perguntou:
"Quem és tu?"
Kahlil Gibran
“Fragmento trémulo sem ritmo” -> desconhecimento do principio de reencarnação.
“esfera da vida” -> lugar de onde provêm os seres.
“sou a esfera da vida” -> em determinado aspecto a vida não provêm diretamente de um ser alheio ao “eu””(de um Deus) ela, a vida (personalidades) provem em primeira instância de mim (poder-se-ia dizer, da alma, embora não seja bem isso).
“e a vida inteira em fragmentos rítmicos move-se em mim” -> as diversas encarnações e aprendizados (os fragmentos rítmicos (sucessivos)) que compõem a “alma”.
“Dizem no despertar (...)” -> poderia estar referindo ao despertar espiritual ou simplesmente aos que estão despertos (acordados). Na segunda perspectiva, “eles” falam de uma perspectiva externa de quem não conhece a grandiosidade do EU superior e sua evolução rumo ao infinito.
“No meu sonho (...)” -> quando ele tem acesso a esse EU superior, ele vislumbra essa potencialidade latente.
Aí vem minha questão:
“Só uma vez fiquei mudo.
Foi quando um homem me perguntou:
"Quem és tu?"”
Quem é que ficou mudo? E porque ficou mudo?
Seria a personalidade sem saber se é uma personalidade ou uma alma.
Seria a alma, sem saber se era aquela personalidade ou todas as suas personalidades?
Seria a impossibilidade de expressar a resposta em palavras?
Mas me ocorreu agora aquele velho conto chinês:
“uma noite, Zhuangzi sonhou que era uma borboleta a voar alegremente. Depois de acordar, ele questionou se poderia determinar se era Zhuangzi que teria acabado de sonhar que era uma borboleta, ou se era uma borboleta que teria começado a sonhar que era Zhuangzi...”
Mas o que você acha?
Não, com certeza tem "algo a mais", mas a beleza da poesia é que muitas vezes nem mesmo o próprio poeta sabe exatamente o que queria dizer :)
Mas acho que O Profeta foi primeiramente escrito em árabe mesmo (o idioma do Líbano, no caso), embora talvez o próprio Gibran possa ter posteriormente traduzido para o inglês.
Acho que o fato de ter ficado mudo remete poeticamente a dois conceitos:
- Um, como você já falou, da impossibilidade de relatarmos ou detalharmos a experiência de comunhão mística em palavras ou linguagem humana.
- Outro, do próprio espanto de se abordar racionalmente a questão. Quando o poeta deixa de "sentir" o Cosmos e passa a "pensar" sobre "quem é o Cosmos", ele fica mudo, espantado, ante a inefabilidade, a transcendência do assunto, ao menos quando passa a ser visto pela lente da racionalidade.
Abs
raph
Relendo o evangelho de Tomé, achei essa sentença, que complementa o poema de Gibran (os filhos):
"101. Quem não abandona seu pai e sua mãe, como eu, não pode ser meu discípulo. E quem não amar a seu Pai e sua Mãe, como eu, esse não pode ser meu discípulo; porque minha mãe me gerou, mas minha Mãe verdadeira me deu a vida. "
Perfeito: leis universais, entendimentos universais :)
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