O último enigma, parte 1
Agora que lancei meu livro, Ad infinitum, posso lhes trazer aqui o que foi, na realidade, seu primeiro “esboço”, escrito cerca de 2 anos antes (embora não lembre mais ao certo, pois escrevi a mão num caderninho e não coloquei a data). Neste outro projeto, também temos 4 personagens que “discutem acerca do mundo”, mas aqui eles são mais mitológicos, mais fantásticos, mais enigmáticos...
Discutir o mundo
Era já um novo entardecer na Cidade da Encruzilhada, e tanto os pássaros quanto os mercadores pareciam ter se retirado há uns bons minutos, visto que naquele momento o céu inteiro parou em silêncio, como que numa bela arte renascentista.
“Como é belo ver o sol se despedir do horizonte” – pensou o homem que vinha pela estrada a pé – “Faz tempo desde a última vez que parei para dar adeus ao sol, tenho que me lembrar disso de vez em quando”.
A Cidade da Encruzilhada era assim chamada por ser o grande centro de comércio daquela região do mundo – muitos eram os caminhos que ali se encerravam ou entrecruzavam. Dessa forma, havia sido o local escolhido pelos quatro viajantes para o grande encontro...
O primeiro deles, que vimos há pouco a observar o entardecer, era o último dos quatro a cruzar os portais da cidade. Vinha numa passada ligeira com suas botas de couro já gastas, acusando-o ser um nômade já experiente.
Carregava apenas uma sacola de pano e uma capa acinzentada – a sacola vinha com algumas frutas e pães, assim como um cantil d’água, e a capa era para as chuvas. Completava-o uma bela túnica branca (no entanto, também já gasta e maltratada) e um fino cinto adornado por uma fivela de prata, de onde pendia um saco de couro com suas poucas moedas e pertences.
Pois bem, era precisamente esta figura que se aproximava do pequeno bosque, no entorno da cidade, onde eles iriam discutir o mundo.
Os outros lá já estavam: um era ancião de aparência inofensiva e olhar penetrante; outro, um ser bizarro de pele avermelhada, tinha um pequeno e solitário chifre brotando da fronte esquerda, e uma pata de bode que se encontrava no lugar de sua antiga perna direita; finalmente, tínhamos um belíssimo homem de pele glacial, tão alto que sua face parecia atrair os últimos raios e sol do fim do horizonte. Foi este último quem falou, com uma voz poderosa:
“Ora, ora, porque demoraste, filho do destino? Será que foi por conta do belo entardecer que vimos há pouco?” – indagou o ser angelical.
O último convidado riu-se enquanto sentava próximo aos amigos na relva – “Verdade, nobre arcanjo, não fosse por esta nossa conversa há muito planejada eu teria perdido este espetáculo”.
“Espetáculo? Ah! Espetáculo, dizes... Mas o que um ateu entende dos milagres da natureza? Acaso já ocorreu a você algum dia verificar de onde vem o sol do Oriente e por onde passeia após cruzar o Ocidente?” – prosseguiu o anjo.
O homem ateu não respondeu, apenas cumprimentou o sábio ancião e o demônio redimido (nossos últimos personagens a serem apresentados); Entretanto, uma leve tensão sacudia o ar, pois que na discussão que se seguiria, um enigma já havia sido lançado...
E o velho sábio, com sua fala mansa e serena, deu o primeiro empurrão na roda – “Pois bem, nobre arcanjo, tu dizes coisas bonitas acerca do mundo e dos seres. O sol é a luz do mundo, sem ele nada seríamos senão pequenas larvas a rastejar na fria escuridão... Acaso podes iniciar nossa pequena conversa? Acaso tu sabes de onde vem o sol?”.
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Crédito da imagem: Jesper Lund
Marcadores: contos, contos (71-80), existência, O último enigma
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