Os intolerantes
O vídeo a seguir faz parte de uma ópera teatral sobre a história do personagem Alabê de Jerusalém, uma "entidade" que viveu há cerca de 2000 anos na África, e foi contemporâneo de Jesus. Na verdade, se trata de um espetáclo baseado em mais de 20 anos de pesquisas dos antigos mitos africanos, e provavelmente a "grande obra" da vida do músico carioca Altay Veloso, que inclusive chegou a viajar, durante seus anos de pesquisa, a Jerusalém, à Nigéria, a Angola e à Bahia.
Este trecho em específico me parece bastante adequado ao blog, pois se trata de uma crítica "amorosa" a intolerância e ao preconceito religioso, particularmente contra os religiosos ligados as culturas africanas, como é o caso, no Brasil, dos praticantes da Umbanda Sagrada, Candomblé e Tambor de Mina (dentre outras já quase extintas)...
Eu só gostaria de fazer uma ressalva ao trecho do refrão do canto inicial, que diz: "Às vezes corações que creem em Deus, são mais duros que os ateus. E jogam pedra sobre as catedrais dos meus deuses Yorubás". Ora, se vamos criticar a intolerância, devemos levar em consideração que o preconceito que afirma que "ateus são duros de coração, ou frios de sentimentos", é tão somente mais um preconceito mesmo...
Assim como há doutrinas religiosas que sequer "necessitam" da crença em Deus, como o jainismo e algumas vertentes do budismo, o fato de alguém ser ateu não necessariamente indica que esta pessoa é "fria e calculista". Na verdade, há muitos ateus plenos de espiritualidade, a começar por Carl Sagan (na verdade, um agnóstico), que em certos momentos de seu Cosmos mais parece um "profeta da Natureza".
Feita esta consideração, podemos agora apreciar, de alma aberta, aos ecos da antiga sabedoria africana:
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Alguns trechos recitados ou cantados no vídeo:
"Ah, meu Deus! Assisto com muita tristeza a pena da aspereza dilacerando a beleza de uma linda sinfonia. A aguarrás de juizes, ciumentos inflexíveis, descolorindo as matizes de uma linda pintura, só porque não gostam da assinatura?"
"E vai com uma bailarina, com a inocência de menina, dançando em volta do sol, a Grande Mãe Terra. Enquanto muitas nações, governos, religiões ensaiam a dança da guerra."
"Na verdade a bola azul quase nunca foi amada; é sempre penalizada. Tem um trabalho enorme, dedicação e talento para preparar a mistura, juntar os seus elementos para dar forma às criaturas, e elas, depois de paridas, desconhecem a matriarca e dizem, mal agradecidas: que a carne é fraca."
"E quando o planeta gera um Avatá, um iluminado assim como o Nazareno, tem logo quem se apresenta com conhecimento profundo e diz logo: não é desse mundo, só pode ser extraterreno."
"Ah, é difícil entender porque é que o homem, até hoje, cospe no prato que come. Algumas religiões, não sei por qual motivo, dizem que a Terra é um território com vocação pra purgatório, não passa de sanatório... E que nós só seremos felizes longe dela, bem distante, lá onde os delirantes chamam de paraíso."
"Olha, eu vou dizer de coração. Na minha simples, dia após dia, me perdoem a liberdade, mas religião de verdade, mais parecida com a que Jesus queria, talvez seja sentimento de ecologia. Para esse sentimento não tem fronteiras e só reza um mandamento: preservação das espécies com urgência, sem adiamento."
"Hoje, ela pensa nas plantas, nos rios, no mar, nos bichos. Amanhã, com certeza, com a mesma dedicação e capricho, pensará com muito cuidado nos meninos abandonados."
"Ah, se ela tivesse mais força para sustentar sua zanga, evitaria, com certeza a fome cruel de Ruanda. Não tinha maturidade, ainda era uma menina, quando a impertinência sangrou, com a bola de fogo, a pobre Hiroshima. Mas ela cresce, se instala como uma prece no coração das crianças. Tenho muitas esperanças..."
"Eu tenho toda a certeza que nosso planeta um dia, mesmo cansado, exausto, terá toda a garantia e guardado por uma geração vigia, nunca mais verá a espada fria no Holocausto."
"A intolerância, repito, é a mais triste das doenças. Não tem dó, não tem clemência. Deixa tantas cicatrizes nas pessoas, nos países, até as religiões, guardiãs da Luz Celeste, abandonam seus archotes para empunhar cassetete. E o que, na verdade, refresca o rosto de Deus, é um leque, que tem uma haste de Calvino e outra de Alan Kardec."
"Na outra haste, as brisas, que vêm das terras de Shivas, são uma, dos franciscanos, e outra, dos beduínos. Não precisa ir muito longe... Jesus nasce entre os rabinos."
"Às vezes corações que crêem em Deus, são mais duros que os ateus. E jogam pedra sobre as catedrais dos meus deuses Yorubás. Não sabem que a nossa terra é uma casa na aldeia, religiões na Terra são archotes que clareiam."
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Crédito da imagem: James C. Lewis (Olorun, ou Olorum, princípio criador da mitologia dos Yorubás)
Marcadores: Altay Veloso, candomblé, ecumenismo, espiritualidade, música, umbanda sagrada, videos
5 comentários:
Muito legal. Vivendo e aprendendo.
Ira - XV Anos
http://som13.com.br/#/ira/albums/vivendo-e-nao-aprendendo/xv-anos
Abs
Poxa, muito bom!
Vou dormir com alguns versos na cabeça.
Nota a parte, tô com o a arte de viajar, do Alain, na estante esperando para ser lido por influencia sua.
abraço,
Petri
Opa pessoal, realmente é um manifesto que ecoa na alma não?
Petri, eu ainda não li esse livro dele, mas dos que li recomendo todos: Consolações da filosofia (que gerou um documentário da BBC), Desejo de status e Religião para ateus.
Abs!
raph
"A intolerancia é a mais triste das doenças". Frase perfeita, que resume tudo, não só com relação a intolerancia religiosa. Enfim, vivemos em uma sociedade doente. Tem dias que queria ser rico, só para comprar uma fazenda e viver na companhia dos animais e da natureza. Se lá tivesse uma cachoeira então, nem teria por que ir para alguma cidade... Sim, eu sei, as vezes sou intolerante com os intolerantes...
Bela obra de Altay Veloso, é a música dando o ar da sua graça, ela não tem preconceitos, não tem restrições, suas notas estão nos cânticos cristãos, nas melodias da umbanda, nos mantras hindus, nas orações judaicas...
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