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18.7.11

A odisséia da informação

Trecho do Projeto Ouroboros (a partir deste ponto irei revelar o nome de um segundo personagem, até então apenas "O.", agora Otávio)

(Otávio) Fico feliz que estejam seguindo meu raciocínio e concordem com a importância desse tipo de reflexão. Mas sigamos adiante: quando falamos em uma substância, pela definição usual, científica, estamos falando em qualquer tipo de matéria formada por átomos de elementos específicos em proporções específicas. Nesse sentido, substâncias possuem conjuntos específicos de propriedades e composições químicas, e se for conveniente dividi-las em dois grandes agrupamentos, estes certamente seriam de substâncias inorgânicas – como a água e os sais minerais –, e substâncias orgânicas, presentes nos seres vivos da Terra – como proteínas, carboidratos e vitaminas.
Tudo isso é bastante conhecido da ciência, da química e da biologia. No entanto, obviamente quando nos referimos a absolutamente todas as substâncias do Cosmos como irradiações da substância primeira, estaremos tratando o conceito de substância como algo infinitamente mais abrangente – capaz de definir não somente a matéria, como a energia, o pensamento, e certamente tudo aquilo que ainda escapa a nossa detecção; seja porque não interage com a luz, seja porque está além do alcance de nossos sentidos e aparelhos, seja porque se aproxime daquilo que chamamos de imaterial.
Felizmente não precisarei iniciar aqui uma nova discussão sobre a existência ou inexistência de qualquer coisa imaterial – para minha teoria, bastará nos atermos ao material, detectado ou não.
Entretanto, como o conceito de substância está, nos dias atuais, intimamente ligado a este significado de elementos materiais, creio que será mais proveitoso utilizar um novo conceito. Este “novo conceito”, em realidade, está longe de ser novo, e já é conhecido da humanidade há bastante tempo – a questão central está na interpretação que damos a ele. O que diriam vocês, portanto, se eu afirmar que tudo o que partiu da Causa Primeira e foi irradiado ao infinito do Cosmos é, tão somente e nada mais, informação?

(P.) Eu já ouvi falar disso antes, mas irei esperar que desenvolva melhor o tema para tecer minhas considerações...

(I.) Surpreso.
Ora, devo confessar que não faço idéia do que pensar neste momento. Apesar de, ao contrário de nosso amigo, nunca ter ouvido falar disso, irei igualmente aguardar seu desenvolvimento – inclusive para compreender e aprender sobre ele, se possível.

(Sofia) Alguns sábios antigos já falavam nisso, mas creio que será melhor esperar você terminar de expor o conceito de informação conforme nos trouxe agora...

(Otávio) Folgo em saber que pelo menos dois de vocês já ouviram falar no assunto. Talvez tenham chegado a ele por vias diferentes da minha, o que será ainda mais interessante para nosso debate.
Em todo caso, para desenvolver e aprofundar o assunto, primeiro precisarei lhes trazer uma definição usual para o termo “informação”.
Conforme já disse, este conceito é também bastante antigo, bem anterior a era moderna, a comunicação de massa e a computação, onde ele é comumente mais utilizado e associado. Informação é qualquer evento que afeta o estado de um sistema dinâmico. Bem, esta é uma definição mais moderna, mas igualmente válida para o prosseguimento de minha exposição – em todo caso, o termo “informação” vem do latim informatio, e em sua designação verbal significa dar forma a mente.
A mim me pareceu bastante interessante como ambos os significados, o moderno e o antigo, não somente parecem se complementar, como se casam muito bem com tudo o que discutimos até aqui sobre a Causa Primeira como uma criação mental, e sobre o Cosmos como um sistema cuja função é a evolução...
Ora, se o ato de informar é “dar forma a mente”, poderíamos agora dizer, inclusive, que o início do Cosmos nada mais foi do que a primeira informação divulgada, irradiada de algum lugar para o Todo. E, se a subseqüente sub-divisão desta substância primeira resultou nas infindáveis substâncias que compõem o Cosmos, então podemos igualmente afirmar que tudo o que tem ocorrido desde o início são informações: “eventos que alteram o estado do universo, um sistema dinâmico”.
Eu agora gostaria de dar voz a nossos amigos, P. e Sofia, pois tenho certeza que cada um terá mais a acrescentar a este assunto fascinante...

(P.) De fato, mesmo no meio científico moderno há físicos que chegaram a teorias bem parecidas com essa...
Apesar de ter chegado a sua conclusão dentro de uma teoria consideravelmente mais abrangente sobre a mecânica quântica – e que não convém expor aqui –, um físico americano [1] cunhou a curiosa expressão “o it que vem do bit”. Em suas próprias palavras:
Cada it – cada partícula, cada campo de força e até mesmo o próprio continuum espaço-tempo – deriva inteiramente sua função, seu significado, sua própria existência – mesmo que em alguns contextos indiretamente – de respostas induzidas por equipamento a perguntas sim ou não, escolhas binárias, bits. O it que vem do bit simboliza a idéia de que cada item do mundo físico tem no fundo – bem no fundo, na maioria dos casos – uma fonte e uma explicação imateriais; que aquilo que chamamos de realidade vem em última análise da colocação de perguntas sim-não, e do registro de respostas evocadas por equipamento; em resumo, que todas as coisas físicas são informacional-teóricas na origem [2].
Esse tipo de consideração metafísica demonstra como alguns físicos modernos não têm um pensamento tão distante de certos filósofos e espiritualistas, embora usem outros termos. A grande diferença, a meu ver, é que eles jamais se afastam muito das observações da ciência – e particularmente da cosmologia.
Apesar de partir do pressuposto de que todo o Cosmos nada mais é que uma espécie de supercomputador, a princípio não vejo nada de absurdo neste tipo de conclusão... Há muitas conclusões “mais absurdas” do que esta na ciência moderna, a começar pelas conclusões da própria física quântica, por exemplo.
Eu pessoalmente não concordo que a informação seja em essência imaterial, pois afinal de contas continua sendo “alguma coisa”; E é exatamente por isso que sua exposição tem me agradado, pois parece que por fim nos trará alguma “materialidade” a informação – ou seja, nada mais do que uma parte da substância primeira, que vem se dividindo e se irradiando ad infinitum, desde os primórdios do Cosmos.

(Otávio) Sorri em contentamento.
Que maravilha, vejo que nosso pensamento está agora bastante afinado. Agora nos resta ouvir o que nossa amiga tem a dizer – imagino que retornaremos uma vez mais a Grécia antiga, não?

***

[1] Conforme a nota existente no livro: Trata-se de John Wheeler. Para maiores detalhes sobre suas considerações acerca da mecânica quântica e da informação, consultar o livro “O universo inteligente”, de James Gardner. De sua expressão, não foram traduzidos os temos do inglês ao longo do texto, mas equivaleria a algo como “(o) isso que vem do bit”. Um bit de informação equivale a menor unidade computacional que pode ser medida, ela pode assumir somente dois valores, tais como “0” ou “1”, “verdadeiro” ou “falso”, etc. Não confundir com bytes, que são conjuntos de bits (normalmente, 8 bits).

[2] Conforme a nota existente no livro: O parágrafo inteiro foi retirado do livro “At home in the universe” (“Em casa no universo”), de John Wheeler.

***

Crédito da foto: Troy House/Corbis

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