O pão que um demônio amassou
Diz o Padeiro como fazer pão:
jogue a farinha numa vasilha
e vá adicionando água aos poucos;
então trabalhe a massa com as mãos
acariciando-a enquanto ainda está mole.
Aqui o ingrediente mais essencial
é o tempo!
Dizem que Deus também nos fez assim:
nos pegou da terra mole
e acariciou, acariciou, acariciou,
até que surgissem homens e mulheres,
cada um único na Criação.
Mas faltou dizer em que tempo
isso se deu; e também responder:
“E Deus por acaso tem mão?”
Seja como for, não vale ter pressa
na feitura do pão. Pois que, ao fim,
é esta massa que vai ao forno
arder, arder e arder,
até dourar.
Após dourado, cada pão é o que é,
e devemos agradecer pelo pão de cada dia,
seja ele da massa que for,
ou mesmo o pão
que um demônio amassou.
Pois se saímos da terra mole inacabados,
há que se ter alguém para nos socar,
e socar, e socar, e socar,
até que fiquemos assim,
bem amassados,
prontos para ir ao forno.
E daí, quem sabe, possamos concordar
com o Padeiro: o tempo é, de fato,
absolutamente essencial
para que cada pão-alma
seja dourado.
raph'23
(inspirado por trecho da peça Seco, do grupo teatral Fulano di Tal, em Campo Grande/MS)
***
Crédito da imagem: Annie Spratt/Unsplash
Marcadores: espiritualidade, existência, poesia, poesia (161-170)
1 comentários:
Muito bom
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