Quando a espiritualidade atrapalha
Buscar a espiritualidade geralmente significa que uma pessoa está interessada em melhorar a si mesma, aprender com seus erros e ter uma contribuição positiva no mundo. No entanto, vejo que a espiritualidade pode servir muitas vezes ferramentas contrárias a esses objetivos.
Não digo com isso que a espiritualidade seja algo ruim. Certamente ela é fonte de belíssimos ensinamentos. Trata-se mais da forma como interpretamos algumas ideias, e que terminam sendo utilizadas como fuga, escape da realidade, sabotando o nosso amadurecimento.
1. Para tudo há uma teoria
Este não é apenas um problema dos espiritualistas, mas de todos aqueles que racionalizam demais. Para qualquer experiência que enfrentam encontram alguma justificativa.
Se sempre chegam atrasados nos compromissos é porque esta é sua verdade. Se algo que prometiam fazer não saiu da promessa é porque tudo no universo acontece por uma razão. Se há uma dificuldade em se relacionar com outra pessoa é porque a outra não alcançou o nível de evolução dela.
Enfim, encontram sempre uma frase da filosofia oriental para eximir-se da responsabilidade nas coisas que lhe acontecem.
2. Sentir-se superior porque faz algo espiritual
Assim como a pessoa do item anterior nunca se coloca em questão e sempre se exime da sua parcela de participação nos seus problemas, também há aquelas que se julgam mais perfeitas que as demais porque estão praticando alguma coisa “espiritual”.
Pode ser meditação, yoga ou até uma dieta vegetariana. Qualquer prática serve de motivo para ela se sentir superior, e acabam – mesmo que não intencionalmente – julgando e desvalorizando as outras pessoas.
3. Inibir emoções autênticas
Por conta do complexo de superioridade descrito acima, muitos espiritualistas julgam que seus comportamentos devem ser sempre ideais e neutros.
Está certo que a raiva pode ser danosa ou que precisamos equilibrar emoções mais negativas, como inveja e ódio. Mas isso não quer dizer que não existam situações em que certas demonstrações de emoções possam ser justas e necessárias.
Tudo bem chorar porque algo ruim aconteceu ou ficar revoltado com alguma injustiça no mundo. Muitos querem aparentar ser sempre calmos, gentis e compassivos, e terminam parecendo falsos.
4. Buscar o positivo onde não deve
O movimento de focar em coisas positivas parece ótimo. Darmos atenção às coisas que nos fazem crescer e não nos fixarmos naquilo que nos faz mal.
Porém, existe uma infinidade de situações em que precisamos encarar o que é um verdadeiro problema. Não nos enganarmos fingindo que uma onda de positividade irá solucionar tudo.
Muitas soluções em nossas vidas tem um gosto amargo, mas são necessárias.
5. Aceitar absurdos para ser “o bonzinho”
Estou de acordo que as pessoas precisam ser tratadas com respeito, afeto e compreensão. Mas isto não quer dizer que você deve aceitar qualquer coisa das outras pessoas.
Muitos querem ser sempre os bonzinhos da história, com medo de desagradar ou ficarem com má fama se disserem um não. Por isso, sentem-se abusados pelos outros, já que não estabelecem seus próprios limites.
Não é possível agradar sempre a todos, nem desejável. Ter seus próprios limites em conta é fundamental.
Resumindo...
A espiritualidade pode ser um caminho de crescimento e amadurecimento. Mas se torna uma armadilha quando criamos expectativas sobre nós que não podemos cumprir, fazendo com que nos escondamos em máscaras de superioridade e perfeição.
O mais espiritualmente maduro muitas vezes é se reconhecer como apenas um ser humano de erros e acertos, sem autopiedade por isso. E que nem sempre a culpa é do outro que não lhe entende.
Igor Teo é psicanalista e escritor. Para saber mais acesse o seu site pessoal.
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Crédito da imagem: Bart LaRue/Unsplash
Marcadores: Colunista: Igor Teo, colunistas, espiritualidade, existência
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