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10.7.11

Involuções, parte 1

Há uma corrente de cientistas que postula que o câncer é uma doença moderna. Sua suposição se baseia, principalmente, no fato de que a “autópsia” de múmias do antigo Egito demonstra que a incidência de câncer era praticamente não existente na época. Segundo essa teoria, o câncer seria fruto da industrialização e das sociedades modernas, podendo estar fortemente ligado à poluição das grandes cidades, e ao consumo de produtos industrializados. Qualquer demonstrativo da incidência de câncer no mundo atual parecerá favorecer tal teoria, visto que efetivamente existe mais câncer nos países desenvolvidos do que, por exemplo, nas regiões sub-desenvolvidas da África e de outros continentes... A ciência, no entanto, está cheia de conclusões apressadas.

A expectativa de vida em países desenvolvidos no início deste século gira em torno de 75 a 80 anos. No antigo Egito, mesmo entre os faraós que mereceram cerimônias de mumificação, ela não passava de cerca de 40 anos – na maior parte da história das sociedades humanas, incluindo as sociedades “selvagens” atuais, a expectativa de vida esteve sempre abaixo dos 35 anos. O câncer é resultado, principalmente, de erros decorridos da mutação de nossas células – e, quanto mais vivermos, maiores chances teremos de contrair câncer, é uma relação simples e até mesmo óbvia. Afora isso, corpos de múmias antigas nada nos dizem sobre a incidência de câncer infantil, nem tampouco temos registros detalhados da incidência desta doença no antigo Egito, simplesmente porque os médicos da época ainda mal sabiam diagnosticá-la.

Pesquisadores ingleses dizem que há poucas evidências de que apenas a poluição e a industrialização causam maior incidência de câncer... Por outro lado, há muitas evidências de que o cigarro, o exagero no consumo de álcool e alimentos gordurosos, e a exposição prolongada a radiação, certamente aumentam em muito as chances do surgimento do câncer. O problema não é viver no mundo moderno, portanto, o problema é viver da forma moderna, venerando o deus do consumo: Comendo e bebendo e se entorpecendo, numa tentativa frenética de escapar do abismo da falta de sentido no mundo pós-moderno.

Em todo caso, ainda que continuemos a buscar boas respostas para nossas perguntas acerca do sentido da vida, hoje temos muito mais tempo para refletir sobre o tema. Hoje podemos efetivamente viver, ao invés de tão somente sobreviver. Uma pessoa de classe média baixa no mundo atual, ainda que more em uma favela, ainda disporá de muito mais conforto, saúde e oportunidades de se entreter ou buscar conhecimento do que mesmo os maiores reis e imperadores da antiguidade. Se não nos damos conta disso, deve ser porque o deus do consumo nos assopra o ouvido todos os dias: “tudo bem, agora você finalmente tem um carro, uma casa... mas veja só a casa do vizinho, tem um jardim maior; veja o carro dele, é um modelo mais novo!”.

As estatísticas, no entanto, não mentem. Veja o que o médico Hans Roslin tem a nos dizer sobre o desenvolvimento de 200 países nos últimos dois séculos, em um vídeo da BBC:

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Apesar de todo esse avanço, há também a corrente dos conservadores da moralidade, ou dos arautos do final dos tempos. Segundo os primeiros, que normalmente se julgam bastante religiosos, a moral moderna vive uma época de involução: por todos os cantos vemos violência desenfreada, promiscuidade sexual, divórcios e libertinagens em geral... Os partidários do fim do mundo vão ainda mais além – não somente concordam com o fato de haver uma involução moral, como dizem que essa é a mais forte evidência de que o mundo, finalmente, se encaminha para um final. Para muitos destes, é preferível que o mundo todo acabe num apocalipse pagão, do que ver sua própria igreja ser lentamente reduzida à um segundo plano histórico. Para estes, quanto antes tudo isso acabar, tanto melhor...

Mas será que os “conservadores” estão com a razão? Será que um inferno moral está lentamente sendo instituído na Terra, e somente alguns poucos escaparão para o céu?

A religião também está cheia de conclusões apressadas, provavelmente ainda mais do que a ciência. Há 2 mil anos, haviam cerca de 300 milhões de pessoas em todo o planeta. Numa de suas grandes cidades, Roma, o grande circo do povo era realizado dentre os muros do Coliseu, onde homens se digladiavam até a morte, ou eram devorados por bestas ferozes, para o delírio do público, e de seu imperador. Por todo o mundo dito civilizado a escravidão humana era perfeitamente aceita, e mesmo os grandes sábios da época antiga pouco tocaram no assunto. Por milhares de anos as mulheres foram relegavas a uma espécie de limbo governamental – não podiam exercer cargos de governo, não podiam aprender a ler e escrever, não podiam decidir os rumos da política, e muitas vezes foram tratadas como meros objetos, moedas de troca, por seus maridos. Há muitos ditos cristãos que, ao longo dos tempos, criam piamente que nem escravos nem mulheres tinham alma – e há muitos que mesmo nos dias atuais ainda acreditam que animais tampouco às têm.

Não ter alma significava não somente não ter a possibilidade de um dia adentrar o céu, como também significava um status sub-humano, como se Deus operasse pela criação de todo o Cosmos para que apenas os homens de certa etnia pudessem ganhar, afinal, uma alma.

Provavelmente houveram épocas felizes, quando algum imperador dizimou todos os exércitos de uma dada região, e depois a anexou ao império, e os camponeses e seres simples puderam gozar de certo período de paz. A violência, porém, obviamente sempre existiu... Há mil anos atrás não existia a televisão para divulgar quando uma jovem foi encontrada violentada e morta a poucos quilômetros de sua vila. Quando hordas de bárbaros passavam pelas pequenas cidades da Europa, estuprando, torturando, esquartejando a todos, tampouco isso chegava aos ouvidos dos camponeses a 100 Km dali, quanto mais ao resto do mundo.

Dizem que a moral é baseada nas normas de boa conduta de uma dada sociedade, e a ética, por sua vez, seria um conjunto de preceitos universais de vida em sociedade, de igualitarismo, de direito de liberdade, de civilidade, de compreensão, e acima de tudo: de amor. Quando os “conservadores” falam em involução moral, talvez estejam até utilizando o termo correto: pois, para um grupo cuja doutrina social afirma que o homossexualismo e a promiscuidade são tão ou mais condenáveis quanto os assassinatos mais cruéis (podem não afirmar isso abertamente, mas convenhamos, a maior parte pensa dessa forma), certamente a época moderna, da emancipação da mulher (para fazer sexo como bem entender) e dos direitos dos homossexuais, será uma verdadeira decadência moral. Mas isso não significa que a moral de alguns fale pela ética de todo um planeta.

» Na continuação, a evolução espiritual, a sabedoria da Natureza, e uma possível mudança de era...

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Crédito da foto: Colin McLurg

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3 comentários:

Blogger Sergio Junior disse...

Rafa, vivas!

Não se pode esquecer que o stress debilita o corpo, diminui defesas do corpo e aumento o risco de doenças.

Além do stress, o excesso.

Como diria o velho cantor: "Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo".

11/7/11 16:57  
Blogger raph disse...

Pois é, o próprio termo "stress" é moderno. O problema não é viver no mundo moderno, o problema é viver da forma moderna...

Abs!
raph

11/7/11 22:44  
Blogger eMa disse...

Niilistas e sua décadence

23/5/12 09:09  

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