Amor sob vontade
 
Há uma praga  lá fora, pelas ruas.
Um inimigo  que mata sem ser visto;
e, como tudo  o que é invisível,
está aberto à  interpretações:
nesse  momento, teólogos e cientistas debatem
se tal mal  foi obra de Deus, do acaso ou do homem.
Entra um pensador  na sala e pergunta:
“Mas Deus, o  acaso e o homem não são a mesma coisa?”
Fato é que  estamos em quarentena,
  isolados uns  dos outros. De modo que se antes
  nós  perambulávamos sem rumo pelas vielas e estradas,
  agora estamos  sem rumo dentro de quatro paredes:
  há uma grande  diferença!
Assim, tanto  tempo dentro de casa, dentro de nós,
  quem sabe a  roda da carroça enfim deixe de perseguir o boi,
  e passe a  rodar pelos velhos sulcos
  deixados no  Caminho.
  Quem sabe  nesses dias e noites tenhamos a preciosa chance
  de desvelar o  homem e a mulher e tudo o mais.
  Nada disso  precisa rimar,
  a única rima  necessária 
  é a da alma  com a consciência dela mesma.
Então vemos  uma foto nossa na parede,
  e notamos que  já não há nada em comum entre a antiga imagem
  e o que somos  hoje: nada, exceto pelo fato
  de serem a  mesma pessoa.
  E, se  morremos tantas vezes em vida,
  por que  imaginar a morte como um fim?
  Por que temer  que o sol se ponha para nunca mais nascer?
  Faz algum  sentido,
  se toda  aquela antiga vida, em todo caso,
  não passava  de um poema de rimas forçadas?
Há uma praga  lá fora, pelas ruas,
  mas o único  inimigo sempre esteve aqui,
  e ele é um  muro que construímos à duras penas:
  um muro entre  o que pode ser nomeado
  e o que  simplesmente é.
  Desde então,  cada movimento da vida é dedicado
  a derrubar paredes,  romper casulos:
  um tijolo, um  pensamento de cada vez. 
  Até que não  reste em nós nada além de amor,
  amor sob  vontade.
raph'21
***
Crédito da imagem: Sasha Freemind/Unsplash
Marcadores: COVID-19, espiritualidade, existência, poesia, poesia (161-170)
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