A consciência animal
Reportagem original da VEJA, por Marco Túlio Pires. Os comentários ao final são meus.
O neurocientista canadense Philip Low ganhou destaque no noticiário científico depois de apresentar um projeto em parceria com o físico Stephen Hawking, de 70 anos. Low quer ajudar Hawking, que está completamente paralisado há 40 anos por causa de uma doença degenerativa, a se comunicar com a mente. Os resultados da pesquisa foram revelados numa conferência em Cambridge (7/7/12). Contudo, o principal objetivo do encontro era outro. Nele, neurocientistas de todo o mundo assinaram um manifesto afirmando que todos os mamíferos, aves e outras criaturas, incluindo polvos, têm consciência. Stephen Hawking estava presente no jantar de assinatura do manifesto como convidado de honra.
Low é pesquisador da Universidade Stanford e do MIT (Massachusetts Institute of Technology), ambos nos Estados Unidos. Ele e mais 25 pesquisadores entendem que as estruturas cerebrais que produzem a consciência em humanos também existem nos animais. "As áreas do cérebro que nos distinguem de outros animais não são as que produzem a consciência", diz Low, que concedeu a seguinte entrevista ao site de VEJA:
Estudos sobre o comportamento animal já afirmam que vários animais possuem certo grau de consciência. O que a neurociência diz a respeito? Descobrimos que as estruturas que nos distinguem de outros animais, como o córtex cerebral, não são responsáveis pela manifestação da consciência. Resumidamente, se o restante do cérebro é responsável pela consciência e essas estruturas são semelhantes entre seres humanos e outros animais, como mamíferos e pássaros, concluímos que esses animais também possuem consciência.
Quais animais têm consciência? Sabemos que todos os mamíferos, todos os pássaros e muitas outras criaturas, como o polvo, possuem as estruturas nervosas que produzem a consciência. Isso quer dizer que esses animais sofrem. É uma verdade inconveniente: sempre foi fácil afirmar que animais não têm consciência. Agora, temos um grupo de neurocientistas respeitados que estudam o fenômeno da consciência, o comportamento dos animais, a rede neural, a anatomia e a genética do cérebro. Não é mais possível dizer que não sabíamos.
É possível medir a similaridade entre a consciência de mamíferos e pássaros e a dos seres humanos? Isso foi deixado em aberto pelo manifesto. Não temos uma métrica, dada a natureza da nossa abordagem. Sabemos que há tipos diferentes de consciência. Podemos dizer, contudo, que a habilidade de sentir dor e prazer em mamíferos e seres humanos é muito semelhante.
Que tipo de comportamento animal dá suporte à ideia de que eles têm consciência? Quando um cachorro está com medo, sentindo dor, ou feliz em ver seu dono, são ativadas em seu cérebro estruturas semelhantes às que são ativadas em humanos quando demonstramos medo, dor e prazer. Um comportamento muito importante é o autorreconhecimento no espelho. Dentre os animais que conseguem fazer isso, além dos seres humanos, estão os golfinhos, chimpanzés, bonobos, cães e uma espécie de pássaro chamada pica-pica.
Quais benefícios poderiam surgir a partir do entendimento da consciência em animais? Há um pouco de ironia nisso. Gastamos muito dinheiro tentando encontrar vida inteligente fora do planeta enquanto estamos cercados de inteligência consciente aqui no planeta. Se considerarmos que um polvo — que tem 500 milhões de neurônios (os humanos tem 100 bilhões) — consegue produzir consciência, estamos muito mais próximos de produzir uma consciência sintética do que pensávamos. É muito mais fácil produzir um modelo com 500 milhões de neurônios do que 100 bilhões. Ou seja, fazer esses modelos sintéticos poderá ser mais fácil agora.
Qual é a ambição do manifesto? Os neurocientistas se tornaram militantes do movimento sobre o direito dos animais? É uma questão delicada. Nosso papel como cientistas não é dizer o que a sociedade deve fazer, mas tornar público o que enxergamos. A sociedade agora terá uma discussão sobre o que está acontecendo e poderá decidir formular novas leis, realizar mais pesquisas para entender a consciência dos animais ou protegê-los de alguma forma. Nosso papel é reportar os dados.
As conclusões do manifesto tiveram algum impacto sobre o seu comportamento? Acho que vou virar vegetariano. É impossível não se sensibilizar com essa nova percepção sobre os animais, em especial sobre sua experiência do sofrimento. Será difícil, adoro queijo.
O que pode mudar com o impacto dessa descoberta? Os dados são perturbadores, mas muito importantes. No longo prazo, penso que a sociedade dependerá menos dos animais. Será melhor para todos. Deixe-me dar um exemplo. O mundo gasta 20 bilhões de dólares por ano matando 100 milhões de vertebrados em pesquisas médicas. A probabilidade de um remédio advindo desses estudos ser testado em humanos (apenas teste, pode ser que nem funcione) é de 6%. É uma péssima contabilidade. Um primeiro passo é desenvolver abordagens não invasivas. Não acho ser necessário tirar vidas para estudar a vida. Penso que precisamos apelar para nossa própria engenhosidade e desenvolver melhores tecnologias para respeitar a vida dos animais. Temos que colocar a tecnologia em uma posição em que ela serve nossos ideais, em vez de competir com eles.
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Comentários
Para qualquer amante dos animais, parece difícil crer que as pessoas realmente acreditavam que eles eram como "coisas", incapazes, na teoria, de sentir dor, amor por seus donos, medo ante ameaças, etc. No entanto, num mundo onde a ciência é o novo "arauto da verdade", após o manifesto do qual Philip Low participou, realmente nenhum governo poderá dizer que não sabia da consciência animal (o máximo que poderá dizer é que "era ignorante"). Antigamente a Igreja dizia que animais não tinham alma, talvez agora eles estejam finalmente sendo elevados a categoria de "seres com alma", algo que sempre foi óbvio a qualquer espiritualista.
É claro que a consciência animal obedece uma "gradação", e que é muito mais evoluída num cão do que num peixe, por exemplo; Mas qualquer animal que possua "algum arremedo de cérebro" deve necessariamente possuir também "algum arremedo de consciência". E agora que sabemos disto ("oficialmente"), teremos responsabilidades ainda maiores, e decisões morais cada vez mais urgentes.
Tempos virão, para a humanidade terrestre, em que o estábulo, como o lar, será também sagrado. (Chico Xavier, Missionários da Luz)
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Crédito da imagem: Stuart Westmorland/Corbis
Marcadores: autores selecionados, autores selecionados (121-130), ciência, consciência, direitos animais, entrevista, neurologia, Philip Low
6 comentários:
Ok, muito bom, e realmente, deprimente que algumas pessoas precisem disso pra se tocarem. Agora ninguém tem mais desculpas.
MAS o que me intrigou foi: e aquela história de que a neurociência não sabia onde se encontrava a consciência, de que haviam procurado em todos os cantos do cérebro e nada - uma excelente brecha para espiritualistas e crentes em outros planos existenciais - ?
Pois é, na verdade eles postulavam que a consciência era gerada em algum lugar do cérebro desenvolvido apenas nos seres humanos, porém, como disse Low:
"Descobrimos que as estruturas que nos distinguem de outros animais, como o córtex cerebral, não são responsáveis pela manifestação da consciência. Resumidamente, se o restante do cérebro é responsável pela consciência e essas estruturas são semelhantes entre seres humanos e outros animais, como mamíferos e pássaros, concluímos que esses animais também possuem consciência."
Agora eles postulam que o cérebro como um todo gera a consciência (hoje se sabe que o cérebro inteiro está em grande atividade mesmo quando estamos descansando ou dormindo, teoricamente "sem pensar em nada")... Isso não significa que saibam exatamente como ou onde a consciência é gerada.
De certa forma, agora ficou ainda mais complexo responder essa pergunta: antes era possível afirmar que "a consciência é gerada em estruturas cerebrais desenvolvidas apenas no homo sapiens"; agora tudo que podem afirmar é que "a consciência é gerada em várias estruturas do cérebro".
Eles apontam para os postes de luz e veem a eletricidade percorrer os fios. Mas ninguém encontrou ainda a Usina da Vontade.
Abs
raph
Alguma ideia de por onde essas pesquisas vão prosseguir? Não abordaram por exemplo a possibilidade de nos comunicarmos melhor com outros seres... Isso tem aplicações tão legais :)
Estou pensando em o que um polvo poderia me dizer e poderem, por exemplo.
Abraço
Petri
Oi Petri,
É uma possibilidade bem empolgante mesmo, mas não podemos esquecer que iremos esbarrar na incapacidade da maior parte dos animais de interpretarem símbolos, mesmo sendo conscientes.
A interpretação de símbolos, e não a consciência por si só (embora precisemos dela para interpretar) é na realidade a nossa grande potencialidade, o que realmente nos distingue dos animais.
Dito isso, experiências com macacos, cães e mesmo alguns pássaros já identificaram que alguns desses animais podem interpretar alguns símbolos básicos, quando educados desde cedo para tal... Que um dia possam realizar algo como uma "leitura com uma gramática básica", certamente pode ser um próximo passo, mas daí então já não sei se serão capazes.
Abs!
raph
Mas como essa afirmação pode fazer sentido, sendo que não sabiam onde a consciência estava, e recentemente sugerem que ela seja o resultado da interação de todas as partes do cérebro?
"Descobrimos que as estruturas que nos distinguem de outros animais, como o córtex cerebral, não são responsáveis pela manifestação da consciência (mas, em?!)."
Pelo que entendi, essa manifestação foi totalmente desnecessária, sendo somente válida para bossais que não se tocaram que animais são extremamente parecidos conosco, e tão conscientes quanto, talvez até mais, só lhes falta mais inteligência.
Pois é, não faz muito sentido mesmo :)
Eles acreditavam que a consciência "deveria estar nas regiões cerebrais desenvolvidas somente a partir do homo sapiens ou dos hominídios", e agora admitem que ela está ativa em todo o cérebro da maioria dos animais (dentre eles, TODOS os mamíferos e aves).
Devemos lembrar que por muito tempo a humanidade acreditou que escravos e mulheres não tinham alma. Este anúncio da comunidade científica não deixa de ser uma forma de reconhecer que "animais também tem alma".
E, sim, é claro que para os espiritualistas, e mais especificamente para os reencarnacionistas, isso sempre foi bastante óbvio, como digo nos comentários...
Abs
raph
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