Adão e Eva em Nova Iorque
Um conto para quem entende metáforas. Por Lisa Lipkin (*). Baseado no Gênesis 2:16-17 – E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: de toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.
E Deus, por ser um romântico incorrigível, sabia que a vida não teria graça alguma sem lua. Então, Deus fez a lua, que brilhou no céu. Mas Deus precisava de algo para uivar para ela, então Ele criou o coiote. Ainda tentou várias formas para esse animal e finalmente acabou por criar o cachorro. Mas o cachorro precisava de algo para perseguir, então Deus fez o gato, que era muito travesso e encantador, e Deus gostou tanto dele, que criou uma versão maior, o tigre.
E uma outra versão ainda maior, o leão... e depois o elefante... e o dinossauro. Depois de criar os animais maiores, Ele fez os menores: formigas, gafanhotos, abelhas, mosquitos. E como Deus sabia que um dia haveria um lugar que se chamaria Nova Iorque, fez também as baratas. Mas a lua parecia tão solitária no céu, que Ele criou as estrelas para fazer companhia para a lua. E elas brilhavam e piscavam perto da lua.
Elas eram tão encantadoras, que Deus quis criar algo que fosse especial e que pudesse compreender e apreciar sua beleza. E foi aí que Ele inventou o homem. Um cara bonito chamado Adão, cujos olhos grandes absorviam cada demonstração de vida. Mas, honestamente, por quanto tempo Adão poderia ficar balançando nas árvores, alimentando os macacos ou levando os cães para passear? Ele estava ficando entediado. Ele estava ficando só. Então, numa certa noite, Adão fez um desejo para as estrelas. Ele disse: “Eu gostaria de ter uma companheira humana. Alguém com quem eu possa compartilhar esse lindo lugar, alguém para tomar sol em Miami”.
E foi aí que Eva apareceu na história. Ela era adorável e os dois se deram muito bem. Assim Adão deixou de se sentir só. O casal brincava de esconde-esconde, pular sela e mexe-mexe. Corria pelos gramados sensuais, dançava entre as rosas e os amores-perfeitos, e afundava os dedos dos pés no solo úmido orvalho esmeralda. Adão se divertia com a companhia de Eva e vice-versa, e esse paraíso glorioso se chamava Éden. Até que um dia, uma coisa terrível aconteceu.
Adão tinha ido buscar alimento para o jantar e Eva estava sentada em uma pedra, cantarolando uma alegre canção, quando de repente, ela foi interrompida por uma serpente prata sedutora, com um vibrato como de Mae West, que surgiu sorrateiramente por detrás de uma árvore. “Sssshhhh oi, querida. O que você está cantando?”.
“Oh, é uma simples canção”. As palavras de Eva mal tinham saído de sua boca quando a serpente deslizou para perto dela e disse: “Sssssshhh, Eva, Por que você não vem comigo, ao invésssss de ficar aí cantando?”. Como o flautista, cuja música atraiu rapazes ingênuos para a guerra, Eva se sentiu seduzida pelos sons da serpente. Ela seguiu a serpente por detrás de uma árvore alta e fina, e ficou chocada com o que viu. A serpente estava parada do lado de um computador Apple verde, novinho em folha e brilhante. “Ssssshhh, e aí, querida, por que você não experimenta usar esse Apple?”. A serpente ajeitou um toco de árvore perto do computador para Eva sentar. Eva nunca tinha visto um teclado antes e não sabia o que fazer primeiro.
Cuidadosamente, ela apertou uma tecla, e depois outra e depois outra e outra e outra. Cada vez mais rápido, o ritmo foi-se acelerando! Em questão de minutos, ela tinha aprendido a mexer no Word perfect 6.2, digitar uma lista de mil e-mails e enviar um fax. Resumindo, Eva estava obsecada.
De volta ao bosque, Adão estava preocupado com sua amada. Ele não poderia imaginar para onde ela fora. De repente, ele também se sentiu atraído pelo chamado da serpente, que o levou até onde estava Eva, distraída com um software. “Ei, Eva, aqui é o Adão, o seu homem! Estava preocupado com você. Onde você estava?”. Mas Eva não queria conversar. “Quieto, Adão, estou ocupada. Estou programando o computador para calcular a quantidade máxima de produtos que podemos cultivar no menor raio possível. Além disso, achei ótimas promoções online”. E ela continuou digitando.
Adão não sabia o que fazer. Mas a serpente sabia. “Sssshhhh, e aí, Adão, gracinha, por que você não experimenta esse Mackintosh?!”. E esse também era tão sedutor quanto uma fruta madura. E Adão também ficou obcecado.
E foi assim que tudo começou. Desde aquele momento, tudo que o Adão e a Eva queriam fazer era trabalhar com seus computadores. Na parte da manhã, eles vestiam rapidamente suas três folhas de figueira e corriam pelo bosque até suas estações de trabalho – e deixaram de aproveitar o bosque. Passavam o dia inteiro em seus computadores.
O sol quente brilhava em suas cabeças, mas eles não paravam para sentir os raios. O delicioso cheiro das folhas dos pinheiros e das lilases penetrantes os envolvia, mas eles não paravam para sentir o cheiro. À noite, quando as estrelas piscavam no céu e a lua cobria-os com o seu brilho, eles estavam muito cansados para notá-la. E dessa forma, eles nunca mais conseguiram voltar ao jardim no qual tinham nascido.
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Comentário
Ao ler um belo texto como esse, eu fico imaginando se nossos ancestrais, ouvindo aos contos do chefe da tribo ao redor da fogueira e sob um céu estrelado, se preocupavam em saber se aqueles heróis e heroínas realmente existiram... Decerto que muitos talvez pensassem que sim, mas este não é o caso. O caso é: será que davam maior importância em saber se eram reais, ou em compreender a mensagem por detrás de cada uma daquelas histórias, daqueles mitos?
Quem não aprender a compreender metáforas, dificilmente retornará ao jardim em que nasceu. E isso, obviamente, também é uma metáfora.
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(*) Lisa Lipkin é uma contadora de histórias profissional e autora do livro Bringing the story home: the complete guide to “storytelling for parents” (Trazendo a história para casa: o guia completo de “contar histórias para os pais”). A sua empresa Story Strategies Ltda. ajuda pessoas e companhias a encontrar e contar histórias. Este texto foi traduzido por Silmara Oliveira para o livro “O futuro de Deus” (Ed. Girafa).
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Crédito da imagem: IvyBee
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