Pular para conteúdo
28.9.14

O último voo de Saint-Exupéry

Em Janeiro de 2015 a obra-prima de Antoine de Saint-Exupéry, Le Petit Principe, ou O Pequeno Príncipe, entrará finalmente em domínio público em boa parte do mundo (exceto nos EUA e na França).

Como podem imaginar, lançaremos nesta data mais um livro digital das Edições Textos para Reflexão, com a tradução cuidadosa de Rafael Arrais, e todos os desenhos originais da obra, de autoria do próprio Saint-Exupéry, a cores, em boa definição e ocupando páginas inteiras!

Já que ainda não podemos lhes trazer trechos da tradução (afinal, o original em francês ainda não se encontra em domínio público), pensamos que seria interessante lhes trazer o epílogo completo, assim como, ao final, a capa, em que fizemos o máximo para homenagear a capa original da década de 1940:

***

Epílogo: O último voo de Saint-Exupéry

O Pequeno Príncipe, um clássico adorado por pessoas grandes e pequeninas, completa 70 anos...

Em Abril de 2014 a exposição The Little Prince – A New York Story, em plena Nova York, trouxe os manuscritos originais de Antoine de Saint-Exupéry, o francês autor da obra. Pouca gente sabe que ele morou em Nova York por dois anos, durante a Segunda Guerra Mundial, e escreveu o livro enquanto residia na América. A primeira edição foi publicada, em 1943, por uma editora americana, e não francesa.

A curadora da exposição, Christine Nelson [1], diz que a ideia para o livro sempre esteve rondando a cabeça de Saint-Exupéry, e prossegue, “Desde que era pequeno, gostava de desenhar, mas nunca foi um desenhista profissional, e nunca havia ilustrado um livro antes. Mas você via frequentemente em seus manuscritos alguns pequenos desenhos nas margens, e muitas vezes o desenho retratava uma pequena pessoa. E chegando perto da publicação de O Pequeno Príncipe, os traços dessa pequena pessoa passaram a tomar a forma do personagem.”

Tais ilustrações também se pareciam muito com o próprio autor. Diz a lenda que foi uma amiga sua de Nova York que o incentivou a transformar o personagem em um livro. A amiga se chamava Elisabeth Reynal, e era casada com o dono da editora (Reynal & Hitchcock) que veio a publicar o livro.

Saint-Exupéry escreveu sua obra mais famosa em vários lugares da metrópole norte americana. Tinha um apartamento ao sul do Central Park, escreveu um pouco ali; tinha uma amante – Silvia Hamilton – na Park Avenue, em Upper East Side, e escreveu muito por lá também; tinha um grande amigo da escola de artes – Bernard Lamat –, que tinha um lindo estúdio de arte, e ele também escreveu parte de sua obra por lá; e, finalmente, também trabalhou em Long Island, numa casa que alugou durante um verão.

O tempo que passou em Nova York, entretanto, foi mesmo breve. Saint-Exupéry era um piloto da força aérea francesa, e havia atuado em missões diversas, principalmente no Marrocos. Aos 43 anos, estava prestes a deixar a América para voltar à África como piloto, e foi exatamente neste período que o livro veio a ser publicado. De fato, foi quase na mesma semana, em Abril de 1943, em que ele voltava a atuar como piloto da aeronáutica francesa, que o livro chegava às livrarias de Nova York.

Quando o avião e seu piloto desapareceram durante uma missão para coletar informações do movimento das tropas alemãs, durante a guerra, o seu livro ainda estava longe de alcançar o sucesso mundial que viria a ter mais tarde. Saint-Exupéry decolou o seu P-38 Lightning de uma base aérea na Córsega, em 31 de Julho de 1944, e nunca mais retornou... Passou a viver na memória e, sobretudo, no imaginário de seus leitores.

Levou mesmo um certo tempo para que a magia de O Pequeno Príncipe conquistasse a legião de admiradores que tem até hoje. Uma coisa importante que temos de lembrar é que quando Saint-Exupéry chegou aos Estados Unidos, no final de 1940, ele já era um escritor best-seller. Já tinha publicado Terra dos Homens e Piloto de Guerra, livros que foram grandes sucessos de venda na América daquela época. Quando O Pequeno Príncipe foi lançado em 1943, até alcançou um relativo sucesso de venda, mas ficou na lista dos mais vendidos por uma única semana, enquanto outros livros do autor chegaram a ficar até 20 semanas nesta mesma lista.

O livro não foi, portanto, um sucesso imediato. Foi construindo esse sucesso ao longo dos anos; o que, com certeza, aumentou após o desaparecimento do autor, e quando finalmente veio a ser publicado na França, sua terra natal, em 1946 [2].

Nelson, tentando explicar o sucesso da obra, nos diz que “O Pequeno Príncipe é um livro decepcionantemente simples a primeira vista. Tem uma história muito simples, ilustrações muito ingênuas e, no entanto, várias camadas de leitura. Ele tem uma mensagem muito simples que todos podem apreciar e compreender – claro que estou falando da mensagem da raposa que diz que o essencial é invisível aos olhos e só pode ser sentido com o coração. Uma criança pode apreciar e entender esta mensagem, assim como qualquer adulto.

A questão é que a cada vez que o pequeno príncipe encontra um personagem adulto em sua viagem pelo universo, ele representa algumas características que nós, humanos, enfrentamos ao longo da vida – a arrogância, a vaidade, o materialismo, e, no caso do homem que bebe demais, a vergonha. Isso tudo são características que adquirimos à medida que vamos crescendo e aprendendo a nos relacionar com as outras pessoas”. São “defeitos”, se formos analisar assim, que precisam ser trabalhados e, se tudo correr bem, domesticados.

Há muito de Saint-Exupéry no seu O Pequeno Príncipe, mas também há muito de Saint-Exupéry no personagem narrador da obra, o piloto. Ele também era piloto e também teve um acidente no deserto, como o narrador da história. O foco do livro e suas ilustrações, no entanto, é no narrador contando a história do pequeno príncipe. Então acompanhamos a sua viagem fantástica pela narrativa e as ilustrações, mas não há uma ilustração sequer do narrador, isto é, do piloto (Saint-Exupéry chegou a esboçar uma, mas não foi incluída na versão final).

a raposa é a chave para o segredo do pequeno príncipe. É este personagem quem o ensina o que é mais importante na vida: o essencial é invisível aos olhos. Quando eles se encontram, a raposa quer ser seduzida, quer criar um significado para a sua relação. E, em troca, ela o ensina a ser paciente, saber esperar, curtir o momento, e, finalmente, chegar a ter um vínculo, um vínculo especial, com outro ser que nos cativou, e que também cativamos.

Muita gente não gosta ou despreza esta obra, dizendo que é muito “sentimental”. Nelson ainda nos diz que “certamente este livro não atrai todo mundo, e isto está bom. Eu tenho convivido com este livro há alguns anos – lendo, relendo, e o estudando em todos os detalhes. Tenho o sentimento de que é uma história realmente profunda. Sim, é sentimental. Sim, tem uma mensagem muito simples. Tem uma moral, se preferir, mas acredito que seja uma bela moral. Penso que a história é contada com uma grande sabedoria. As camadas de melancolia e tristeza que estão por baixo são tão profundas, principalmente quando você lembra que a guerra estava ocorrendo, e qual era o sentimento de Saint-Exupéry em relação a ela, que o fato dele ter transformado a sua experiência da guerra, durante um período de tanto desespero no mundo, em uma história tão abundante de esperança, é um enorme triunfo!”

***

Quando partiu da Córsega em seu avião, Saint-Exupéry usava uma pulseira que foi encontrada anos depois do seu desaparecimento. Depois que ele sumiu, em 1944, não ficou claro, por muito tempo, o que exatamente havia acontecido. Mas, em 1998, um pescador na costa de Marselha encontrou em sua rede de pesca uma pulseira de prata, na qual estava inscrito o nome de Saint-Exupéry. Então se descobriu que essa era a pulseira que ele usava quando o avião caiu. Em 2004, os destroços do seu avião também foram achados numa localidade próxima – mas seu corpo jamais foi encontrado...

Em todo caso, quais eram as chances de um objeto tão pequeno ser pescado do mar? Tal achado possibilitou a confirmação do local onde Saint-Exupéry morreu, e também a recuperação dos destroços do seu P-38 Lightning; e foi também mais um incrível elemento a ser adicionado ao mito de Antoine de Saint-Exupéry, o homem que se tornou, ao menos no imaginário de muitos dos seus admiradores, o próprio pequeno príncipe.

Esta obra é, portanto, o seu último voo, um voo eterno pela imaginação das pessoas de todo o mundo – sejam elas grandes ou pequeninas.

***

[1] Os depoimentos de Christine Nelson foram retirados do programa GloboNews Literatura que foi ao ar em Abril de 2014, no canal de TV a cabo GloboNews.

[2] Segundo a Universia Brasil, O Pequeno Príncipe é o segundo livro mais traduzido do mundo (após a Bíblia Sagrada), com mais de 250 traduções. Também já vendeu, em todo mundo, mais de 140 milhões de exemplares.

Marcadores: , , , ,

2 comentários:

Blogger Alexandre disse...

Gosto muito do "Pequeno Príncipe", mas acho que sua obra prima mais profunda é, na minha opinião, "Terra dos homens".

30/9/14 16:42  
Blogger raph disse...

Verdade, acaba que o "Pequeno Príncipe" fez tanto sucesso que eclipsou suas demais obras (que, na época, tb foram bestsellers)... Abs!

30/9/14 18:50  

Postar um comentário

Toda reflexão é bem-vinda:

‹ Voltar a Home