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19.1.10

O ano cósmico

Texto de Chris Impey em "O universo vivo" (editora Larousse). Tradução de Henrique Monteiro. As notas ao final são minhas.

Vamos comprimir o tempo (cósmico) por um fator de 50 mil trilhões (5 x 1016) . Essa escala reduz os 13,7 bilhões de anos desde o big bang ao calendário de um ano.

No dia do ano-novo, no hemisfério norte, todo o tempo e o espaço, toda a matéria e toda a energia são criados. No final de fevereiro, a Via Láctea está se formando. Gerações de estrelas nascem e morrem ao longo da primavera e do verão. A Via Láctea devora uma série de companheiras menores e completa uma volta a cada semana. No início de setembro, próximo do braço espiral de Órion, forma-se um estrela de tamanho médio em uma creche estelar movimentada: sua nuvem de gás foi levada à ruína pela morte violentade uma supergigante vizinha. Dois dias depois, oito grandes corpos rochosos se formaram a partir da poeira que girava ao redor do menino Sol. Um é a nossa Terra.

Dentro de uma ou duas semanas, o planeta novinho em folha está vivo. Micróbios espalham-se pela superfície do planeta e no fundo dos seus oceanos. O Sol converte hidrogênio em hélio e envia uma corrente contínua de fótons aquecidos ao espaço. Várias vezes por semana, a intervalos aleatórios, imensas rochas chocam-se contra o planeta e produzem o caos. Muitos organismos são extintos, mas o restante se adapta e se diversifica. Em outrubro, a vida inventa uma novo modo de aproveitar a energia solar, e a atmosfera começa a encher-se de oxigênio [1].

Em meados de dezembro, o ritmo da vida começa a recobrar a velocidade. Depois de vários meses sem nenhum organismo maior do que um punho, novas criaturas proliferam nos oceanos. Algumas vão até a terra firme e outras aprendem a voar. Na época do Natal, os dinossauros dominam as florestas e pântanos do planeta exuberante. Três horas antes das badaladas da meia-noite no ano-novo, aparecem os primeiros hominídios. Descendem de mamíferos, espécie sobrevivente bem-sucedida do impacto de um enorme meteoro, vários dias antes [2]. Faltando 20 segundos para meia-noite, os hominídios evoluíram para se tornar exatamente como nós, inventam as ferramentas e a agricultura, e constroem as primeiras cidades. A Revolução Coperniciana acontece quando falta um segundo para a meia-noite [3].

O modelo do tempo em escala explica a nossa chegada final à cena como forma de vida inteligente, capaz de explorar o espaço e compreender o cosmos, mas considera o seguinte: podemos não ser os primeiros. Um planeta semelhante à Terra pode ter se formado em algum lugrar do universo muito antes de nós. Digamos que seja no começo de junho. Se a evolução seguiu o mesmo ritmo da terra, haveria uma espécie alienígena atingindo nosso nível tecnológico no final de setembro, exatamente quando a vida estava começando a brotar na Terra. Do que seria capaz uma espécie alienígena agora, com uma dianteira de 4 bilhões de anos em relação a nós?

Vivemos no ápice de uma mudança exponencial. Todas as maravilhas do mundo moderno - computadores, televisão, viagens espaciais, genética, a internet - encaixam-se no último décimo de segundo do ano cósmico. A velocidade crescente das mudanças tecnológicas torna impossível predizer o futuro de modo confiável. Conhecendo a nossa insignificância no tempo e no espaço, ficamos tanto impressionados quanto impacientes perante nosso imenso potencial como espécie consciente de si mesma. Se não estamos sozinhos na posse dessa capacidade, o universo deve ser um lugar muito, muito interessante [4].

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[1] As formas de vida mais bem-sucedidas da Terra, as cianobactérias remontam a 3,5 bilhões de anos, e seus descendentes ainda são encontrados em muitos ambientes na terra e na água. Esses minúsculos organismos fotossintéticos criaram quase todo o oxigênio existente na atmosfera, e levaram ao desenvolvimento das plantas. Eles merecem o nosso respeito!

[2] No cataclisma que se seguiu, a maior parte dos dinossauros foi extinta, embora saibamos que as aves atuais sejam remanescentes deles. Em todo caso, foram pequenos roedores, sobrevivendo em pequenos e profundos túneis sob a terra, quem sustentaram nosso legado genético (e de todos os mamíferos). Também sem eles, não estaríamos aqui para contar a história.

[3] Que foi, sobretudo, uma revolução do pensamento humano. Sem esse conhecimento, provavelmente ainda pareceria que o Sol gira em torno da Terra, visto que através da observação pura é exatamente o que parece a primeira vista. Foi necessária uma grande mudança de paradigma para que a maior parte da população alfabetizada olha-se para o Sol e imagina-se que, na realidade, somos nós quem giramos ao seu redor (e ele, ao redor do cosmos).

[4] E a astrobiologia, um ramo científico muito, muito promissor.

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Crédito da foto: Descubra o Cosmos (NASA)

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