Lançamento: Cancioneiro
As Edições Textos para Reflexão voltam a publicar Fernando Pessoa.
Em Cancioneiro, temos uma extensa seleção dos poemas que Pessoa escreveu e assinou o seu próprio nome, isto é, que não pertencem a nenhum dos seus heterônimos.
Se há muitos que já se afastaram desta compilação por haver sido rotulada de esotérica, mística e hermética, nos dias de hoje os amantes de Pessoa são cada vez mais atraídos por ela pelos exatos mesmos atributos...
Um livro digital já disponível nas seguintes lojas:
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***
Abaixo, seguem alguns poemas da edição:
[Entre o sono e o sonho]
Entre o sono e o sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho,
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.
***
[Tenho tanto sentimento]
Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
***
[Grandes mistérios]
Grandes mistérios habitam
O limiar do meu ser,
O limiar onde hesitam
Grandes pássaros que fitam
Meu transpor tardo de os ver.
São aves cheias de abismo,
Como nos sonhos as há.
Hesito se sondo e cismo,
E à minha alma é cataclismo
O limiar onde está.
Então desperto do sonho
E sou alegre da luz,
Inda que em dia tristonho;
Porque o limiar é medonho
E todo passo é uma cruz.
***
[Fresta]
Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quando a vida dá ou tem,
Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado,
Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.
***
[Iniciação]
Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
...
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
...
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não estás morto, entre ciprestes.
...
Neófito, não há morte.
(Fernando Pessoa)
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2 comentários:
Raph,
Não seria possível o lançamento dos post do Mori x Deldebbio nos mesmos moldes do livro do DelDebbio?
Em PDF, EPUB e outros mais...como se trata de um tema bastante interessante, acho que ficaria legal para poder levar a qualquer local...
Sim eu já pensei nisso, só deve demorar um pouco pq tenho um projeto de uma nova tradução que deve tomar o resto do ano... Tb precisarei da aprovação deles, mas acho que eles aprovam sim :)
Abs!
raph
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