O elo perdido da mente
Texto de Steven Mithen em "A pré-história da mente " (Editora Unesp, tradução de Laura de Oliveira). As notas do texto são minhas.
Para encontrar as origens da mente moderna temos que mergulhar na escuridão da pré-história. Voltar ao tempo que antecede as primeiras civilizações, e que começa há apenas cinco mil anos. Voltar ao período anterior às domesticações iniciais de animais e cultivo de plantas, há dez mil anos. Temos que olhar num relance para a origem da arte, há três mil anos, mesmo aquela criada pela nossa própria espécie, Homo sapiens sapiens (atualmente o homem moderno recebe a denominação H. sapiens), no registro fóssil de cem mil anos de idade. Nem mesmo o tempo remoto de dois milhões e meio de anos, quando as primeiras ferramentas de pedra apareceram, é adequado. Nosso ponto de partida para um pré-história da mente não pode retroceder menos que seis milhões de anos, porque nesse período viveu um símio cujos descendentes seguiram dois caminhos evolutivos distintos. Um deu origem aos símios modernos, os chipanzés e os gorilas, e outro aos humanos modernos. Consequentemente, esse antepassado é chamado ancestral comum.
Não apenas ancestral comum, mas também elo perdido. É a espécie que nos conecta com os símios atuais - e continua ausente nos testemunhos fósseis. Não temos nem sequer um fragmento fóssil de evidência, mas é impossível duvidar que o "elo perdido" existiu. Os cientistas estão no seu encalço. Medindo as diferenças de constituição genética entre símios e humanos modernos e estimando a taxa de aparecimento das mutações genéticas, eles estipularam que o elo perdido existiu cerca de seis milhões de anos atrás. E podemos estar certos de que esse antepassado viveu na África, porque - como bem disse Darwin - é lá que realmente parece ter sido o berço da humanidade. Em nenhum outro continente encontram-se fósseis que pudessem de fato contrariar essa hipótese (realmente a teoria mais aceita atualmente é a de que o homem moderno surgiu ainda na África, migrando somente depois para outros continentes).
Seis milhões de anos é um vasto intervalo de tempo. Começar a compreendê-lo, a captar o padrão de eventos que apresenta, passa a ser mais fácil se pensarmos nos acontecimentos como uma peça de teatro, o drama do nosso passado. Uma peça muito especial, porque ninguém escreveu o roteiro: seis milhões de anos de improvisações (Mithen é obviamente totalmente anti-criacionista, ainda que seja adepto da evolução cognitiva da mente). Nossos ancestrais são os atores, suas ferramentas são os objetos de cena e as incessantes transformações do ambiente em que viveram são as mudanças de cenário. Mas não considerem a peça um suspense, em que a ação e o final é o que importam. Porque já conhecemos o epílogo - nós o estamos vivendo. Todos os neandertais e outros atores da Idade da Pedra se extinguiram, deixando apenas um sobrevivente, o Homo sapiens sapiens.
[Retirado do início do capítulo 2: O drama do nosso passado]
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Pouco a pouco, na busca pelo suposto "elo perdido", talvez a ciência e a religião finalmente se reunifiquem novamente... Em todo caso, este e outros livros de Mithen são altamente recomendados. Sem dúvida é um dos maiores especialistas em sua área de estudo.
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Crédito da foto: Becoming Human
Marcadores: antropologia, autores selecionados, autores selecionados (21-40), ciência, evolução, existência, história, o grande salto, Steven Mithen
2 comentários:
Valeu pelo texto, foi de grande proveito para mim.
O livro de Mithen é extraordinário, recomendo a leitura!
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