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13.10.09

As origens da arte

Texto de Steven Mithen em "A pré-história da mente " (Editora Unesp, tradução de Laura de Oliveira).

Os três processos cognitivos cruciais para a produção da arte - a concepção mental de uma imagem [1], a comunicação intencional [2] e a atribuição de significado [3] - estavam todos presentes na mente humana arcaica. Foram encontrados, respectivamente, nos domínios das inteligências técnica, social e naturalista. Mas a criação e uso de símbolos visuais impõe que eles funcionem juntos, harmoniosamente. Isso exigiria ligações entre domínios (das inteligências). E o resultado disso seria a explosão cultural (incluindo a origem da arte humana).

Observamos realmente uma explosão cultural começando a quarenta mil anos na Europa, com a produção dos primeiros trabalhos artísticos, e eu sugeriria que isso pode ser explicado por novas conexões entre os domínios das inteligências técnica, social e naturalista. Os três processos cognitivos, antes isolados, agora funcionavam juntos, criando o novo processo cognitivo que podemos chamar de simbolismo visual, ou simplesmente arte.

Se eu tivesse de escolher apenas uma característica da primeira arte para sustentar esse argumento, seria a incrível habilidade técnica e poder emotivo das primeiras imagens. Nenhuma analogia pode ser feita entre as origens da arte no tempo evolucionista e o desenvolvimento das habilidades artísticas na criança. Estas consistem de uma passagem gradual das garatujas às imagens representacionais, seguidas do aprimoramento gradual da qualidade das imagens. No caso de alguns jovens artistas, podemos então ver uma compreensão gradual do uso da linha e da cor para transmitir não apenas um registro do que se vê, mas os sentimentos a respeito. Não existe nada gradual sobre a evolução de uma capacidade para a arte: os primeiros objetos que encontramos podem ser comparados, em qualidade, aos produzidos pelos grandes artistas da Renascença [4]. Isso não significa argumentar que os artistas da Idade do Gelo não passaram por um processo de aprendizado; podemos na verdade encontrar muitas imagens que parecem ter sido feitas por crianças ou jovens aprendizes. Mas a habilidade de impor forma, de comunicar e interferir significados a partir de imagens já devem ter estado presentes na mente dos humanos arcaicos - embora não existisse arte. Tudo o que bastava para criar as maravilhosas pinturas da caverna de Cauvet era uma conexão entre os processos cognitivos que haviam evoluído para outras tarefas.

Antes de deixar as origens da arte, devemos voltar às peças riscadas de osso e marfim feitas pelos humanos arcaicos, como as de Bilzingsleben e Tata. Se - e este é um grande se - esses riscos foram feitos intencionalmente, como podem ser explicados? Sugiro que eles refletem o máximo da comunicação simbólica que pode ser alcançado ao depender apenas de uma inteligência geral. Os humanos arcaicos podem ter sido capazes de associar marcas com significados usando apenas suas capacidades para o aprendizado associativo. Mas depender disso teria restringido a complexidade das marcas e dos significados. Existe uma semelhança entre a simplicidade das capacidades de produzir instrumentos dos chimpanzés comparadas às dos humanos arcaicos, e a simplicidade das marcas intencionais dos humanos arcaicos comparadas às dos humanos modernos. Os chimpanzés dependem da inteligência geral [5] para a comunicação "simbólica". Como resultado disso, os chimpanzés e os humanos arcaicos parecem alcançar "sub-realizações" nessas atividades, em vista de seus feitos em domínios comportamentais para os quais possuem inteligências especializadas.

[Retirado do capítulo 9: O big bang da cultura humana: as origens da arte e da religião]

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[1] Por exemplo, produzindo artefatos como machados de mão a partir de moldes mentais, a inteligência técnica.

[2] A comunicação intencional é fruto da inteligência social e surgiu juntamente com a linguagem gestual, assim como formas primitivas de vocalização.

[3] Caçadores-coletores dependiam da interpretação detalhada de marcas de cascos e pegadas de animais deixadas na natureza, os "símbolos naturais". Este é um atributo da inteligência naturalista:

"As marcas involuntárias de animais representam uma série de propriedades em comum com as "marcas" intencionais ou símbolos dos humanos modernos, como as pinturas em faces de rochas ou os desenhos na areia. Elas são inanimadas. Ambas estão espacial e temporalmente deslocadas do evento que as criou e o que elas significam. As pegadas, assim como os símbolos, devem ser colocadas na categoria certa se formos atribuir-lhes os significados corretos. Por exemplo, a pegada de um veado vai variar dependendo de ter sido feita no barro, na neve ou na grama, assim como o desenho de um símbolo vai variar segundo a face da rocha ou o estilo individual do artista."

[4] Pessoalmente acredito que o autor exagerou bastante na comparação, embora seu argumento continue sendo válido mesmo assim.

[5] O que seria, segundo o autor, um domínio não especializado da inteligência. É na "conexão" das outras inteligências "dentro" do campo da inteligência geral que surgiu a cognição avançada dos humanos modernos.

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Crédito da foto: Wikipedia

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