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9.8.11

Gritando nas montanhas

Conto pessoal, da série “Festa estranha”, com depoimentos de Rafael Arrais acerca de suas experiências espiritualistas. Baseado (ou não) em fatos reais. Os nomes usados são fictícios (exceto para pessoas públicas).

A história de Monte Verde (Minas Gerais) começou em 1940, quando Verner Grinberg, um imigrante da Letônia, chegou à região viajando em companhia de seu pai para tomar posse da Fazenda Pico do Selado, então situada na área hoje conhecida como Campos do Jaguari. Grinberg, nome que significa “verdes montanhas”, ficou encantado com a beleza do lugar. E assim Monte Verde acabou surgindo no mapa do Brasil.

Desta época, praticamente sobraram apenas às paisagens da Serra da Mantiqueira e o clima de montanha, já que muita coisa mudou na antiga vila. A colonização europeia teve realmente grande influência no estilo das construções e na culinária, basicamente de característica alemã. Mas a cidade tem hoje uma vida própria. Entre os meses de abril a setembro, a estimativa é de receber cem mil visitantes. Nem mesmo uma sinuosa estrada de acesso, que parte de Camanducaia, consegue afastar os turistas que chegam de todo o país.

A região tem temperaturas de 28 graus, no verão, e de até 12 graus negativos nos invernos mais rígidos. Repleta de adoráveis hotéis e pousadas, para quem está acostumado com altas temperaturas, não existe nada mais diferente ou romântico.

Eu me considero um sujeito de sorte por ter nascido em uma família (nesta vida) que até hoje é dona de um adorável hotel-fazenda em Monte Verde. Por isso desde criança aprendi a andar em trilhas, apreciar deliciosas trutas ao molho de alcaparras, galopar cavalos e... subir montanhas!

Como já devem saber, se leram as outras festas estranhas, desde muito cedo tive um sentimento muito forte de espiritualidade desperto dentro de mim. Como nunca fui muito de frequentar igrejas, elegi uma das montanhas de Monte Verde como minha casa de oração. Sempre que subo no Platô, e observo as montanhas da Mantiqueira se estenderem até o horizonte, me permito um momento de solidão plena, de oração silenciosa, de contato com Deus – pois que se é necessário que cada um de nós tenha sua própria imagem de Deus, a minha é, portanto, composta pelos céus e montanhas do sul de Minas Gerais...

Das incontáveis vezes em que subi sozinho para admirar e orar, ou que deixei o grupo que subia em conjunto para isolar-me momentaneamente e dialogar com aquele que nunca nos deixa estar totalmente a só, sem dúvida aquela foi a mais estranha de todas.

De uma das trilhas para o topo do Platô, surgiram vozes que foram aumentando e aumentando, até que se tornaram gritos ao mesmo tempo entusiasmados e angustiados, gritos que nunca houvera ouvido antes:

“Mãe! Mãe! Mãeeeeeee... Mãe! Mãe! Mãe...”

Quando se aproximaram mais, vi que se tratava de um casal. A mulher gritava de forma mais alongada, como um chamado angustiado – “Mãeeeeee...”; Já o homem gritava como se sua mãe, ou quem quer que seja, estivesse prestes a aparecer em sua frente, quase como uma saudação antecipada.

Quando chegaram mais perto, felizmente pararam de gritar. Acho que notaram que eu os observava curioso. Não gosto muito de encarar os outros (assim como não gosto que me encarem), mas esse caso era especial – tratava-se de um casal muito estranho. A mulher parecia uma turista como qualquer outra que frequentava Monte Verde, com trajes adequados para a trilha que levava até o topo da montanha. Mas o homem parecia mais um índio inca, ou algo do gênero. Parecia que havia saído diretamente de Machu Picchu para o Platô. Não quero dizer que ele andava com pinturas na cara, cocares ou arcos e flecha, quero dizer que ao olhar para ele, era quase impossível não lembrar dos incas, ou pelo menos do que se imagina dos incas se somos razoavelmente interessados por documentários de TV.

“Oi, meu nome é Zonta, e este é o chefe Dyami” – aprentou-se a mulher – “O que faz aqui garoto?”

“Gosto de subir para admirar a natureza, e... conversar um pouco com Deus também...”

“Não é possível falar com a Deusa assim, ela se cansou de atender esses chamados tímidos e silenciosos... Precisamos clamar por ela, saudá-la: Mãeeeeeeeeeeeeee!”

“Ah, muito obrigado, mas eu acho que não precisamos deixar a Deusa surda.”

Aquela resposta pareceu deixar o chefe Dyami furioso, ele tinha um leve sotaque casteliano na voz, provavelmente havia nascido fora do país:

“Se eu te mostrar mágica, garoto promete que irá saudar a Deusa? Pode ser apenas uma vez, então verá que temos falado verdade!”

Aquela situação já era tão surreal que eu acabei concordando. Para ver a mágica, tive antes que segui-los até uma outra pedra, pois Dyami disse que só a poderia realizar se “pudesse ver o norte”... Então, chegando finalmente ao topo do Chapéu do Bispo, que é uma espécie de pedregulho incrustado no topo de outra montanha vizinha ao Platô, o casal gritou pela Deusa mais algumas vezes, e depois fez algumas poses esquisitas.

Antes que pudesse perguntar do que se tratava, Zonta me explicou que estavam saudando os totens animais – ela fazia pose de uma onça (ou algo assim), e ele fazia enorme esforço para parecer uma águia (mas não acho que a pose parecia algo nem próximo a isso). Depois Zonta voltou à posição “normal”, enquanto Dyami permaneceu por longos minutos, em aparente transe, numa mesma posição de “águia”...

“O que ele está fazendo?” – perguntei a Zonta.

“Canalizando o espírito da águia, logo após ele irá saltar daqui e flutuar até ali embaixo. Essa será a mágica!”

Bem, “ali embaixo” era uma queda de cerca de 5 metros. Comecei a ficar com medo de que o sujeito se machucasse seriamente na tentativa... No entanto, após (acho que) uns 15 minutos, ele de uma hora para outra gritou alguma coisa incompreensível e literalmente se jogou no vazio.

Então foi como se houvesse ocorrido algo estranho com o tempo. Num momento ele estava caindo, e logo depois estava lá embaixo de pé, nos chamando para descer do pedregulho. Não posso dizer que ele flutuou, mas que algo estranhíssimo ocorreu ali, no espaço de algum tempo que pareceu não ter transcorrido da maneira certa...

Lá embaixo, antes de me despedir, cumpri minha promessa: “Mãeeeeeeeeeee!” – Achei melhor gritar de forma alongada, a maneira de Zonta, para deixar bem claro que estava efetivamente saudando a “Deusa”.

“Muito obrigado garoto, agora guarde essa lição contigo” – Me disse Zonta – “Existem muitas coisas inexplicáveis nesse mundo. Não tente entendê-las, pois que são um mistério da Deusa. Apenas os iniciados podem praticar tais mágicas, e a nós cabe apenas admirar e agradecer pela Deusa nos ter enviado tais gurus.”

Quando foram embora pela trilha que finalmente percebi: não se tratava de um casal exatamente. Mas de um guru milagroso, alguma espécie de profeta inca, e de sua seguidora, totalmente seduzida por sua mágica.

***

Crédito da foto: Niels Sörensen (vista do Platô em Monte Verde/MG).

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5 comentários:

Anonymous Dany disse...

Falso!

9/8/11 15:27  
Anonymous YCF disse...

Olá! Poxa, que site mais legal! Sabe, o que eu curti mais aqui foram os contos e as citações de Gibran! Voltarei sempre, obrigada pelas belas palavras. =)

12/1/12 16:32  
Blogger raph disse...

Seja bem vindo :)

Abaixo segue o link com todos os posts que mencionam Gibran de forma relevante:

http://textosparareflexao.blogspot.com/search/label/gibran

Abs
raph

12/1/12 19:25  
Blogger Juliano disse...

Parece que eu havia lido sobre ter um, ou mais, texto falso na série, mas não tenho certeza...

Mas ao menos com suas palavras, me preocupei pela saúde do indío e quase gritei Mãããããeee eu mesmo :)

Abraço

6/1/14 09:06  
Blogger raph disse...

Oi Juliano,

Sim eu acho que hoje já posso abrir a caixa preta da série e dizer que este é o único texto falso até aqui.

Na verdade parcialmente falso... A parte paranormal/sobrenatural é falsa, mas a gritaria nas montanhas é totalmente verdadeira :)

Abs!
raph

6/1/14 12:02  

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