Lançamento: Karanblade Livro 1: O Urso
As Edições Textos para Reflexão voltam a publicar um livro do seu editor, Rafael Arrais.
Karanblade é a lendária campanha para Dungeons & Dragons (RPG de fantasia medieval) que surgiu no final dos anos 1990 e deixou muita saudade. Hoje ela retorna através de uma série de literatura fantástica ambientada em seu mundo, a Terra Próxima. O primeiro livro se chama O Urso.
Um ebook exclusivo para Amazon Kindle:
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Abaixo, segue uma amostra com o primeiro capítulo da obra:
1.
Ao sul da Terra Próxima, além de cidade murada de Bak e do reino dos anões, próximo às últimas árvores que se erguem e formam a gigantesca Floresta do Sul e, finalmente, a oeste da não menos gigantesca cordilheira conhecida por Montanhas Rotun, existe uma terra de planícies ensolaradas, vento fresco, e também de caças e caçadores. Os bárbaros que sempre viveram próximo às montanhas, por isso também chamados de rotunianos, há muito elegeram tais planícies como terras de caça e conflito. Tribos vindas tanto do sopé das montanhas quanto do interior da floresta procuram pelos bisões e javalis, enquanto tentam se desviar de outras feras que não podem caçar, como os leões e gatopardos; elas também precisam lidar com as tribos rivais das Ilhas da Chuva, sempre dispostas a invadir o continente e ditar suas leis a ferro e fogo, ou com os detestáveis orcs, que nunca deveriam ter saído de sua casa, nos fundos túneis do Grande Subterrâneo, muito ao norte daquela terra.
Foi exatamente ali, no Caminho dos Caçadores, que um jovem rotuniano lutou sua primeira e decisiva batalha. Ali que o inexperiente e destemido Oldar se tornou o grande guerreiro da Floresta, passando a ser conhecido como Oldalin, o Grande Urso.
Tudo aconteceu numa manhã de primavera, quando os bárbaros da tribo de Terralta, chefiados por Gunther, o de Longa Visão, se aproximavam de um pequeno vale onde sabiam haver muitos bisões pastando com o alvorecer. Era a primeira vez que Oldar, o jovial e atlético filho dos bárbaros de Terralta, participava de uma caçada tão longe de sua tribo. Antes se aventurara com coelhos, pequenos javalis e coiotes, mas agora teria de provar ser um bom caçador, no alto de seus quinze anos de vida.
A equipe era formada por dois batedores, que espreitavam sorrateiramente e enviavam assobios peculiares para Gunther e os outros oito caçadores, dentre eles Oldar. Os batedores armavam-se apenas de facas de aço enferrujado, já que a função de abater os animais era dos caçadores, que se muniam de lanças e arcos, além dos famosos machados bárbaros. Apenas Gunther, o líder, portava uma cota de malha, coisa rara entre os bárbaros daquela região.
Aproximavam-se da última colina que escondia o vale, e Gunther ordenou: “Allin, Uldom, vão pela descida à direita. Os batedores vão com os outros pela esquerda e depois à frente em direção à caça. Eu fico aqui com o jovem Oldar, ele verá como se caça como adulto, e nunca irá esquecer!”.
De fato, Oldar sentiu um misto de alívio e vergonha por permanecer com Gunther longe da ação, já que carregava consigo a estranha sensação de que realmente nunca iria esquecer aquele dia.
Assim foi feito, e após alguns minutos ouviram-se os assobios dos batedores; então, os dois que desceram pela direita correram com as lanças em riste, bradando as canções de caça e afugentando uma parte da extensa manada de bisões para o lado dos cinco guerreiros que se escondiam detrás de algumas rochas. Oldar estava eufórico com a eficiência e coragem de seus irmãos. Puseram-se quase que no meio da passagem dos bisões, matando dois que vinham na frente com suas lanças fincadas ao solo, como uma murada de espetos mortais. Os outros três atacaram esses com suas lanças, enquanto tentavam não ser alvo do estouro da manada.
Gunther gesticulava para que os batedores voltassem pelo caminho à direita, longe dos bisões que fugiam em marcha rápida. Não era necessária mais nenhuma ordem, haviam abatido dois grandes bisões em poucos minutos, mais do que suficiente para um desfecho de sucesso para aquele dia de caça. Infelizmente, no entanto, em poucos segundos todos iriam deixar de ser caçadores e passar a ser a caça.
O primeiro grito veio da passagem à direita, por onde desceram Allin e Uldom, e voltavam os batedores. Gunther sentia o cheiro do medo, sabia que seus irmãos estavam em grande perigo. Prontamente retirou seu grande machado das costas e gritou para um agora assustado Oldar: “Fique aqui garoto! Se eu não voltar, corra de volta para a aldeia e avise ao curandeiro que Gunther e seus guerreiros tombaram ante a maitranda!”.
Maitranda! Oldar sempre detestou essa palavra, que significava muitas coisas em rotuniano: revolta da natureza, desejo de fazer o mal, magia negra... Oldar sabia que Gunther podia sentir tais forças, mas nunca imaginou que seria alvo delas logo em sua primeira caçada de adulto!
Gritos seguiram a mais gritos, e eles eram cada vez mais assustadores e desesperados, tirando os estranhos grunhidos que ora surgiam entre eles. Oldar sabia que deveria esperar ou, no mínimo, fugir. Era apenas um jovem bárbaro pego no meio de algo que não estava preparado para lidar... Ora, mas é exatamente nessa hora que surgem os heróis: aqueles que fazem o impensável em prol de seus irmãos. Que arriscam a vida se preciso, para vencer o inimigo, mesmo que seja um inimigo tão assustador. Naquele dia, Oldar provou ser um deles: agarrou o cabo do machado de seu pai com força, fechou os olhos brevemente e, quando os abriu, percebeu que não era mais necessário correr.
Seja o que for que estava a sua frente, era algo que para o jovem bárbaro significava apenas a morte. Não seria possível fugir daquela criatura enorme, semelhante a um grande urso negro da Floresta do Sul, mas com um estranho brilho vermelho no olhar, enormes buracos de lança e cortes de machado no corpo, suficientes para o fim de dez ursos daquele porte, e carregando o corpo sem vida de Gunther entre as mandíbulas. No que se seguiu, a criatura apenas cuspiu aquele que fora sempre um modelo de guerreiro para Oldar, e moveu-se com inigualável velocidade ao encontro do jovem. Seus grunhidos eram ensurdecedores.
Oldar nunca iria se lembrar como, mas o fato é que no primeiro avanço da bestial criatura, conseguiu não apenas se manter lúcido, como desviar com maestria de sua bocarra mortal, assim como de suas garras dianteiras, que insistiam em tentar lhe fatiar como um coelho indefeso. Oldar matara coelhos, tantos que aprendeu que um coelho jamais teria chances contra um bárbaro... Ele era esse coelho agora, o que poderia fazer?
Nas cenas que se sucederam, tentou em vão acertar a pata traseira do urso negro, mas ele se movia quase como um felino, tamanha a velocidade e agilidade. Percebeu que ganhara um extenso corte nas costas, e rolou pelo chão para escapar de um abraço mortal... Estava próximo do fim. A criatura o agarrou com as patas dianteiras, e preparava o bote final. Mas o destino não quis que a maitranda triunfasse nesse dia: num último esforço, Oldar conseguiu desprender seu braço direito da pata colossal e colocou seu machado entre sua face e a enorme bocarra... O urso engoliu aço e sangue; era o derradeiro suspiro da criatura, que tombou em cima de seu algoz.
Para o jovem Oldar, o mundo ficara escuro...
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