Franciscano
» Conto pessoal, da série “Cotidianos”, com breves reflexões acerca dos eventos do dia a dia...
Encontrei uma criança que abençoa as pessoas...
Estou de férias num hotel fazenda no sul de Minas Gerais, dentre a Serra da Mantiqueira, e a encontrei num almoço. A mãe a carregava no colo e nos avisou: “Ele abençoa, querem ser abençoados?”.
Uma amiga avisou que queria, e o garotinho, de não mais do que uns 2 ou 3 anos, levantou a mão pequenina e pousou sobre a fronte dela, para logo após levantar a mão e dizer: “Dá dá!”. Logo após rodou a mesa, no colo da mãe, abençoando a todos.
Uma gracinha, muitos diriam... Também diriam que provavelmente a mãe é evangélica. E provavelmente era mesmo. Na nossa mesa todos eram católicos (exceto eu e minha esposa, que somos, poderíamos dizer, espiritualistas). Ninguém comentou ou quis saber nada sobre as raízes religiosas daquele tipo de benção infantil. Ficou apenas no “uma gracinha” mesmo.
Nos dias de hoje há um certo asco da chamada afirmação evangélica. Sejam jogadores da seleção brasileira que apontam para o céu a cada gol, sejam políticos da chamada bancada evangélica tentando introduzir leis antilaicas no país, sejam os shows da fé que reúnem milhares de pessoas em plena “aceitação do Senhor”, etc. As pessoas não evangélicas ficam assustadas.
Fato é que, bem ou mal, a renovação carismática está a pleno vapor no Brasil e em boa parte da América Latina. É claro que os pastores da madrugada na TV, que pediam 10% e agora pedem “tudo o que se puder doar a Deus”, trazem bons motivos para uma postura crítica e desconfiada de todos nós (inclusive os protestantes). Porém, será que todos os evangélicos são como zumbis que doam tudo a sua Igreja? Se fosse assim, seu dinheiro já teria acabado... Aquele casal tinha dinheiro para pagar diárias de um bom hotel fazenda no sul de Minas Gerais. Algum dinheiro deve ter sobrado.
Em todo caso, uma criança que abençoa não era nenhuma novidade para mim. A única novidade é que ela fingia ser um pastor mirim... Pois, ao menos para mim, todas as crianças nos abençoam. Abençoam com o olhar, com o sorriso, a espontaneidade, e a fragrância que trouxeram consigo da Casa do Amanhã.
Quando vejo uma criança, penso em todas as potencialidades, em toda a dose maciça de sonho e imaginação que carregam consigo. É claro que ainda irão enfrentar a castração da escola e da sociedade, é claro que muito pouco de seu sonho irá sobreviver, mas nada disso me impede de admirar aquele brilho que ainda são capazes de carregar consigo. Toda criança é um milagre em potencial.
Jesus também adorava as crianças, mas não parecia ter a necessidade de ensiná-las a abençoar ninguém... Foi Jesus quem nos relembrou de alguns ensinamentos que todas as crianças trazem consigo, embora muitas se esqueçam, na medida em que moram muito tempo neste mundo:
Todos são filhos de Deus; Todos somos deuses; Amemos ao próximo como a nós mesmos, como a um deus.
Mas então vieram os eclesiásticos, os legisladores da fé. Eles introduziram suas reformas, seus adendos, que não me parecem ter adicionado nada ao sonho original:
Todos são filhos de Deus, mas somente os que aceitarem Nosso Senhor Jesus Cristo obterão a Salvação (seja o que isto for); Todos somos deuses, mas somente através do pastor podemos contatar Deus; Amemos ao próximo como a nós mesmos, como a um deus, mas não esqueçamos que o homossexualismo é uma abominação, etc.
Na entrada da cidade há uma estátua de São Francisco de Assis. Trata-se do primeiro santo ecológico e, em todo caso, provavelmente do maior de todos os santos católicos, ou pelo menos aquele que mais se aproximou de Jesus... Os evangélicos não gostam de santos nem de imagens, sua interpretação dos testamentos arcaicos é um tanto quanto radical. São Francisco não é Baal, e mesmo Baal, coitado, era só um deus da Mesopotâmia que calhou de virar um bode expiatório bíblico. Mas Martinho Lutero viu uma Igreja em decadência, e encontrou no texto bíblico a única fonte realmente confiável para a religação a Deus.
Não foi exatamente assim com Francisco. O santo de Assis achou a Deus dentro de si mesmo, e não num livro. E passou a chamar de irmãos os próprios sinais e atributos divinos: Irmã Brisa, Irmão Vento, Irmã Lua, Irmão Sol, etc. Para Francisco, as plantas e flores, os rios e os lagos, os pássaros no céu e os peixes no mar, e os homens e mulheres, e as crianças, todos eram milagres em plena reforma.
Não coube nenhum adendo ao seu exemplo de vida. Sua reforma antecedeu a de Lutero, e deixou claro, escancarado, o imenso abismo que há entre a Casa do Padre e a Casa do Amanhã.
Se relembrei o que relembrei, é porque também sou um pássaro, a cantarolar, nos ombros de Francisco...
Brother Sun, Sister Moon (Donovan). Retirado do filme homônimo, de Franco Zeffirelli.
***
Crédito da foto: Dany (este sou eu numa pequena igreja dedicada a Francisco)
Marcadores: catolicismo, contos, contos (61-70), Cotidianos, cristianismo, espiritualidade, igreja, protestantismo, São Francisco de Assis
1 comentários:
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