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13.10.15

Sheldrake contra a ortodoxia científica

Entre 2007 e 2008, quando participava de produtivos fóruns de discussão online sobre fé e razão no saudoso Orkut, acabei dialogando com um sujeito (que chamarei aqui de Flávio, embora não seja o nome real, pois não se trata de pessoa pública) que tinha uma fé cristã tão arraigada que acreditava piamente que tudo o que ocorria no universo era uma ação direta de Deus.

Me lembro de haver perguntado ao Flávio assim: "Mas se eu estou aqui digitando e discordando de você, pois creio que guardo uma certa liberdade própria, então seria Deus que estaria me fazendo digitar cada tecla do meu teclado e enviar esse texto para você?"... Flávio respondeu que sim. Esse tipo de negação total de qualquer espécie de liberdade ou livre-arbítrio sempre me pareceu um tanto radical, embora não admirasse menos a fé de Flávio por conta disso, visto que ele sempre me tratou educadamente, apesar de discordar do meu pensamento.

O mesmo tipo de espanto eu senti ao me deparar com os materialistas mais radicais, ou poderia-se dizer, mais fiéis a premissa básica do materialismo. Filósofos como o americano Daniel Dennett defendem que a consciência não existe, e aquilo que entendemos pelo "ato de se estar consciente" não passa de uma ilusão cerebral. Materialistas eliminativos como Dennett creem piamente que todas as nossas escolhas são fruto de reações químicas em nosso cérebro, e que os cerca de 4% da matéria e energia detectadas no universo são suficientes para explicar todos os processos conscientes.

Eu continuo até hoje espantado com o fato da mente humana conseguir chegar a extremos de crença como os dois citados acima, e até já escrevi um artigo sobre isso...

Mas felizmente existem mentes mais céticas e curiosas, que ainda creem não somente em sua própria liberdade de conhecer e questionar o mundo, como conseguem fazer isso através do próprio método científico. Nesta palestra para o TED, o biólogo britânico Rupert Sheldrake questiona diretamente os maiores dogmas do materialismo científico, e critica a Academia por limitar o escopo da ciência moderna ao se manter presa a dogmas do século XIX. O mais interessante é que Sheldrake não é um "cientista qualquer": possui mais de 80 artigos científicos publicados (inclusive na Nature), além de 10 livros (um deles o monumental Ciência sem Dogmas, que ele menciona no vídeo) e diversos artigos que ainda hoje aparecem com certa regularidade em reconhecidos jornais ingleses.

Talvez por isso tal palestra tenha sido "banida" do canal do TED no YouTube, devido a pressão de cientistas mais ortodoxos, digamos assim. É claro que isso só fez o interesse pelo que Sheldrake diz nela aumentar enormemente, de modo que somente um dos "espelhos" dela no YouTube já se aproxima de um milhão de visualizações.

Antes de escutarem ao que ele tem a dizer, no entanto, vale lembrar duas coisas: (1) A intenção de Sheldrake não é substituir o dogma materialista por algum dogma religioso, tanto pelo contrário – a despeito do que dizem por aí, as suas teorias também vão contra visões de mundo muito mais antigas do que o materialismo do século XIX; (2) O fato de Sheldrake chegar a questionar consensos estabelecidos, como até mesmo se a velocidade da luz é realmente constante, não significa que ele tenha razão em sua crítica, apenas levanta uma via de pesquisa que pode eventualmente nos trazer uma visão mais abrangente das "leis naturais" – o que é certamente mais de acordo com a ciência genuína do que termos a velocidade da luz estabelecida "por decreto", como ocorre hoje.

E agora, com vocês, o homem que desafiou a Academia:

***

Crédito da imagem: Google Image Search/Red Ice Radio

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7 comentários:

Anonymous Alexandre Patrus disse...

Ao final de cada post minha vontade é de te dar um abraço e agradecer.

Parabéns e obrigado!

14/10/15 18:15  
Blogger raph disse...

Valeu Patrus, o maior agradecimento é sua própria reflexão :)

Abs!
raph

15/10/15 09:04  
Blogger Rato Saltador disse...

Já ouvi falar do Sheldrake a uns bons anos, só que nunca me aprofundei no trabalho dele. Acho as perspectivas dos campos mórficos e da consciência expandida fascinantes! De todo modo, mesmo que sejam hipóteses falsas, ao menos a provocação dele para que a ciência saia da caixinha e pense diferente é bem valida.

Grato mais uma vez por compartilhar, Raph!

15/10/15 20:18  
Blogger Rato Saltador disse...

Essa questão das constantes, por exemplo, ele deixa bem claro que é apenas uma possibilidade a ser considerada. Em nenhum momento ele afirma categoricamente que é aquilo e pronto, apenas propõe que a ideia seja examinada e testada antes de ser descartada.

15/10/15 20:22  
Blogger raph disse...

Eu penso assim tb, Saltador... Nesse aspecto ele acaba sendo mais cético e genuinamente cientista do que boa parte dos "materialistas dogmáticos"... Abs!

16/10/15 19:49  
Blogger João Panegalli disse...

Sobre o livre arbítrio: neste vídeo(https://www.youtube.com/watch?v=pCofmZlC72g) o Sam Harris argumenta muito bem (na minha opinião), contra o livre-arbítrio, não só dando um argumento materialista, mas também dando um argumento partindo da experiência direta. Na minha opinião não existe espaço para livre-arbítrio na experiência direta, porque o que existe de fato são experiências que surgem e cessam incontrolavelmente de momento a momento.

13/11/15 19:09  
Blogger raph disse...

Oi João, é claro que nossa liberdade de escolha é consideravelmente limitada por inúmeros fatores, mas daí a crer que não temos realmente escolha alguma, e mais do que isso, que a própria subjetividade é uma ilusão, é realmente um extremo de crença que não consigo alcançar. O mero fato de "se ter uma opinião", por exemplo, não deixa de ser uma característica altamente subjetiva e, neste caso, segundo os materialistas eliminativos, uma pura ilusão, como aliás tudo o mais...

O maior problema dessa abordagem para a filosofia é que, no fundo, ela torna a filosofia algo inútil. Eu tento explicar melhor o problema aqui:
http://textosparareflexao.blogspot.com/2012/01/singularidade-filosofica.html

Abs
raph

15/11/15 18:33  

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