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10.5.23

Projeto Ars Magica (trecho 1)

10 anos após o lançamento de Ad infinitum, enfim eu voltei a escrever um livro totalmente original. De lá para cá, foram muitas traduções, edições, e compilações de poemas e artigos do meu blog; mas agora chegou a hora de algo novo. E, assim como o próprio Ad infinitum um dia foi tão somente o Projeto Ouroboros, agora também voltarei a postar trechos de meu novo livro, enquanto ele é escrito. Bem-vindos ao Projeto Ars Magica!

Ao contrário do projeto anterior, neste não darei muitos detalhes do que exatamente se trata. Mas, para resumir, será uma obra sobre a Arte e o Caminho.

Então, vamos direto ao que interessa: abaixo, segue um dos trechos já escritos do projeto.

1.2

Uma bela forma de se pensar o Caminho é imaginar uma região cheia de vales e montanhas. De vez em quando, um caminhante tem a oportunidade de subir no pico de uma das montanhas, mesmo que seja a menorzinha. Então, dali ele consegue observar as terras abaixo, as florestas e as estradas, os jardins e as fazendas, as pequenas aldeias e as grandes cidades, os rios correndo rumo ao oceano, e o horizonte onde as montanhas cada vez mais altas têm seu cume coberto pelas nuvens. Há sempre grande contentamento em simplesmente descansar no cume de um monte e contemplar o mundo abaixo, sem se preocupar com nada, sem ser nada e, ao mesmo tempo, ser carregado pelas brisas, ser dissolvido em tudo. A verdade, porém, é que nenhum caminhante consegue reter tal estado por muito tempo: do contrário, já teria chegado à última estada, e não precisaria mais caminhar.

Então, todo caminhante sabe que precisará descer novamente, e se aventurar em mais uma jornada, rumo ao próximo cume de montanha. O que separa uma escalada dessas de outra? Uma prática de meditação bem feita? Um recital de poesia? Uma dança ao redor da fogueira, ao som do tambor? Uma nova vida? Tanto faz: o que importa é que, do Alto, podemos somente observar o Caminho à frente, mas é cá embaixo que se caminha. Daí que cabe ao caminhante memorizar o Caminho, quando visto do alto; e não apenas dentro da mente, mas sobretudo no interior do próprio coração, nas profundezas da alma.

Ao descer abaixo, muitos caminhantes trazem consigo mapas detalhados de cada passada, de cada estradinha, de cada curva e ponte estreita que deverão passar a fim de chegar depressa na próxima subida de montanha. Não há nada de ruim em ser precavido, mas é preciso considerar que tudo muda, que nada está parado, que ninguém atravessa o mesmo rio uma segunda vez, e que até mesmo as montanhas mudam de lugar. E, ainda mais importante que isso: é preciso considerar que isso não é uma competição, e que mais vale chegar na próxima estalagem na companhia de outros caminhantes do que se destacar, e chegar primeiro, e estar só.

Nós não fomos chamados a este Caminho para subir no “pódio dos melhores artistas da caminhada”, nós fomos chamados a caminhar juntos, e há grandes caminhantes que se abstiveram de avançar mais, apenas para poder dar conselhos aqueles que se arrastam lá atrás.

Afinal, estamos todos debaixo do mesmo Sol, e mesmo na noite mais escura, vem a Lua nos dizer: “Olhem, olhem para o Alto, contemplem a imensidão e iniciem a contagem dos sóis!”.

Tudo isso foi sempre assim, caminhantes e retardatários, sábios e ignorantes, amigos dissolvidos em tudo que há, e seres obsediados pelo próprio ego. Não sabemos onde vai dar o Caminho, mas aqueles que já se aventuraram a dar os primeiros passos já não se encontram mais perdidos.

 

Rafael Arrais

***

Crédito das imagens: [topo] raph (com Midjourney e GFPGAN); [ao longo] Daniel Kordan.

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2 comentários:

Blogger Unknown disse...

Parabéns pelo esforço Raph! Vai ser sensacional o futuro livro.

10/5/23 19:51  
Blogger raph disse...

Obrigado :)

12/5/23 18:33  

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