O caso da consciência 333, parte 1
Era a última seção do dia 265/611ec (lê-se dia 265 do ano terrestre 611 da Era Científica) e o doutor Dennet já estava ávido para encerrar o dia de trabalho, afinal já estava atendendo pacientes em seu consultório virtual a quase 4 horas seguidas - "Que estranho, estou me sentindo descontente com o trabalho de novo, preciso lembrar de duplicar a dose semanal de PG447 (lê-se proteínas G de estímulo a sensações de prazer relacionadas ao trabalho)" - pensou, para logo após compreender o porque do mal-estar: teria de atender novamente o caso do paciente Parnia, o caso da consciência 333.
As consciências eram então classificadas por extensos códigos, mas normalmente apenas os 3 últimos dígitos eram usados para classificações de pacientes de consultóros psiquiátricos. Isto é, os dígitos associados ao nome de registro na sociedade. Parnia333 era filho de Greenfield012, e fora gerado por configuração genética classe A a cerca de 25 anos terrestres... Era dono de uma cognição impressionante. Quando jovem fora noticiado na imprensa galáxica como primeiro homo sapiens de geração 7 da MSGoogle-Genetics a conseguir resolver equações quânticas de nível gama aos 6 anos, e conseguir elaborar construções virtuais em 9 dimensões aos 15 (os outos que conseguiram tais feitos não foram completamente gerados em laboratórios certificados, e portanto não constavam nos registros da Scientia); Porém, infelizmente, talvez a exemplo dos outros "candidatos a gênio", recusou-se a cumprir o programa de Ensino a Excepcionais da MSGoogle-Academics, e foi excluído do noticiário... Em sua cidade, muitos dizem que foi esse o principal motivo de seu quadro psiquiátrico de felicidade ter se agravado, ao ponto de hoje estar próximo da depressão, algo absolutamente impensável na era atual.
Sua mãe, Greenfield, já havia relatado ao dr. Dennet que em repetidas semanas houvera reparado que Parnia havia simplesmente desintegrado as pílulas PG (anti-depressivas e de estúmulo ao amor-próprio e contentamento social) que o tratamento prescrevia que tomasse. Quando finalmente sua mãe teve coragem de tocar no assunto, ele apenas se limitou a dizer "que não queria que pílulas determinassem sua vida. Se era verdade que a consciência humana tendia a depressão se fosse deixada sem controle químico, ele queria conhecer essa depressão, queria 'saborea-la', queria ter o controle de suas próprias decisões." - A tendência a experiência anti-científica do livre-arbítrio era ainda comum nas colônias planetárias distantes, onde ainda praticavam-se crendices arcaicas de outras eras. Mas que isso ocorresse na própria Terra, e ainda, em um homo sapiens de geração 7, era impensável para o dr. Dennet. Em suma, talvez fosse essa série de eventos que estivesse lhe causando certo desconforto. Mas teria de continuar a atender Parnia, não queria "desistir" de um paciente, sua reputação na Scientia dependia inteiramente disso.
"Olá doutor" - Disse Parnia no holocomunicador, com uma expressão intrigante, misto de tristeza e alegria inexplicáveis para os conceitos do dr. Dennet.
"Olá Parnia. Aqui consta que seu quadro continua perigosamente próximo a depressão... Você seguiu minha recomendação de tentar a transferência de consciência para um corpo feminino, talvez a interação hormonal ou o simples efeito de novidade tivesse algum efeito mais aprofundado que as pílulas PG que tenho certeza que está tomando regularmente, não?"
"Oh sim doutor, eu tentei a transferência por duas semanas. Foi algo bem interessante, sem dúvida. Ocorre que eu não sou bissexual como a maioria, então não pude aprofundar o tratamento a nível de experiência sexual, se é que me entende..."
"Parnia, Parnia... Você de fato é um espécime raro. Existe por acaso alguma característica genética ou memética em sua consciência que se assemelhe 'a alguma maioria'?"
"Genética ou memética não doutor... Mas confesso que desde que experimentei parar com as seções de refreamento da Pineal, assim como as seções de eletromagnetismo fluido para supressão de flutuações quânticas nas sinapses cerebrais, tenho compreendido muito mais acerca das outras dimensões que visualzei quanto ainda jovem..."
"O que?!" - pululou o dr. Dennet visivelmente exaltado - "Você tem idéia do que é isso? O desligamento continuado desse tipo de tratamento deve ser explicitamente permitido pela Scientia e só ocorre em casos raríssimos! Você por acaso está agindo de maneira anti-científica, contra a lei?"
"Ora doutor, ir contra a lei não é mesma coisa que ir contra a ciência... Até mesmo porque tenho uma visão um pouco diferente do que seja a ciência, pelo menos da visão da maior parte das pessoas. A começar pelo fato de crer que algumas novas descobertas serão alcançadas em laboratórios fora do padrão da Scientia, alguns deles pertencentes a Mobilização Linux de colônias a alguns anos-luz da Terra. Mas o fato é que consegui uma autorização da lei para interromper o tratamento, portanto estou inteiramente dentro da lei."
"Como conseguiu esse tipo de autorização, Parnia?"
"Eu consegui manter contato cognitivo de classe beta com consciências extra-corpóreas, não catalogadas no sistema da Scientia. O grupamento militar ExxonBlackwater ficou bastante alarmado quando consegui trazer provas de que certos segredos militares foram transmitidos a mim por esse tipo de contato, tanto que me liberou do tratamento de refreamento da Pineal, que sempre foi o principal obstáculo para que eu continuasse a ter esse tipo de experiência... anti-científica, como bem sabe..."
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Crédito do desenho: Santiago Ramón y Cajal
Marcadores: ciência, consciência, contos, contos (1-20), depressão, espírito, existência, neurologia
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