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8.11.18

O que a filosofia nos ensina sobre o ódio

Nunca se falou tanto sobre o ódio. O cenário político e o crescimento dos conflitos sociais nos últimos anos têm nos chamado a atenção para esse afeto. Hoje vemos inclusive que o ódio pode ser um fenômeno social, capitalizado para interesses políticos.

Mas como a filosofia pode nos ensinar a lidar com esse afeto? Vejamos o que nos diz Sêneca em seu diálogo Sobre a Ira, a face mais agressiva do ódio.

A ira, diz-nos Sêneca, é o desejo de causar dano ao outro porque temos o sentimento que nos foi causado algum dano antes. Neste sentido, a ira é um desejo de vingança. Retribuir um dano sofrido.

Muitas vezes não se trata de um dano físico, como um golpe, mas toda sorte de prejuízos que achamos ter sofrido por consequência das ações de outra pessoa. Por exemplo, se acreditamos que perdemos a mulher que amamos para outra pessoa, passaremos a odiar a mulher que perdemos ou nosso rival amoroso porque achamos que fomos prejudicados por eles.

Temos nossa primeira lição sobre o ódio: ele nasce da sensação de prejuízo. A partir disto, raivosos, queremos reparar o dano que sofremos igualmente prejudicando ou atacando quem consideramos inimigo.

Quando hoje se fala em discurso de ódio, não se trata de simplesmente odiar um grupo em particular. É odiar um grupo por acreditar que tais indivíduos são, diretamente ou indiretamente, responsáveis pela minha infelicidade.

O ódio aos homossexuais, por exemplo, e a consequente perseguição que esse grupo sofre, parte do fato que muitas pessoas se sentem ofendidas pela simples existência deles. Não importa que os gays não estejam fazendo nada além de simplesmente existirem e amar como desejam. Muitas pessoas aprenderam a odiar qualquer coisa que seja diferente de sua concepção de mundo ou que possa balizar os seus próprios desejos, e a diferença lhes agride. Trata-se, claro, de um problema de quem não suporta a diferença.

E Sêneca vai além. É impossível vivermos sem encontrarmos algo do qual não tenhamos motivos de censura ou aversão. É natural que haja coisas que apreciamos enquanto outras repudiamos. Faz parte da própria diversidade humana.

Basta rolar o feed de notícias das redes sociais ou ligarmos a televisão que veremos muitas coisas que desaprovamos. Seja um caso de corrupção que saiu no jornal ou a agressão injusta que uma pessoa querida nossa sofreu. Estamos sempre sujeitos a nos revoltarmos com as coisas que acontecem ao nosso redor. É muito fácil que o ódio surja a qualquer momento.

Porém, o ódio não é um afeto que soluciona nossos problemas.

Odiar um político corrupto pelo que ele fez ou um ex-amigo pela traição que ele cometeu consigo não irá reparar os danos causados. É possível sim que, por vingança, você queira fazer algo. Mas será que a vingança irá realmente curar as feridas?

Sêneca nos diz que algumas coisas não valem o ódio. A serenidade da alma é o bem mais precioso, e perder isso talvez seja o verdadeiro dano que você irá se causar.

Na filosofia estoica de Sêneca, o problema não é o dano que você venha a sofrer. A vida é inevitavelmente de dificuldades e desastres. O verdadeiro sofrimento está em aceitar que essas tragédias estraguem o seu humor, o seu dia, ou mesmo a sua vida.

Portanto, é melhor curar-se do ódio que tentar se vingar, pois a vingança absorve muito tempo e nos expõe a uma multidão de outras ofensas que nos causariam ainda mais dano. Além disso, satisfazer-se com as misérias alheias é uma satisfação muito pequena diante de outras que você proporcionar a si mesmo.

Ainda que nunca estejamos imunes ao ódio, e reações enérgicas podem ser algumas vezes justas e necessárias, vale como regra geral o conselho estoico: é melhor economizar suas energias de tentar se vingar ou atacar alguém investindo em sua própria felicidade.

Igor Teo é psicanalista e escritor. Para saber mais acesse o seu site pessoal.

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Crédito da imagem: Jason Rosewell/Unsplash

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