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1.10.20

Traduzindo Orwell: 1984

No primeiro dia de 2021 entra em domínio público em todo o planeta (exceto os EUA) toda a obra de Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo seu célebre pseudônimo: George Orwell.

Orwell foi um peso pesado da literatura do século XX, e duas de suas obras são best-sellers praticamente eternos: 1984 e A Revolução dos Bichos. Desde o início de Maio deste ano eu tenho me dedicado a traduzir ambas. A última, uma tradução consideravelmente mais curta, foi finalizada há algumas semanas, e recentemente eu finalmente dei início à tradução da primeira.

Sim, é isso mesmo: neste momento eu, Rafael Arrais, estou no início da tradução de 1984. É importante deixar isso divulgado aqui, pois tenho certeza de que não serei o único a publicar traduções de Orwell ano que vem, seja na Amazon ou nas outras plataformas de autopublicação.

Se tudo correr bem, as Edições Textos para Reflexão iniciarão o ano que vem em grande estilo, com lançamentos das traduções das obras já citadas em versão digital e impressa [1]; além de, pela primeira vez na história da editora, estarmos preparando um lançamento na própria língua inglesa. Quem viver verá!

Na sequência, trago um trecho da minha tradução de 1984:


Parte 1, Capítulo 1

[...] Winston despertou de seus devaneios e se acomodou melhor na cadeira. Soltou um arroto. Era o gim em seu estômago começando a subir.
Seus olhos voltaram a focar a página. Constatou que durante o tempo em que esteve ali sentado em devaneios, sentindo-se só e desamparado, havia continuado a escrever, numa espécie de ação automática. E já não era mais a letra pequenina e desajeitada de antes. A sua pena havia deslizado como uma libertina através do papel macio, escrevendo em letras grandes e nítidas:

ABAIXO O GRANDE IRMÃO
ABAIXO O GRANDE IRMÃO
ABAIXO O GRANDE IRMÃO
ABAIXO O GRANDE IRMÃO
ABAIXO O GRANDE IRMÃO

Muitas vezes. Elas preenchiam a metade de uma página.
Ele não conseguiu deixar de sentir uma pontada de pânico. Era absurdo, já que ter escrito aquelas palavras não era nada mais perigoso do que o próprio ato de iniciar um diário; mesmo assim, por um momento, teve a tentação de rasgar as páginas já escritas e abandonar por completo aquela ideia toda.
Não o fez, porém, porque sabia ser algo inútil. Quer tivesse ou não tivesse escrito ABAIXO O GRANDE IRMÃO, era algo inteiramente irrelevante. Não fazia a menor diferença prosseguir ou não com aquele diário. A Polícia do Pensamento o descobriria de um jeito ou de outro. Ele havia cometido – ainda que não tivesse escrito nada no papel – o crime essencial, que englobava todos os demais dentro de si. Era chamado de pensamento-crime. O pensamento-crime não era algo que pudesse ser ocultado indefinidamente. Seria possível escondê-lo durante algum tempo, às vezes por anos a fio, no entanto mais cedo ou mais tarde o criminoso sempre era pego.
E era sempre à noite – as prisões invariavelmente ocorriam à noite. A interrupção súbita do sono, a mão bruta sacudindo o ombro, as luzes cegando os olhos, o círculo de rostos impiedosos em torno da cama. Na grande maioria dos casos não havia julgamento, nem mesmo o registro da prisão. As pessoas simplesmente desapareciam, sempre durante a noite. Seus nomes eram removidos dos registros, todas as menções a qualquer coisa que tivessem realizado eram apagadas, suas existências anteriores eram negadas e logo mais totalmente esquecidas. Você era abolido, aniquilado: VAPORIZADO era o termo corriqueiro.
Por um momento, Winston foi tomado por um ataque de histeria. Assim, foi logo escrevendo, em garranchos apressados:

me darão um tiro que isso me importa me darão um tiro na nuca não me importa abaixo o grande irmão eles sempre atiram na nuca não me importa abaixo o grande irmão...

Ele se recostou outra vez na cadeira, ligeiramente envergonhado de si mesmo, e largou a pena. Logo em seguida levou um susto imenso. Batiam na sua porta.
Já?! Ele permaneceu sentado, imóvel como um rato, esperando que a pessoa fosse embora sem insistir. Mas não, bateram outra vez. Seria ainda pior se atrasar para atender. Com seu coração batendo tal qual um tambor – mas com o rosto provavelmente sem expressão alguma, fruto do velho hábito – ele se levantou e se dirigiu à porta, pé ante pé.

(tradução de Rafael Arrais)


***

[1] Infelizmente será praticamente impossível finalizar a longa e desafiadora tradução de 1984 até o início de 2021, mas espero publicá-la até a metade do ano, possivelmente ainda no primeiro trimestre. Já a minha tradução de A Revolução dos Bichos será lançada logo no início de 2021.

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