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31.5.12

A lâmpada centenária

O comercial acima tem, talvez, o conjunto dos clichês mais utilizados pela publicidade atual para que um homem troque de carro. Mas não vou falar aqui das aeromoças de rosa dando o "sinal de ok", nem sobre como o sujeito parece "deixar de existir" enquanto não tem um carro adequado: o que quero destacar é que o consumidor já tinha um carro, provavelmente não tão antigo assim, mas é incentivado a comprar um novo.

Na época atual, onde todos parecem seguir o deus do consumo, trocar de carro a cada 1-2 anos, e de celular a cada 6-12 meses, parece ser algo não apenas perfeitamente natural, como enormemente incentivado por todo tipo de propaganda... Engraçado que todos enalteçam os benefícios de se estar sempre "atualizado", com um carro zero, um widget "de ponta", e ainda falem em sustentabilidade, em ecologia, em um "mundo verde"...

Ora, tudo o que é consumido deve ser descartado, deve virar lixo. Até aí tudo bem, contanto que o lixo possa ser reciclado, ou que não se avolume tão depressa assim. O nosso problema é, portanto, um modelo econômico que foi planejado para ser o exato oposto da sustentabilidade: é difícil mudar tal paradigma quando as mesmas grandes empresas que ditam a economia mundial, e se dizem favoráveis a sustentabilidade, muitas vezes continuam investindo pesado na prática da obsolescência programada.

Por exemplo, a lógica da indústria de computadores é semelhante à das montadoras de carros. Ambas lançam novos produtos para nos fazer descartar os antigos. Essa estratégia foi criada na década de 1920 por Alfred Sloan, então presidente da General Motors. Sloan decidiu seduzir os consumidores para que trocassem de carro com frequência, apelando para a mudança anual de modelos, cores e acessórios. Bill Gates, o fundador da Microsoft, adotou a mesma fórmula nas atualizações do Windows, e o fabricante de chips Intel usa o mesmo procedimento para lançar seus chips. Não é à toa que o livro de cabeceira de Gates é a autobiografia de Sloan.

Você pode achar que isso é perfeitamente comum e corriqueiro, que faz parte da economia industrial e etc. De certa forma, terá total razão, mas a grande questão é que, de tão seduzidos pelas maravilhas das novas tecnologias, muitas vezes esquecemos que elas não são tão "de ponta" assim... Se já são maravilhosas, poderiam ser ainda muito mais, poderiam mesmo durar anos, décadas, e quem sabe até, séculos...

Em Livermore, na Califórnia, um corpo de bombeiros possuí uma lâmpada que está acesa já há mais de um século. Difícil de acreditar? O Cartel Phoebus, fundado em 1924 por empresas como General Eletric, Philips e Osram (todas ainda existentes), determinou que todas as grandes produtoras de lâmpadas elétricas propositadamente reduzissem seu tempo de duração para 1.000 horas. E, até hoje, isso não mudou muito... Você acha que tem mesmo tanta tecnologia em casa? A lâmpada centenária de Livermore talvez lhe faça mudar de paradigma:

Comprar, descartar, comprar. Documentário espanhol (legendado) sobre a história da obsolência programada, com cerca de 52min. de duração.

***

» Veja também: os 10 grandes deuses do Supermercado

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6 comentários:

Blogger Alfredo Carvalho disse...

Após assistir ao documentário, fiquei aqui pensando com meus botões.

Tenho a impressão de que a obsolescência programada "oficial" que Bernard London quis implantar poderia ter gerado uma forma de consumismo diferente da que existe hoje, muito mais sustentável, pois na idéia de London, o governo seria responsável por recolher os produtos "vencidos" e destruí-los.

31/5/12 12:27  
Blogger raph disse...

Exato, além disso, seria uma política oficial, institucionalizada, que poderia ser reconhecida e debatida abertamente desde aquela época. Em troca disso, temos a mesma coisa, só que "oculta" e disfarçada em meio a propagandas de consumo... Mas o pior, como disse, são as grandes empresas que, de um lado, se dizem grandes defensoras da sustentabilidade, e do outro, gastam milhões com propaganda para estimular os mesmos hábitos consumistas de sempre... A conta não fecha.

Abs
raph

31/5/12 14:29  
Blogger raph disse...

De uma conversa pelo Facebook acerca do documentário:

O melhor entrevistado no documentário a dado momento fala exatamente sobre o "vazio (de significado) por ser preenchido", na modernidade.. Mas fica difícil sequer perceber o que se passa com tantas propagandas para tudo quanto é lado.. Por isso que o Alan Moore se preocupa tanto com esses "magos do marketing", por que compreende exatamente o estrago que são capazes de fazer (muitas vezes sem nem terem consciência do que fazem exatamente).. É como no comercial da Fiat: tudo o que o sujeito quer é ser percebido, de preferência pelo "chefe". O "vazio" está muito bem representado ali também, aliás: sem um carro "que diga alguma coisa", ele mesmo some. Ele mesmo é incapaz de dizer alguma coisa por si.

31/5/12 19:04  
Blogger Jakeline Santana disse...

Obrigada por iluminar mais um dos meus dias com sua postagem.

Terminei agora há pouco de assistir o documentário e o que me surpreendeu foi que, quando comecei a comentar com conhecidos sobre o vídeo e que esse processo que até então eu desconhecia o nome, mas que fazia com que fosse perceptível nossa necessidade de trocar as coisas constantemente em casa ou no trabalho, em primeiro momento eles não acreditaram que as coisas fossem projetadas para serem descartadas e que determinadas lâmpadas pudessem durar mais de 100 anos, por mais que eu demonstrasse que existe possibilidade para perquisar a fundo sobre o assunto a partir das fontes citadas no vídeo.

O que eu percebo é que as pessoas preferem colocar em primeiro lugar a culpa nas autoridades e se isentar da responsabilidade que deveriam ter em relação ao consumismo. Ninguém quer se imaginar reparando todos os produtos que tem em casa toda a vez que eles quebram, mesmo que o exemplo do Marcos ao consertar a impressora mostre que isso é possível (claro, não estou desconsiderando a dificuldade de ter que perder horas de descanso do trabalho reparando as coisas que se tem em casa, ou perdendo tempo consultando rótulos e etiquetas de produtos para tentar se certificar que são feitos por empresas responsáveis). Isso que me ocorreu me faz pensar em dificuldades no futuro...

3/6/12 20:47  
Blogger raph disse...

Jakeline, obrigado pelo seu comentário. O que disse acerca da "morosidade" das pessoas em relação ao assunto é importante, pois é exatamente essa conformidade que fez com que a obsolência programada pudesse existir por tanto tempo - seja por produtos propositadamente "feitos para quebrar", seja, principalmente, pela sedução da propaganda.

Em livros como "Desejo de status", de Alain de Bottom, essa sedução do consumismo é muito bem analisada... Muitos vão dizer que essa crítica ao consumismo é coisa de comunista, mas isso já ficou para trás (como o comunismo): o que sobrou foram as ideias de crítica ao desejo desenfreado, pois isso vai muito além do comunismo ou do marxismmo.

Não foi a toa que eu incluí esse comercial da Fiat no início do post: ele, de certa forma, condensa um fato muito importante desse tipo de "sedução". Nos "ensina" que (nesse sistema) são nossos objetos de consumo que falam por nós e que, sem eles, não somente não teríamos "nada a dizer", como talvez nem sequer existíssemos...

Dá o que pensar; e, quem sabe pensando, deixemos mesmo de existir, e encontremos nossa voz adormecida, e renasçamos com ela :)

Abs
raph

4/6/12 10:05  
Blogger raph disse...

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