Xamãs ancestrais, parte 1
Arte rupestre é o termo dado às mais antigas representações artísticas conhecidas, algumas datadas do período Paleolítico Superior (40mil a.C.), gravadas em abrigos ou cavernas, em suas paredes e tetos rochosos, ou também em superfícies rochosas ao ar livre.
A capela dentro da terra
Foi uma criança quem as viu pela primeira vez. Maria de Sautuola tinha apenas 8 anos, mas já havia entrado em uma ou outra caverna espanhola com seu pai, que era um arqueólogo amador – ou seja: que trabalha por amor. Por volta de 1870, muitas peças de arte portátil (ossos gravados, galhadas de cervo, marfim de mamute, etc.) foram encontradas em diferentes cavernas na França, sabidamente habitadas por nossos ancestrais do Paleolítico Superior, e era exatamente este tipo de objeto que Marcelino Sanz de Sautuola esperava encontrar naquela relativamente pequena caverna em Altamira, a 30Km de Santander, na Espanha. Não era a primeira visita de Sautuola a caverna descoberta acidentalmente por um capataz da propriedade de um latifundiário local, mas ele esteve sempre procurando objetos no solo, foi Maria quem primeiro teve a curiosidade de olhar para o alto, e as ver.
As pinturas rupestres nos tetos e paredes rochosas da caverna de Altamira estão entre as mais belas de toda a arte da pré-história. Alguns já a chamaram de Capela Sistina do Magdaleniano (período entre 16,5 e 14 mil anos atrás). Imaginem o espanto de Sautuola ao conceber pela primeira vez a dimensão daquela descoberta: bisões realisticamente salpicados por todas as partes da rocha, numa cor surpreendentemente viva a despeito dos milhares de anos passados desde que foram cuidadosamente pintados por artistas ancestrais. Como que espectros a flutuar no ar, eles parecem até hoje nos convidar a uma viagem há uma outra era – quando a alma humana estava presente em cada aspecto da vida, e era reverenciada como aquilo que há de mais sagrado, de mais profundo, de mais primordial...
Embora Sautuola estivesse absolutamente certo acerca da antiguidade da arte de Altamira, ele cometeu três erros quando foi tentar convencer os acadêmicos do final do séc. XIX: o primeiro era ser espanhol; o segundo foi descobrir a caverna na Espanha; o terceiro foi ser um arqueólogo amador. Todas as peças de arte do Paleolítico Superior haviam sido descobertas em cavernas francesas e, sem muita surpresa, as maiores autoridades acadêmicas eram francesas. Emile de Cartailhac e Gabriel de Mortillet eram, na época, os maiores nomes na área. Entusiastas da teoria de Darwin-Wallace e do racionalismo em voga, defendiam que a arte pré-histórica deveria obrigatoriamente ser de técnica e qualidade geral bastante inferior a arte mais moderna, como do Renascimento. Não poderia entrar na mente destes distintos senhores o fato de que nossos ancestrais poderiam pintar tão realisticamente, em cores tão vivas, em formas tão artisticamente impactantes, há dezenas de milhares de anos antes sequer da fundação da primeira civilização, antes da escrita, antes de quase tudo.
Disse Mortillet, tendo visto apenas reproduções das pinturas, sem jamais ter estado pessoalmente em Altamira: “Basta olhar para os desenhos e podemos ver que se trata de uma farsa, nada mais que um embuste. Eles foram feitos e exibidos para todo o mundo de modo que cada um possa dar uma gargalhada à custa dos paleontólogos e pré-historiadores que acreditariam em tudo”. Cartailhac se alinhou ao colega francês, igualmente sem jamais sequer ter viajado a Altamira, supôs com certa convicção que tudo não passava da obra de pastores cristãos da Idade Média, que gostariam que acreditássemos que os ancestrais do Magdaleniano veneravam, quem sabe, “deuses bisões”. Sautuola foi vítima de uma das maiores campanhas de difamação organizadas pela Academia. Segundo o seu neto relembrou já anos após sua morte, “todos os grandes cientistas europeus da época, liderados por Mortillet, e com apenas poucas exceções na Espanha, feroz e maldosamente atacaram a tese de meu avô e acusaram-no de ser um impostor”.
Somente à partir de 1895, quando gravações e pinturas rupestres foram sendo descobertas também em cavernas francesas, com um estilo muito similar ao de Altamira, foi que Cartilhac tomou coragem de ir, finalmente, até a caverna. Em sua volta, escreveu numa revista conceituada um artigo intitulado A gruta de Altamira: mea culpa de um cético. Cartilhac estava então totalmente convencido de que sim, Sautuola tinha razão, desde o início, e a arte pré-histórica poderia, sim, ter uma qualidade técnica surpreendente, muito além do que era cabível se conceber segundo as teorias da época. E pediu sinceras desculpas por ter auxiliado na campanha de difamação de Sautuola: era tarde, o arqueólogo amador já havia morrido, e coube a sua filha continuar seu trabalho. Enquanto esteve na Espanha, Cartilhac escreveu a um amigo francês: “Gostaríamos que você estivesse aqui conosco. Altamira é a mais linda, a mais estranha e a mais interessante de todas as cavernas pintadas”.
Cartilhac morreu em 1921, mas suas teorias já haviam entrado em declínio muito tempo antes, permitindo que seu protegido, o abade Henri Breuil, assumisse o seu lugar. Cada uma das contribuições de vulto que Breuil deu à disciplina da arqueologia até sua morte, em 1961, foram posteriormente descartadas pelos acadêmicos modernos como inteiramente inúteis. As ideias de Breuil, bem como as daqueles outros que ele cooptou ou apoiou, eram genuinamente ruins e foram há muito tempo refutadas pela evidência empírica. Não existem muitos campos em que alguém possa definir dessa maneira todo o saber acumulado de uma disciplina científica em quase 60 anos, mas a pesquisa da arte rupestre é uma delas...
Em todo o mundo atual existem umas poucas centenas de acadêmicos especialistas estudando arte pré-histórica. Os membros dessa “comunidade intelectual” assumem uma pesada responsabilidade – mais de 90% de todas as cavernas pintadas e gravadas do Paleolítico Superior estão permanentemente fechadas ao público, e os pesquisadores, com liberdade de entrar e sair, usufruem de um monopólio da pesquisa básica. Isso lhes permite controlar boa parte da produção de conhecimento sobre o assunto, e assegura que a história que nossa sociedade ouve acerca da vida de nossos ancestrais nas cavernas vá de encontro a sua aprovação. Em um mundo científico racionalista isso significa, obviamente, que toda e qualquer menção a religião, magia, estados alterados de consciência, entidades sobrenaturais e/ou espíritos é permanentemente proibitiva em se tratando de uma teoria acerca das origens e do real significado dos signos da arte rupestre.
Após Breuil, muitas outras teorias estiveram em voga. Já se tentou associar os animais representados na arte rupestre aos totens, mas depois se percebeu que, se assim fosse, cada caverna haveria de ter apenas um único totem animal representado (a caverna do cabrito-montês, a caverna do bisão, etc.), mas vemos uma imensa variedade de animais na grande maioria dos sítios relevantes. Chegaram a afirmar que nossos ancestrais estavam apenas se divertindo, pintando por pintar, para “matar o tempo”, uma grande diversão... Porém, por mais que seja uma ideia “alegre”, fica difícil explicar porque a arte rupestre é encontrada geralmente em cavernas de difícil acesso e, mesmo dentro de tais cavernas, nas áreas mais remotas, algumas das quais só era possível pintar deitado ou agachado, e onde até hoje os exploradores se sentem desconfortáveis em passar apenas algumas dezenas de minutos (isso com lanternas e vestimenta adequada, coisa que os ancestrais não dispunham). Também se falou em uma “magia da caça”, uma análise pobre e superficial da suposta magia em si, que serviria apenas para auxiliar na caça dos animais pintados e gravados nas rochas. Mas hoje se sabe que muitos dos animais representados na arte rupestre sequer eram caçados, sendo que alguns sequer existiam nas imediações (para não falar nos animais que jamais existiram).
O que significam, afinal, homens com cabeça de pássaro, pássaros com pernas de homens, homens se transformando em animais, e animais, em ainda outros animais... Flutuando pela rocha antiga como seres etéreos, sem um sentido de horizonte e perspectiva... O que significam os “homens feridos”, transpassados por dezenas de lanças e flechas, homens a sangrar pelo nariz, a dançar em posições estranhas... E os padrões geométricos, os pontos, as linhas, os zigue-zagues, as serpentes surgindo caoticamente de imagens abstratas. Porque diabos, afinal, a arte rupestre parece mais uma obra de Kandinsky?
Para responder a tais perguntas com alguma sincera esperança de efetivamente chegar a alguma conclusão mais útil que as do último século da arqueologia moderna, um homem precisou, afinal, fazer o que os xamãs ancestrais faziam: ele bebeu do seu chá, e adentrou um outro mundo, dentro de sua própria mente.
» Na continuação, as visões de Graham Hancock...
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Leitura recomendada: Sobrenatural, de Graham Hancock (Nova Era).
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Crédito das imagens: [topo] Google Image Search (arte rupestre na caverna de Altamira, Espanha); [ao longo] Sisse Brimberg/National Geographic (arte rupestre na caverna de Lascaux, França)
Marcadores: antropologia, arqueologia, arte, artigos, artigos (161-170), ciência, história, xamanismo
1 comentários:
01
Porque buscar por conhecimentos e praticá-los?
Porque o conhecimento trás o discernimento necessário para saber de fato como auxiliar a outros.
Porque uma mente inquisitiva sem maiores conhecimentos, erra por demais.
Porque o homem muito franco sem o devido conhecimento é indiscreto e descomedido, como resultado desconsidera os demais e termina evitado por todos.
Porque o desordeiro quase sempre é um corajoso desenfreado que por falta de maiores conhecimentos não mede a atitude tomada.
Porque todo conhecimento não praticado para a vida diária é algo indiferente, pois nada acrescenta e nada diminui.
Xamã Gideon dos Lakotas.
02
A meditação é a chave que abre o cárcere e liberta a centelha divina que todo homem possui dentro de si.
Xamã Gideon dos Lakotas.
03
Muitas vezes a coragem está no ato de não desembainhar a espada frente ao agressor, está em manter uma acirrada atitude pacífica frente ao ditador, está em se manter determinado a seguir independentemente da dor que o oponente pode lhe impor. Basta o exemplo de um único homem assim para iniciar a queda de um governo e ou fazê-lo avaliar suas condutas.
Xamã Gideon dos Lakotas.
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