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25.3.18

Lançamento: Cartas a um jovem poeta

As Edições Textos para Reflexão desta vez trazem a você o livro mais conhedio de um dos maiores poetas de língua alemã, Rainer Maria Rilke .

Tudo começou com uma carta despretensiosa de um jovem poeta, "iniciante de tudo", a um Rilke já em pleno domínio do seu mundo poético. Ao costumeiro pedido de avaliação, algo como, "Seriam bons os meus poemas?", o poeta respondeu simplesmente que não poderia avaliar, pois que "nada está mais afastado de uma obra de arte do que as palavras de uma crítica: elas sempre terminam em desentendimentos mais ou menos desafortunados". Foi assim que Franz Xavier Kappus, o jovem poeta, não ganhou nenhuma crítica literária exclusiva, mas sim conselhos de uma sabedoria avassaladora, tão intensos e profundos que são capazes, até hoje, de abalar nossas vidas em seus alicerces mais profundos... Assim nasceu Cartas a um jovem poeta.

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À seguir, trazemos a primeira carta de Rilke, na íntegra (tradução de Rafael Arrais):

Paris
17 de fevereiro de 1903


Caro Senhor,

Sua carta me encontrou apenas alguns dias atrás. Eu quero lhe agradecer pela grande confiança que depositou em mim. Isto é tudo o que eu posso fazer. Eu não posso debater acerca dos seus versos; pois que qualquer tentativa de crítica à poesia alheia seria algo estranho para mim. Nada está mais afastado de uma obra de arte do que as palavras de uma crítica: elas sempre terminam em desentendimentos mais ou menos desafortunados. As coisas não são todas tão tangíveis e exprimíveis em palavras quanto às pessoas usualmente nos fazem crer; muitas experiências estão além das descrições, elas se passam num espaço onde nenhuma palavra jamais adentrou, e não há nada que esteja mais distante das descrições do que as obras de arte, tais existências misteriosas cujas vidas perduram ao lado da nossa própria vida, pequenina e transitória.

Tendo esta nota como prefácio, devo lhe dizer que os seus versos não têm ainda um estilo próprio, ainda que possuam sementes ocultas e silenciosas de algo mais pessoal. Eu senti isso de forma mais clara no último poema, “Minha Alma”. É lá que alguma coisa de sua essência está buscando se tornar palavra e melodia. E no amável poema, “Para Leopardi”, uma espécie de parentesco com esta grande e solitária figura também parece se manifestar. Em todo caso, os poemas ainda não são nada em si mesmos, ainda não alcançaram sua independência, até mesmo estes dois que citei. Sua amável carta, essa que acompanhou seus poemas, permitiu que se tornassem mais claras para mim várias faltas que senti ao ler os seus versos, ainda que não me seja possível nomeá-las em específico.
Ora, você me pergunta se os seus versos têm alguma qualidade. Você me pergunta... Você também perguntou a outros antes de mim. Você enviou seus poemas para revistas. Você os comparou com a poesia de outros autores, e não se perturbou quando certos editores rejeitaram seu trabalho. Agora, já que você pediu o meu conselho, eu lhe imploro que pare de fazer esse tipo de coisa. Você está olhando para fora, e isso é o que mais deveria evitar nesse momento. Ninguém pode lhe aconselhar ou lhe ajudar neste caso – absolutamente ninguém. Há apenas uma coisa que você deveria fazer: adentrar fundo em si mesmo. Descubra a razão que lhe comanda a escrever, veja se ela já espalhou suas raízes pelas profundezas do seu coração, confesse a si mesmo se você preferiria morrer caso lhe fosse proibida a escrita. E, acima de tudo, pergunte a si mesmo na hora mais escura da sua noite: eu devo escrever?
Cave em seu próprio ser por uma resposta profunda, e caso essa resposta ressoe positiva, caso você solucione tal questão solene com um vigoroso e simples “eu devo”, então construa sua vida de acordo com tal necessidade. Toda a sua vida, até mesmo em suas horas mais humildes e indiferentes, deve ser como um signo e um testemunho desse impulso.
Então vá para junto da Natureza. Daí, como se nunca ninguém houvesse tentado isso antes, tente falar sobre o que vê e sente e ama e perde. Não escreva poemas de amor; se afaste desses formatos que são muito dóceis e ordinários: eles são os mais difíceis de se trabalhar, e será preciso um grandioso poder, totalmente florescido, para que consiga criar algo individual onde boas, até mesmo gloriosas tradições já existem em abundância. Assim, salve a si mesmo de tais temas gerais e escreva sobre o que o dia a dia lhe oferece; descreva suas tristezas e desejos, os pensamentos que flutuam por sua mente e a sua crença nalguma espécie de beleza. Descreva tudo isso com o sentimento que passou de fato pelo seu coração, fale de forma silenciosa, humilde e sincera.
E, quando for se expressar, faça pleno uso das coisas a sua volta, das imagens em seus sonhos e dos objetos que estão em sua memória. Acaso o seu dia a dia lhe pareça pobre, não o culpe; culpe a si mesmo. Admita que você ainda não é um poeta hábil o suficiente para perceber suas riquezas; pois que para o criador não há nem pobreza nem lugares pobres, indiferentes. Assim, mesmo que se encontre numa prisão cujas paredes isolem todos os sons do mundo lá fora, você ainda não teria contigo toda a sua infância, essa tal joia além de qualquer preço, essa casa do tesouro de memórias? Foque a sua atenção nela. Tente trazer à tona os sentimentos submersos desse imenso passado; sua personalidade se fortalecerá; sua solidão irá se expandir e se tornar um lugar onde você poderá viver no crepúsculo, onde o barulho das demais pessoas passa bem longe, à distância.
E se deste voltar-se para dentro, desta imersão em seu próprio mundo, surgirem poemas, então você jamais pensará em perguntar a qualquer um se eles são bons ou não. Tampouco tentará fazer com que as revistas se interessem por eles: pois você os verá como uma valiosa posse pessoal, como um pedaço de sua própria vida, como se ela mesma lhe falasse por palavras.

Uma obra de arte é boa se ela surgiu de uma necessidade íntima. Esta é a única forma que alguém poderá julgá-la. Assim sendo, caro Senhor, eu não posso lhe dar qualquer outro conselho além deste: que mergulhe em si mesmo e veja quão profundo é o lugar de onde flui a sua vida; é lá na sua fonte que encontrará a resposta para o que quer que deva criar. Aceite tal resposta, do modo como lhe foi dada, sem tentar interpretá-la. Talvez você descubra que foi chamado a ser um artista. Se for este o caso, então aceite tal destino, suporte o seu fardo e a sua grandiosidade, sem jamais se questionar acerca de qual prêmio deverá aparecer lá fora. Pois que o criador deve ser um mundo para si mesmo, e deve encontrar tudo em si mesmo e na Natureza, para a qual toda a sua vida é devotada.
No entanto, após haver descido em si mesmo, e em sua solidão, talvez você deva renunciar o ofício de poeta (como já disse, se alguém sente que pode viver sem escrever, então não deveria escrever jamais). Em todo caso, ainda assim, esta busca interna que eu lhe recomendei não terá sido realizada em vão. Sua vida poderá encontrar os seus próprios caminhos desta experiência, e que eles possam ser bons, ricos e largos é o que eu lhe desejo, mais do que possa colocar em palavras.
O que mais eu poderia lhe dizer? Me parece que tudo o que havia por ser abordado já o foi. Finalmente, gostaria de adicionar mais um pequeno conselho: para que continue a crescer, de forma silenciosa e fervorosa, ao longo de todo o seu caminho de desenvolvimento. Afinal, você não poderia perturbar tal caminho de forma mais violenta do que buscar lá fora pelas respostas que só podem ser encontradas em seus sentimentos mais íntimos, nas suas horas mais silenciosas.
Foi uma alegria encontrar na sua carta o nome do professor Horacek; eu tenho grande reverência por este homem tão doce e culto, e uma gratidão que resistiu ao passar dos anos. Por favor, diga a ele como me sinto; fico muito feliz em saber que ele ainda se lembra de mim, feliz e lisonjeado.
O poema que deixou aos meus cuidados, eu estou lhe enviando de volta. E eu lhe agradeço mais uma vez por suas questões e sua confiança sincera, da qual, respondendo da forma mais honesta que me foi possível responder, eu tentei fazer de mim alguém um pouco mais digno do que realmente sou.

Atenciosamente,
Rainer Maria Rilke


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