Play a myth: uma explicação
Faz alguns dias que o blog tem sido infestado por mitos, numa série de imagens que chamei de Play a myth, e que não pareciam ter muita conexão umas com as outras – um mito com o outro –, exceto pelo fato de todas mostrarem, claro, seres mitológicos.
Se eu não comecei a série com um texto introdutório ou explicativo, foi porque simplesmente dessa vez a inspiração chegou de forma bem mais estranha do que o normal. Como alguns devem saber, eu participo de estudos de desenvolvimento mediúnico em um centro espírita ecumênico (ou seja, “aceita” manifestações de incorporação total, umbanda, um pouco de doutrinas orientais, etc.) e, apesar de eu mesmo não incorporar e nem pretender isso algum dia, a minha “fonte de inspiração”, por assim dizer, tem se tornado cada vez mais abrangente e atuante. Há alguns anos, eu precisava buscar ativamente, em meu pensamento e estudos espiritualistas, filosóficos e científicos, sobre o que escrever a seguir neste blog. Mas hoje em dia, pelo contrário, eu preciso é filtrar todas as inspirações que batem minha porta, e busco publicar no blog apenas as mais profundas, na medida do possível, e na medida da minha própria avaliação subjetiva, é claro. Até quando isso vai durar? É uma boa pergunta... Mas, seguindo a minha Verdadeira Vontade, como os ocultistas gostam de dizer, não lido com isso tudo como se fosse algum fardo ou compromisso, pelo contrário: é uma grande e prazerosa brincadeira!
O Textos para Reflexão, antes de ser blog, já era um site que existe na web (inicialmente hospedado na geocities, alguém lembra?) desde meados de 1998 (se não me engano), e surgiu para que eu pudesse expor ao público em geral meus contos e poesias. Era algo simples, mas foi através desse algo simples que conheci a minha atual esposa, e também uma grande amiga e poetisa, a Flávia.
Em 2006 minha grande amiga morreu, passando para o outro lado do véu da via da inspiração... Inicialmente o blog surgiu como uma necessidade minha de voltar a escrever com maior frequência e, também, para publicar alguns poemas meus e alguns poemas dela. Obviamente, o blog tem hoje muitas outras vias de conteúdo e de pensamento. Sinto que a minha amiga também já segue caminhos próprios onde quer que esteja e, portanto, não preciso mais continuar lamentando sua ida (embora a saudade seja o amor que não passa)...
Desde meados de 2010, culminando com a estreia da minha coluna no portal Teoria da Conspiração em 2011, eu que sou um turista de egrégoras, tenho agora também sido visitado por alguns de seus colaboradores que estão do outro lado... Nada assim muito claro, pelo menos por enquanto, mas seria injusto da minha parte eu simplesmente afirmar que tudo o que é publicado nesse blog, que tudo o que chega a minha mente, é fruto apenas de mim mesmo. Na verdade, todo poeta tem esse problema: de saber de onde exatamente sopram os ventos da poesia.
Obviamente que, além disso, o próprio público do meu blog tem crescido e se tornado mais ativo, seja comentando no próprio blog ou através de interações na nossa página do Facebook. E, como digo desde o primeiro post: a reflexão não é somente a minha reflexão (filosófica ou não), ou a sua reflexão, mas a reflexão de todos nós que, por vezes, também influencia diretamente no que eu mesmo escrevo. Apesar de escrever principalmente para “organizar as ideais”, fico feliz de perceber que alguns destes textos que chegam de algum lugar têm conseguido auxiliar alguns daqueles que os leem (inclusive eu).
E foi durante um de meus estudos mediúnicos, em estado de meditação, que a inspiração para esta série chegou de forma inesperada: “vi” (entenda-se: imaginei) a enorme e maravilhosa cabeça de Ganesha, um mito do Hinduísmo, a mover-se lentamente em minha volta, e as palavras “Ganesha Play” apareceram no meu pensamento – com elas, todo o conceito da primeira imagem, e da própria série, já estava pronto e acabado, e eu apenas trouxe isso para esta realidade de bits de informação. Um mito, segundo Joseph Campbell, é algo que nunca existiu, mas que, todavia, existe sempre – este paradoxo pode ser reconciliado da seguinte forma: é óbvio que não existe, na natureza terrestre pelo menos, um ser humano humanoide com uma imensa cabeça de elefante; mas, por outro lado, a iconografia de Ganesha é toda ela um imenso conjunto de símbolos, símbolos estes que existem e sempre existirão, ao menos enquanto existirem mentes com vontade de pensar sobre eles.
Os símbolos nada mais são do que imensas quantidades de informação reduzidas a uma única imagem ou ícone que funciona como uma chave mental para o acesso dessas informações, desde que a pessoa saiba, em seu pensamento, como usar esta chave de uma forma consciente. Você pode perfeitamente substituir a imagem (o símbolo) de Ganesha por uma série de palavras (formadas por conjuntos de símbolos: as letras do alfabeto) a formar uma extensa lista: intelecto, sabedoria, conhecimento, controle dos próprios desejos, força de vontade, refúgio e proteção, realização do verdadeiro eu, auxílio na destruição dos obstáculos da existência atribulada, etc. É claro que, dependendo da interpretação de cada pessoa, e de cada doutrina religiosa, essa lista pode variar imensamente, mas não absolutamente. Ganesha é um conjunto de símbolos, ele serve para que acessemos tais ideias em nosso pensamento, sentimento e intuição, de forma simplificada e cada vez mais potente (o hábito faz o monge).
O grande problema do “uso dos mitos” é quando os entendemos como seres literais (e não metáforas), dispostos a barganhar conosco em troca de “favores espirituais”, “boa sorte”, “boa saúde”, etc. Isso é um problema porque, exatamente, a grande vantagem dos mitos é poder ativar a nossa vontade para que nós mesmos busquemos tais objetivos, que nós mesmos nos tornemos heróis a vivenciar a grande aventura da vida, que nós mesmos nos tornemos, enfim, deuses (“sois deuses, farão tudo o que faço e ainda muito mais” – disse o grande rabi da Galileia [1]). Existe, portanto, um Deus responsável por tudo o que há, e existem todos os outros deuses – alguns em formação, alguns no exercício pleno de seu amor. E os mitos nada mais são do que parte da ponte a ligar uma terra cinzenta, de morte, a uma terra de luz multicolorida, de vida. Talvez auxiliem a manter a ponte de pé durante as tempestades, mas só avançaremos nela com nossa vontade, e nosso amor.
Finalmente, voltando a Ganesha e esta série: somente após ter publicado a imagem de Ganesha é que surgiu a inspiração do mito seguinte, Yeshua, e assim por diante, até que eu tivesse chegado no sexto mito, e tivesse compreendido que estava, afinal, a escolher os seis patronos deste blog [2]. Agora, além do torii (um portal, símbolo xintoísta que também é símbolo deste blog) por onde todos são convidados a adentrar neste jardim de reflexões, surgem seis deuses, seis mitos, seis grandiosos símbolos entalhados em menires de pedra, arrastados sabe-se lá de onde até a longa planície de grama verde a saudar o sol. E são eles:
Ganesha
Representando a atividade intelectual, a razão conectada ao Cosmos, a busca pela filosofia e pela ciência livres de ideias preconcebidas, a fé irmanada à razão, o crer para compreender e o compreender para crer.
Yeshua
Representando o grande sábio, e não algum messias que veio sangrar por nossos supostos pecados. O maior exemplo de amor, compaixão e comunhão com o Cosmos que nossa mitologia registrou. O sol que atravessou invicto a noite escura de todas as almas.
Iemanjá
Representando o sentir além do que se é capaz de racionalizar, a beleza e a fecundidade dos mares e de todos os seres femininos, a poesia abrangente a nos cercar como uma ilha de náufragos é cercada pelo mar.
Gandalf
Representando a magia, o ocultismo e o grande chamado do Infinito para que sigamos sempre em busca do próximo horizonte. A aventura derradeira, a primeira aventura, a aventura sem fim. Os seres de cima que vem trabalhar nos territórios de baixo.
La Santa Muerte
Representando a transitoriedade e impermanência, a embarcação que mais dia menos dia atracará no porto de cada alma, e que deve ser aguardada conforme os estoicos recomendaram. O renascimento vindouro, e a possibilidade de que uma nova vida, e um novo pensamento, surjam sempre.
Maitreya
Representando a grande renovação espiritual que todos ansiamos sempre. O chegar para buscar e o buscar para chegar. As crianças que não vem de nós, mas através de nós, na ânsia da vida por si mesma. O novo que, a despeito dos conservadores e aqueles de mente fechada, sempre virá.
Jogue, represente, interprete, brinque: play a myth
Obs: está série irá continuar, com imagens de outros mitos, apenas os próximos não farão parte deste grupo de patronos acima.
***
[1] João 10:34; João 14:12 (NT).
[2] Eu espero que, a essa altura, você compreenda perfeitamente que eu não estou a criar uma estranha religião politeísta, mas apenas agregando simbologia a um blog.
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Marcadores: budismo, criatividade, cristianismo, Flávia Lopes, hinduísmo, mediunidade, mitologia, play a myth, Projeto Mayhem Wiki, Rafael Arrais, simbologia, umbanda sagrada
7 comentários:
Poderíamos usar o mesmo modelo para outros exemplos?
Algo que nos inspira, mesmo que seja um personagem de quadrinhos ou desenho? Mas que nos ajude a acessar algo no subconsciente?
Com certeza, na verdade todos nós de certa forma fazemos isso todo o tempo em que estamos imaginando tais histórias (e as crianças mais ainda, pois são as poucas que realmente "incorporam" os heróis hoje em dia), afinal os mitos de hoje, apesar de diluídos, ainda guardam aquilo que "existe sempre" dos mitos de outrora.
Veja este conto, acho que vai dar para compreender melhor:
Rolando poliedros
Abs
raph
Nossa... belíssimo texto, resumiu o que eu sempre senti em relação a estes novos mitos, mas tinha receio de admitir.
Parabéns pelo texto e pelo blog.
Obrigado, aqui refletimos juntos :)
Seria legal fazer textos interativos explorando essa série..
Fraternalmente,
Excelente, muito inspirador! Não tinha visto ainda.
Grande abraço!
Abraço :)
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