Projeto Ars Magica (trecho 2)
 
10 anos após o lançamento de Ad infinitum, enfim eu voltei a escrever um livro totalmente original. De lá para cá, foram muitas traduções, edições, e compilações de poemas e artigos do meu blog; mas agora chegou a hora de algo novo. E, assim como o próprio Ad infinitum um dia foi tão somente o Projeto Ouroboros, agora também voltarei a postar trechos de meu novo livro, enquanto ele é escrito. Bem-vindos ao Projeto Ars Magica!
Ao contrário do projeto anterior, neste não darei muitos detalhes do que exatamente se trata. Mas, para resumir, será uma obra sobre a Arte e o Caminho.
Então, vamos direto ao que interessa: abaixo, segue um dos trechos já escritos do projeto.
 
3.1
Imagine que antes das  cidades e vilarejos, antes da agricultura, antes que os homens se decidissem  por habitar um só canto, existiram templos, e um deles é bem mais antigo que as  pirâmides; de fato, sua idade passa dos dez mil anos:
  
  Göbekli Tepe (“monte com barriga”, em turco) é o topo de uma colina onde foi encontrado um santuário, no ponto  mais alto de um encadeamento montanhoso no sudeste da Turquia. Sua estrutura possui  15 metros de altura por 300 de diâmetro e inclui dois complexos que se acredita  serem de natureza ritual, e datam do décimo ao oitavo milênio a.C. Neles foram  erguidos círculos de enormes pilares de pedra em forma de T – os megalitos  (monumentos de pedra) conhecidos mais antigos do mundo. O estudo dos três  recintos de pedra mais antigos do santuário revelou um padrão geométrico  oculto: um triângulo equilátero com 19,25 metros de lado, subjacente a todo o  plano arquitetônico.
  
  Um templo, um templo de dez  mil anos! Mas o que era um templo, o que é um templo? A palavra deriva de templum, “local sagrado”, em latim. E  não há dúvida que Göbekli Tepe era um deles. Mas, será que naquele tempo os  caçadores-coletores, os andarilhos e xamãs se reuniam ali, na maior estrutura  arquitetônica do mundo, apenas para ouvir um sermão religioso e cantarolar  músicas edificantes? Ou será que aquele templo era o próprio centro de sua  existência, o lugar para onde retornavam, de tempos em tempos, para preencher  suas vidas de sentido, e suas almas de entusiasmo?
  
  Seus pilares de pedra apresentam  os seguintes animais esculpidos: raposas, leões, bois e vacas, javalis, burros,  garças-reais, patos, escorpiões, formigas, aranhas, muitas serpentes e algumas  figuras antropomórficas. É preciso lembrar que isso tudo se deu antes do  registro das primeiras linguagens escritas. Ou seja, tais pilares ancestrais  representam os primeiros registros da arte rupestre fora das cavernas. Mas o  que exatamente os xamãs realizavam no ventre da terra, o que exatamente se  fazia em Göbekli Tepe?
  
Para todas essas questões,  seria leviano dar uma resposta categórica e definitiva. O que podemos imaginar  daqui, dez mil anos depois, é que ali, no sudeste da Turquia, o ser humano  começou a entrar em contato com o Mistério.
3.2
Há uma lenda bastante  difundida entre as religiões ocidentais que afirma, basicamente, que o  monoteísmo, a “descoberta” do Deus Único, foi uma concepção originária do  judaísmo. Segundo esta lenda, existem no mundo algumas poucas religiões  monoteístas, derivadas da crença hebraica, e outras tantas que creem na  existência de vários deuses de origem paralela – o chamado politeísmo.
  
A verdade, no entanto, pode ser mais profunda: Joseph Campbell foi um estudioso de mitos e religiões em  todo o globo, e em O poder do mito ele  deixa muito claro o que acredita ser a principal diferença entre as grandes  religiões ocidentais e orientais: enquanto a oeste do canal de Suez, a maioria  das pessoas identifica Deus com a fonte do Mistério, a leste de Suez, a associação que se faz é a da divindade como o veículo desta energia transcendente.
Por isso as religiões  ocidentais tendem a identificar a Deus como um Grande Senhor que, sabe-se lá de  onde, mantém a fonte da vida em constante afluência, enquanto que as religiões  orientais tendem a ver esta divindade por toda a parte – ela seria o próprio  fluido em movimento, a habitar a essência de todos os seres e de todas as  coisas.
O curioso é que ambas as  visões são complementares, e parecem ser apenas formas diferentes de se contemplar  este grande Mistério: “por que existe algo, e não nada?” Para resolver tal  questão ancestral, a mente humana tem se aventurado a observar os recônditos  mais distantes do Cosmos, e a mergulhar cada vez mais profundamente dentro de  si mesma. Este grande conjunto de dualidades, de opostos, emanados de uma única  fonte, mas que preenchem a tudo o que há, se parece mais com uma imensa roda de  deuses, eternamente girando em torno de um eixo misterioso.
  
Como a pedra do moinho, gira a roda do céu
  em torno de Allah.
  Acaso segure um raio de tal roda
  terá sua mão decepada! 
  
  (Rumi) 
  
E, como veremos, nesta mesma  roda há diversas maneiras de se enxergar este Mistério que nos transcende.
Rafael Arrais
***
Crédito das imagens: [topo] raph (com Midjourney e GFPGAN); [ao longo] Google Image Search (escavações em Göbekli Tepe).
Marcadores: livros, Projeto Ars Magica, Rafael Arrais
 Textos para Reflexão
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1 comentários:
Eu penso que os deuses são expressões, personificações, de determinados aspectos do universo conhecido, decodificado pelos sábios. Penso que eles sabiam que existia uma única força, mas que esta se manifestava dentro de um gradiente.
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