Vida abundante
O astrônomo queria saber o que havia no início desse universo, e com seu super telescópio, passou dias e noites, e semanas e meses, apenas observando os céus noturnos, em busca de algum resquício de luz da grande explosão que iniciou isso tudo, o Big Bang.
E quando mais achava pistas sobre ele, mas tempo passava no telescópio... Até que um dia foi recompensado, encontrara no passado distante, a milhões de anos-luz, o nascimento de uma pequena estrela nos confins de nossa própria galáxia. De uma explosão de luz, viu que do nascimento incandescente daquele pequeno sol, milhares de pequenos fragmentos foram arremessados no espaço sem fim... Um desses fragmentos era um asteróide, mas não um asteróide qualquer, porque o astrônomo sonhou que ele era parte dessa pedra viajante.
Ou talvez estivesse no sonho de alguém, mas o fato é que viu todo o percurso daquele pequeno pedaço de rocha pelo espaço... Observou muitas outras estrelas, outros sóis e seus planetas, luas, anéis de Saturno, e milhares de outros asteróides, cada qual em sua própria rota, determinada por sabe lá quem ou o que...
Até que avistou um imenso ponto negro no espaço, realmente mais negro do que o próprio espaço em si, totalmente escuro, pois que nem a luz lhe escapava. Era assutador, impossível saber o que havia em seu horizonte interno, pois sugava toda a luz, e ainda não haviam inventado um telescópio que enxergasse onde não há luz alguma... Mas nesse momento soube da inevitabilidade de sua aproximação do arauto da destruição, era impossível que aquele pequeno asteróide tivesse forças para sobrepujar a atração mortal do imenso buraco negro.
No entanto, quando estava mais próximo de sua entrada, pareceu tranquilizar-se, como quem pensa da seguinte forma: "se por acaso foi o nascimento de uma estrela que me arremessou no espaço, talvez não seja de todo mal que eu me perca para sempre na carcaça mortal de uma de suas irmãs". O buraco negro nada mais era do que uma estrela muito mais antiga que já havia entrado em processo de auto destruição, levando tudo a sua volta consigo, até mesmo a luz, mas não a esperança...
Pois que após vagar por incontáveis séculos pelo universo sem fim, o pequeno asteróide e seu astrônomo aprenderam uma lição. "Aqui existe vida, vida abundante, vida infinita. Enquanto uns se perdem nos horizontes escuros de um buraco negro, muitos outros são arremessados no espaço a todo momento, numa inexplicável, onipotente demonstração de amor."
E desse modo pleno de confiança, adentrou no escuro absoluto... Menos de um momento depois, já se via vagando pelo nosso sistema solar, em direção a terceira pedra do nosso sol, a mãe azul, Terra. Não sabia o que havia ocorrido dentro do buraco negro, mas sabia sim que persistia, ainda que numa outra forma, um asteróide muito maior, com diversas outras inteligências em estado bruto... "Nada se perde, tudo se transforma."
Queimou ao entrar em contato com nossa atmosfera, e caiu incandescente... Mas dor, dor não sentia... Sentia uma imensa alegria, como a de quem encontra uma casa nova para morar. E, caindo em algum lugar do Egito, a milhões de anos atrás, se transformou numa imensa montanha, e depois numa das árvores que crescia na base dela, e depois em um pequeno réptil, um gatopardo, um gorila, um homem das cavernas e, finalmente, um homem!
Então o astrônomo acordou de súbito, houvera cochilado durante suas observações sem fim. Imediatamente pensou: "nunca sonhei um sonho tão real." E dali em diante, passou a se preocupar mais consigo mesmo do que com o universo distante... De algum modo, sentia que era ele em si, parte desse universo, e olhar para dentro de si era como olhar para as regiões mais longínquas do cosmos.
Marcadores: contos, contos (1-20), espiritualidade, existência, universo
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