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18.1.13

O último enigma, parte 2

« continuando da parte 1

Antes da luz

Não era comum ver um anjo arregalar os olhos. Parecia que aquela pergunta era em si um enigma até para o mais nobre dos seres de luz – mas após um curto momento o anjo se recompôs e respondeu ao sábio como quem transmite a verdade do mundo a um grupo de camponeses (ou, pelo menos, como quem acredita nisso):

“Ora, meu caro sábio, quem pode dizer de onde vem o sol? Decerto que este que agora pouco se despediu do dia veio do além horizonte, como tem feito desde que essa terra nasceu; Decerto é este o mesmo astro que cultiva nossos campos e aquece nossos corpos há anos e anos.

Mas no mundo, no mundo que nós anjos podemos perceber, existem incontáveis terras e incontáveis sóis... Um deles, no entanto, teve de preceder os demais. Um deles teve de vencer a tenebrosa escuridão do Grande Nada.

Um deles foi o primeiro explorador do vácuo que existia entre a não existência e a consciência. Um foi o Primeiro Sol, aquele que primeiro iluminou o mundo, mas que veio a ser ainda antes que a luz o fosse.

E o que havia antes da luz? Ó sábio ancião, isso é matéria escura até para os mais iluminados dentre os arautos desse grande Primeiro Sol, desse grande Deus!”.

As palavras do nobre arcanjo soavam ora doces e melodiosas, como uma leve sinfonia composta de brisas matinais, ora profundas e ameaçadoras, como um relâmpago que anuncia o trovão raivoso. Isso parecia irritar aquele que caminhava para a luz, mas que era ainda tão somente um demônio redimido:

“Porque insistes em invocar o nome dele como se fosse uma grande ameaça, uma grande punição que paira sobre aqueles que ainda não são capazes de o ver de certa maneira?

Eu lhe digo, nobre arcanjo, que eu mesmo já maldisse esse nome inúmeras vezes... Eu mesmo já me rebelei contra ele por não aceitar as injustiças que eram feitas em seu nome – e como foram terríveis e cruéis muitas delas!

Não preciso aqui citar algumas das mais santas guerras e das mais santas fogueiras de homens e mulheres acendidas em seu nome...

Os pretensos donos da verdade diziam que essa luz só se aproxima daqueles que seguem os mais estúpidos rituais e as mais ridículas leis... Sabe, eu fui inimigo dessa luz por muito tempo, até que eu descobri que não existe uma única verdade, e que com certeza não poderia ser esse, justamente esse, o deus responsável pelas blasfêmias que se realizavam em seu nome.

Eu encontrei a verdadeira luz, nobre arcanjo, e foi pela dor! Aquela que veio do Primeiro Sol, e que penetrou invicta aos corações mais obscurecidos... Essa luz ilumina a todos, e não somente aqueles que usam auréolas na cabeça.

Mas, sobretudo, ó arcanjo, eu aprendi a falar dele de maneira doce e suave, posto que ele é agora o meu melhor amigo.

Sou apenas um demônio, e tenho carregado esta pata de bode e este único chifre, mas se me permite, gostaria de lhe dar um conselho: Fales de maneira doce e gentil quando invocardes o nome de Deus, para que não faça com que aqueles que lhe ouvem, e ainda o desconhecem, corram apavorados desse todo poderoso juiz que surge da tua fala trovejante”.

Nalgum momento daquele extenso comentário do demônio, o anjo iluminado pareceu sombrear de raiva; mas, como é dado aos anjos, por fim se desculpou, com a voz ainda mais melodiosa do que outrora:

“Decerto posso lhe compreender, aspirante da luz. Eu mesmo um dia ouvi o nome dele e estremeci ante o poder – mas já faz muito tempo, e talvez eu tenha me esquecido disto.

Desculpas, peço, pois que não é minha intenção afastar os seres desta luz, mas, pelo contrário, atraí-los a ela...”.

Os seres do Além Mundo trocaram então olhares cordiais, no que o silêncio foi subitamente interrompido pelo sábio ancião:

“Nossa conversa se deteve no enigma do que haveria antes do Primeiro Sol; Talvez fosse deveras interessante perguntar agora aquele que não acredita neste sol o que haveria então ali, visto que uma diferente crença fatalmente nos leva a uma diferente opinião”.

E, nesse momento, todos se voltaram curiosos e de ouvidos abertos para o homem que era ateu...

» A seguir, "Doce curiosidade"

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Crédito da imagem: euphoricarythmia.com

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