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27.1.23

Terra, fogo, água e ar (parte 3)

« continuando da parte 2


Profundo, misterioso, infindável, inenarrável

Embora tenhamos perambulado por grande parte da terra, nenhuma grande civilização foi capaz de florescer longe da água. Mares primordiais, abarrotados de peixes, rios de água límpida descida do alto: nenhum Éden poderia existir sem eles. Acima de tudo, o que os antigos caçadores-coletores logo entenderam, é que água é sinônimo de vida.

Assim, tão logo descobriram a agricultura, também perceberam que não bastavam só as sementes e a terra, era preciso a fertilização das águas que caíam do céu. Se a terra era uma deusa de onde nasciam frutos infindáveis, eram os deuses do céu que garantiam a germinação.

Mesmo os grandes deuses montanhosos choravam, constantemente, emocionados com tantos milagres. Foi assim que muitos rios se tornaram sagrados, com suas águas correntes, filhas das grandes rochas; e há quem diga que alguns filósofos ancestrais foram capazes de atravessar as águas de uma deusa! Ora, nem mesmo Heráclito foi capaz de conceber tal maravilha.

E todas as águas correm rumo ao oceano, a grande divindade, e também a mais humilde delas: estando no nível menos elevado, recebe todos os afluentes das terras altas. A única associação que os primeiros nadadores-pensadores poderiam fazer era ao amor. Assim como o mar, o amor é profundo, misterioso, infindável, inenarrável.

Afinal, não há manual para o amor: o seu reino é alienígena, cheio de corais multicolores e correntes invisíveis e nefastas. Só o mergulhador que se arriscou em suas ondas pode saber de toda a maravilha e todo o perigo que há no mundo da água. Nada disso se ensina em cartilhas ou escolinhas de natação, tampouco nas grandes universidades ou nos laboratórios mais modernos.  

Estando além de qualquer capacidade lógica de catalogação, as ondas do amor quebram indistintamente sobre os nadadores iniciantes ou experientes. Mas há também os grandes sábios, em suas pranchas antigas, que aprenderam a observar o movimento das marés, e surfam acima de todas as mágoas e desentendimentos, jamais se apegando a esta ou aquela praia, pois sabem muito bem que ainda hão de atravessar muitas e muitas ilhas.

O grande perigo é crer que não precisaremos jamais aprender a nadar, que poderemos subir no pico mais elevado e viver em nossa caverna pequenina, tal qual eremitas, renunciantes do amor. É então que os deuses são forçados a enviar um verdadeiro dilúvio, para que todos sejam batizados, sem exceção.

Um dia, todos seremos como Noé, a pilotar nossa arca em meio à tempestade. E a única forma de se guiar pelas águas turbulentas é compreender que elas seguem sempre os desígnios do ar. Há ventos que vêm para causar naufrágios, é verdade, mas até mesmo esses podem ser bem aproveitados, se formos capazes de construir um mastro, e uma imensa vela, em nossa arca. Daí bastará usar a própria força do ar para nos levar para longe dos mares tumultuosos.

O amor é poderoso, inefável, capaz de nos carregar como náufragos para longe de toda e qualquer razão. Mas o amor tem muitos nomes, e é somente pela mesma razão que conseguiremos saber mais sobre eles. O amor é a lei dos mares, mas os mares ainda obedecem à vontade das brisas e dos vendavais. Não há grande navegador que tenha alcançado o Novo Mundo sem tal conhecimento.

Foi ao mar que os deuses deram o perigo e o abismo, mas também foi nele que espelharam o céu.

» Na sequência, as elucubrações do ar.


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Bibliografia
Kabbalah Hermética (Marcelo Del Debbio). Wikipédia.

Crédito das imagens: [topo] Google Image Search.

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