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28.4.09

Rumo as estrelas

Texto de Brian Greene no "Universo Elegante" (ed. Cia das Letras)

Embora estejamos tecnologicamente ligados à Terra e às suas cercanias no sistema solar, o poder do pensamento e da experimentação nos permite sondar as profundidades do espaço exterior e do espaço interior. Particularmente durante os últimos cem anos, o esforço coletivo de muitos físicos revelou alguns dos segredos mais bem guardados da natureza. E uma vez reveladas, essas jóias explicativas abriram novos panoramas sobre um mundo que pensávamos conhecer mas cujo esplendor nem sequer chegáramos perto de imaginar. Uma maneira de medir a profundidade de uma teoria física é verificar até que ponto ela desafia aspectos da nossa visão de mundo que antes pareciam imutáveis. Sob esse ponto de vista, a mecânica quântica e as teorias da relatividade foram muito além das nossas expectativas mais ousadas: funções de ondas, probabilidades, tunelamento quântico, o incessante tumulto das flutuações de energia no vácuo, o entrelaçamento do espaço e do tempo, a natureza relativa da simultaneidade, a curvatura do tecido do espaço-tempo, os buracos negros e o big-bang. Quem poderia pensar que a perspectiva intuitiva, mecânica e precisa de Newton se tornaria tão provinciana — que havia um mundo novo e extraordinário logo abaixo da superfície das coisas que vemos todos os dias?

Mas mesmo essas descobertas que sacodem os nossos paradigmas são apenas uma parte de uma história maior, que tudo abarca. Com uma fé inquebrantável em que as leis do que é pequeno e as do que é grande devem harmonizar-se em um conjunto coerente, os físicos prosseguem em sua luta incessante por encontrar a teoria definitiva. A busca ainda não terminou, mas a teoria das supercordas e a sua evolução em termos da teoria M já fizeram surgir um esquema convincente para a fusão entre a mecânica quântica, a relatividade geral e as forças forte, fraca e eletromagnética. Os desafios trazidos por esses avanços à nossa maneira de ver o mundo são monumentais: laços de cordas e glóbulos oscilantes que unem toda a criação em padrões vibratórios executados meticulosamente em um universo que tem numerosas dimensões escondidas, capazes de sofrer contorções extremas, nas quais o seu tecido espacial se rompe e depois se repara. Quem poderia ter imaginado que a unificação entre a gravidade e a mecânica quântica em uma teoria unificada de toda a matéria e de todas as forças provocaria uma tal revolução no nosso entendimento de como o universo funciona?

Não há dúvida de que encontraremos surpresas ainda maiores à medida que avançarmos na nossa busca de entender a teoria das supercordas de maneira total e factível do ponto de vista do cálculo. O estudo da teoria M já nos propiciou vislumbrar um reino estranho no universo, abaixo da distância de Planck, em que possivelmente não vigoram as noções de espaço e de tempo. No extremo oposto vimos também que o nosso universo pode ser simplesmente uma dentre inumeráveis bolhas que se espalham pela superfície de um oceano cósmico vasto e turbulento chamado multiverso. Essas idéias estão na vanguarda das especulações atuais e pressagiam os próximos saltos pêlos quais passará a nossa concepção do universo.

Temos os olhos fixos no futuro, à espera dos deslumbramentos que nos estão reservados, mas não devemos deixar de olhar também para trás e maravilhar-nos com a viagem que já fizemos. A busca das leis fundamentais do universo é um drama eminentemente humano, que expande a nossa visão mental e enriquece o nosso espírito. Einstein deu-nos uma descrição vívida da sua própria luta por compreender a gravidade: "os anos ansiosos da busca no escuro, que provocavam sentimentos intensos de angústia e alternâncias entre estados de confiança e de exaustão, e, finalmente, a luz". Aí vemos a profundidade desse drama humano. Todos nós buscamos a verdade, cada qual à sua maneira, e todos esperamos um dia poder dizer que sabemos por que estamos aqui. À medida que subimos a montanha do conhecimento, cada nova geração apoia-se sobre os ombros da anterior, aproximando-se coletivamente do cume. Não temos como prever se algum dia os nossos descendentes chegarão ao topo e gozarão da soberba vista que se abre sobre a vastidão e a elegância do universo, com clareza infinita. Mas ao trilharmos o caminho, subindo um pouco a cada nova geração, realizamos as palavras de Jacob Bronowski, que dizia que "a cada época corresponde um ponto de inflexão, uma nova maneira de ver e de afirmar a coerência do mundo". Hoje a nossa geração se maravilha com a nossa nova visão do universo — a nova maneira de afirmar a coerência do mundo — e cumpre assim o seu papel, contribuindo com um degrau a mais na escada humana que conduz às estrelas.

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Crédito da foto: mib_hr

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