Terra, fogo, água e ar (parte 4)
As palavras mágicas
Imaginem a surpresa dos aldeões iletrados ao simplesmente observarem os escribas, os construtores e os magos em geral: gente que conseguia se comunicar somente pelo ar. Um construtor desconhecido chega num vilarejo e, ao apresentar um pedaço de papiro para outro construtor que nunca viu na vida, logo ambos parecem ser não somente colegas de longa data, como sabem exatamente o que irão construir a seguir, nos mínimos detalhes. Pura magia!
Era, então, a era da civilização humana. Os primórdios de um tempo em que nem todos precisavam sobreviver à duras penas, ao custo do trabalho braçal, do suor do corpo: havia também alguns poucos afortunados que, por conhecerem as palavras mágicas, por saberem lê-las em paredes, letreiros ou papéis, podiam se dar ao luxo de se dedicar somente ao ar, enquanto os analfabetos cuidavam da terra.
Decerto inúmeros sábios caminharam pelo mundo, mas foram somente os poetas, os filósofos e os escritores que foram lembrados pelas demais gerações, pois foram eles que dominaram a tecnologia primordial das brisas, o livro. Com o livro, seja sagrado ou não, eles eternizaram suas lendas, suas ideais mais iluminadas e sombrias, seus relatos mais fantasiosos e verdadeiros, sua visão de mundo, enfim, sua própria história. Pouco se sabe do que pensavam os xamãs ancestrais, os pajés e líderes de tribos selvagens, dentre outras coisas porque a eles jamais foi permitido contar sua própria história às gerações e aos povos futuros.
Sim, a história sempre foi escrita pelos vencedores, mas também havia dois tipos de conquistadores de terras: aqueles que davam pouco valor à cultura alheia, e aqueles que, de alguma forma, entendiam que todos os povos eram um só, que toda a humanidade deveria, mais dia menos dia, se entender, equalizar seus mitos de origem, mesclar seus deuses uns com os outros, ou seja: tornar-se uma só tribo, pois que o mundo é um só. Isso não significa aniquilar culturas, substituindo um deus pelo outro, pelo contrário: isso quer dizer que todos os deuses podem se irmanar, como os primeiros construtores, e para tal basta que sejam capazes de falar a mesma língua.
Porém, mesmo passados os tempos da guerra da fome e da morte, mesmo com o mundo se encaminhando para uma terra de cooperação, e não de matança e disputas inúteis, o ar ainda guardaria muitos perigos invisíveis em suas elucubrações infindáveis.
O homem redescobriria a ciência, e a chamaria de “moderna”, e começaria a declarar coisas sem sentido. Por exemplo: que a cor vermelha não existe, pois é somente um comprimento de onda eletromagnética; ou que dois amantes apaixonados jamais podem realmente se tocar, pois que os átomos se repelem entre si; ou ainda que a noite não é salpicada de deuses luminosos, que todas aquelas luzes são apenas sóis de outros sistemas, irradiando algo da mesma consistência que aquilo que sai de uma lamparina.
Ora, tais burocratas do conhecimento já não eram mais capazes de compreender toda a beleza da poesia romântica, nem todos os matizes das pinturas grandiosas, muito menos o que os antigos sentiam ao contemplar a noitinha, sem ter nenhum aparelho para registrar tamanha beleza que não seus próprios olhos.
Decerto eles mal sabiam que até mesmo os xamãs, os magos e os druidas tinham suas bibliotecas em plena floresta, e que sabiam “ler” cada filamento de uma planta, cada ranhura de uma casca de tronco, cada signo de uma flor. Que os sábios antigos também sabiam se mover pelo ar, sem, no entanto, ter de abandonar a terra. Com seus pés firmes, tal qual raízes, eles elevavam seus pensamentos aos céus, mas nenhuma tempestade era capaz de lhes levar embora.
Com suas facas, espadas e foices, eles sabiam quais galhos cortar, e quais preservar: quais dariam frutos saborosos, e quais estavam acometidos de ervas daninhas. Mas, acima de tudo, eles jamais abandonavam a terra, pois eram incapazes de esquecer a sua origem.
Nós só podemos contemplar o céu porque estamos aqui, bem posicionados, na terceira pedra do sol.
» Na sequência, os mistérios do fogo.
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Bibliografia
Kabbalah Hermética (Marcelo Del Debbio). Wikipédia.
Crédito das imagens: [topo] CHUTTERSNAP/unsplash.
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