Conectados, parte 3
Placebo: se origina do latim placeo, placere, que significa agradar. Entende-se efeito placebo como a melhoria dos sintomas e/ou funções fisiológicas do organismo em resposta a fatores inespecíficos e aparentemente inertes (sugestão verbal ou visual, comprimidos inertes, cirurgia fictícia, etc.)
A arte de se estourar bolhas
Em 1970, Linus Pauling, célebre bioquímico americano, ganhador tanto do Nobel de Química quanto do Nobel da Paz, lançou um livro chamado Vitamin C and the Common Cold (A Vitamina C e o Resfriado Comum) que é até hoje o grande responsável pelo maior efeito placebo da história [1]. Pela tese de Pauling, a ingestão de altas doses diárias de vitamina C seria responsável não somente pelo tratamento de resfriados, como pela manutenção de uma “boa saúde” geral do organismo.
Somente em 1986 o professor A. Stewart Truswell, da Universidade de Sidney, publicou o resultado de 27 experimentos para validar a tese de Pauling, alguns realizados desde o início da década de 1970, e chegou a conclusão de que a ingestão de vitamina C, particularmente em altas doses (mais de 500mg/dia), não tinha nenhum efeito considerável no tratamento dos sintomas da gripe, tampouco na redução de sua duração. No entanto, 16 anos após o lançamento do livro de Pauling, a Indústria Farmacêutica já havia consolidado um mercado lucrativo com base nela – como era de se esperar, até hoje há inúmeros comerciais na TV falando sobre como a vitamina C auxilia a tratar resfriados...
Se até hoje você, como eu, toma vitamina C quando está com gripe, ainda que saiba que ela não tem efeito científico comprovado, é porque está tirando vantagem do efeito placebo para “convencer a sua mente” de que ela é um agente de cura. Neste caso, “crer na cura”, como já dizia Hipócrates, pode ser parte importante de um tratamento bem sucedido. Até hoje a ciência mal faz ideia do que é exatamente o efeito placebo [2], mas ele nos deixa ao menos uma importante lição – nós definitivamente somos, em maior ou menor grau, sugestionáveis.
Recentemente, um estudo científico publicado na revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA provocou rebuliço no mundo online. Os pesquisadores se valeram do Facebook, provavelmente a maior rede social do mundo nos dias de hoje, para tentar comprovar como o que lemos em nosso próprio feed de notícias [3] pode afetar positivamente ou negativamente o nosso humor e estado de espírito em geral [4].
O estudo analisou 689.003 usuários (dentre os que usam o Facebook em inglês) cujos feeds foram propositalmente alterados para mostrar posts mais positivos ou negativos de seus amigos. O resultado? Quando o usuário via mais posts positivos em seu feed, escrevia mais comentários positivos. Quando via mais posts negativos, escrevia mais comentários negativos... A comunidade online se indignou principalmente pela invasão de privacidade deste tipo de pesquisa, já que ninguém soube que estava sendo “testado”. Entretanto, o que a pesquisa demonstrou é que, apesar de em menor escala, somos sugestionáveis também nas redes sociais. Ou, noutras palavras, a nossa dieta de informação define, muitas vezes, uma parte considerável do nosso estado de espírito.
Há algo próprio da chamada Web 2.0 que é ainda muito, muito mais grave do que a influência das notícias que os seus amigos postam no Facebook. Ocorre que nesta nova era da Web, a maior parte dos sites também se tornaram serviços e, desta forma, requerem que você se cadastre neles para os utilizar. Mas o cadastro é somente o primeiro passo. Em sites de compras como a Amazon, por exemplo, cada uma das suas compras passadas (e até mesmo cada item à venda pelo qual você já navegou um dia dentro da Amazon) pode servir de “base de dados” para lhe trazer sugestões sobre “o que comprar a seguir”.
No caso das compras, isto geralmente é bem anunciado nos termos de adesão do site, e ainda que 99% das pessoas jamais leia esses termos, fica até mesmo óbvio que suas compras passadas estão servindo de guia para os anúncios do site. No caso das redes sociais, particularmente do Facebook, nem sempre é fácil notar o que está sendo feito dos seus dados nos bastidores...
Um dos conceitos que foram vitais para o sucesso prolongado do Facebook é algo aparentemente muito simples: um botão, um botão de curtir (ou like button, em inglês).
Ora, computadores não podem ler sua mente, mas podem ler cada um dos cliques no botão de curtir que você deu, desde que começou a usar o Facebook. Com isso, o servidor consegue saber quais são os amigos e as páginas que você mais gosta dentro da rede social, e assim criar um filtro customizado para o seu feed de notícias. Aquela menina que posta fotos de biquíni quase toda semana, e que você sempre curte? Está no topo da lista do seu feed. Aquele amigo chato da época de colégio que só posta vídeos de música clássica, e que você nunca curtiu sequer uma vez? Está na lista dos excluídos do seu feed, e ainda que você continue amigo dele, em meio aos seus quase 500 amigos, a chance de ver qualquer postagem dele é ínfima, senão zero.
O que este tipo de atividade cria, na prática, são bolhas de conteúdo dentro do seu Facebook. De modo que, se um dia você finalmente arrumar um namoro sério, é bem provável que a sua namorada ache um tanto estranho o seu feed onde aparecerão diversas fotos de sua amiga de biquíni (dica: não mostre o seu feed a ela). E, da mesma forma, se um dia você por acaso ver Gustavo Dudamel regendo uma orquestra enquanto trocava de canal na TV a cabo, será um tanto improvável que fique uns minutinhos por lá e aprenda a apreciar música clássica, pois aqueles posts do seu amigo de infância nunca mais apareceram para você.
O que é mais nocivo nesta era das bolhas de conteúdo, no entanto, é que com o tempo, se você não tomar cuidado com o que anda curtindo em seu Facebook, é bem capaz de seu feed de notícias trazer tão somente as notícias de quem concorda com suas posições ideológicas, ou de quem gosta do mesmo tipo de música que você, ou vê os mesmos filmes e lê os mesmos livros.
No taoísmo, a filosofia da China antiga, aprendemos que os opostos são necessários para que nos tornemos aptos a enxergar o caminho do meio. Se formos analisar as ideologias políticas conforme o editor da Superinteressante [5], os esquerdistas extremos creem que a fonte de todo o bem é o Estado, enquanto que os direitistas extremos creem que esta fonte é o Mercado. Não é difícil perceber como um, na verdade, precisa do outro – um Mercado sem a regulação do Estado pode enveredar para um capitalismo tão consumista que extinguirá os recursos naturais necessários para a manutenção da humanidade na Terra; já um Estado que trancafie o Mercado numa prisão de burocracias sem fim fará com que a economia do país definhe, ferindo primeiramente os mais pobres, exatamente aqueles que gostaria de auxiliar.
Aos que conseguem transitar pelos extremos, aos que são capazes de enxergar os dois lados da moeda, está até mesmo óbvio que não há uma fonte única de bem absoluto, assim como tampouco há uma fonte de mal absoluto – o que há são ideias opostas, e a arte da Política consiste exatamente em se chegar a consensos que são capazes de atender os anseios da maioria, ao mesmo tempo em que levam em consideração as opiniões da minoria (sem a oprimir, sem a ridicularizar, sem a censurar).
Não é tão difícil assim de entender. No entanto, se nos últimos anos tudo o que você têm visto no seu feed de notícias do Facebook são opiniões radicais à favor de somente um lado, é bem capaz de você, como ser sugestionável que é, cair na falácia do “8 ou 80” (ou uma ideia está totalmente certa, ou totalmente errada), e demonizar um dos lados, enquanto crê que a sua forma de pensar é “evidentemente a mais correta, já que todos os meus amigos concordam”.
É preciso tomar cuidado, muito cuidado, com este tipo de “pensamento encapsulado em bolhas”, pois foi com ideias muito parecidas que os regimes mais autoritários e sanguinários da história política foram implementados. A Web precisa ser livre, realmente livre, e não somente mais uma sucursal das agências de marketing das multinacionais, ou das “ideologias enlatadas” do Grande Negócio Eleitoral.
De vez em quando, clique também no botão de curtir de uma ideia que não concorde, mas que esteja bem elaborada. De vez em quando, pratique a arte de se estourar bolhas... Lembre-se de que, assim como todos os demais seres humanos, você também pode estar errado.
» Em seguida, Aaron, o homem do amanhã...
***
[1] Saiba mais no artigo (em inglês) Vitamin C: Do High Doses Prevent Colds?, por Charles W. Marshall, Ph.D.
[2] Veja também o nosso artigo Placebo-Nocebo.
[3] Uma lista onde aparecem as publicações de nossos amigos e das páginas que seguimos no Facebook.
[4] Saiba mais no artigo Nossas Emoções Estão Surgindo em Bolhas Criadas Pelo Facebook, por Derek Mead.
[5] Denis Russo Burgierman. Não deixe de conferir o seu excelente artigo sobre o tema, A maldição do esquerdo-direitismo.
Crédito das imagens: [topo] Google Image Search (Linus Pauling em sua fazenda, em meados da década de 1980); [ao longo] Google Image Search.
Marcadores: Amazon, artigos, artigos (211-220), efeito placebo, Facebook, internet, Linus Pauling, política, Tao Te Ching, tecnologia
1 comentários:
Acabei de dar mais um like aqui...ahahahauhauahu
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