O último enigma, parte 3
Doce curiosidade
O último convidado daquela discussão, o qual os demais chamavam de ateu, começou por esquivar-se daquele enigma que o sábio havia lhe endereçado:
“Sua palavras soaram muito sábias agora há pouco, ó ancião. Sem dúvida, diferentes pontos de vista são nada mais que diferentes opiniões.
Vocês me chamam de ateu, mas eu não sei o que isso significa exatamente. Assim como não sei o que significa ser um ‘não ateu’... Ora, eu sei das coisas do mundo, ou melhor: sei algumas coisas das infinitas coisas do mundo. Foi isto que vim aqui discutir.
Me parece que você voa muito alto quando de indaga sobre o que havia antes desta luz, meu caro sábio... Ora, o anjo e o demônio podem até saber sobre tal assunto, pois que vivem além deste mundo, mas o que nós que aqui habitamos pretendemos saber de um enigma tão distante de nossa realidade?”.
O ancião, incomodado com sua esquiva, retrucou:
“Meu querido, se não queria discutir sobre assunto tão distante, que não houvesse comparecido a este encontro, posto que o combinado seria discutirmos o mundo, este mundo. E, para fazê-lo, começamos de seu início, para eventualmente viajarmos mesmo muito adiante dele...
Mas, afinal, como não fazê-lo? Como ignorar certos enigmas se é exatamente isto que pretendemos ser – decifradores?”.
Neste momento o último convidado levantou-se, em postura acusadora:
“Pretendemos tal coisa? Ora, meu caro sábio, você já viveu muitas primaveras para que houvesse se esquecido da primeira de todas as sabedorias... Não foi acaso um outro sábio quem disse a máxima antiga: ‘tudo que sei é que nada sei’?”.
“E o que sabemos, o que sabemos meu caro?” – prosseguiu o ancião – “Sabemos pouco ou muito pouco, sabemos menos que o cego mais cego, pois que mesmo o cego pôde um dia enxergar ou, ao menos, escutar o trovejar das tempestades escuras; Mas nós que nem sequer além deste mundo enxergamos ou escutamos, queremos saber sobre o que havia antes dele, queremos enxergar antes de existir a luz!
Somos ousados, ó ateu. Mas o somos porque temos vontade para ser, porque amamos o saber. Longe de nós saber tudo, pois o que nos impulsiona é precisamente esta doce curiosidade do saber”.
Ante esta resplendorosa resposta, o homem que era chamado de ateu soltou um largo sorriso e se calou, visto que percebera ser a vez do nobre arcanjo retornar com sua explanação...
» A seguir, "O dogma e a paixão"
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Crédito da imagem: Anônimo
Marcadores: ceticismo, contos, contos (81-90), O último enigma
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