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26.2.09

Uma rima rápida

Uma rima rápida é como um trovão de poesia:
O retoar atordoa, e a luz se propaga com maestria.

Há quem leia as duas frases acima e passe adiante, desapercebido - "hmm tá bem, e o que tem isso?" - e há quem reconheça ali, ainda que de modo superficial, uma "fragância" de poesia. Não cabe a nós julgar o que tange a percepção de cada um: cada qual percebe aquilo que pode, aquilo que tem interesse e, sobretudo, aquilo em que mantém o foco mental.

Decerto poesias não enchem a barriga de ninguém. Pode-se dizer, de modo mesmo prático: e que adianta a poesia? Por acaso a poesia vai resolver a miséria do mundo? As guerras? A ignorância? - A poesia é uma forma de arte, uma simbologia do sentido do ser e do "estar vivo", a poesia não está aqui para resolver o problema do mundo, nem mesmo o problema de ninguém em especial. Somos nós que resolveremos nossos problemas, no meio do caminho talvez a poesia nos ajude, talvez não, mas fato é que há quem ame poesia e há quem nunca tenha sequer compreendido seu significado mais básico. Porque afinal somos assim tão distintos? Será possível que se aprenda a compreender poesia?

Não sei ao certo se aprende-se a compreender poesia. Mas tenho quase certeza que aprende-se a sentir o mundo, e não apenas racionaliza-lo - Será que o mundo é apenas aquilo que foi descoberto pela ciência? Nesse caso, será que antes da ciência descobrir que a Terra girava em torno do Sol, esta preferia seguir a crença comum de que era exatamente o inverso, de que era o Sol que girava em torno da Terra? Está óbvio que não: ainda que o mundo se limitasse ao que nossa razão é capaz de compreender, ainda assim teríamos uma infinidade de coisas desconhecidas a bailar pelo Universo a nossa volta.

Fazer, entoar, participar da poesia é celebrar todo esse "desconhecido" a nossa volta. É exatamente não racionaliza-lo, apenas, mas também tentar compreendê-lo pelo sentir, como quem tenta compreender uma fragância de perfume por seu cheiro, e não pelo logotipo da embalagem, ou pela lista dos produtos químicos em sua composição. Entoar poesia é estar aqui e agora, tão somente vivendo, em certo sentido, dentro da simbologia que aquelas palavras nos despertam em nosso íntimo.

Obviamente que a poesia acima é somente um exemplo auto-referente, que quando muito pode despertar certa simpatia em alguns admiradores de poesia, porém ainda assim serve como exemplo para que nos indaguemos acerca de certos símbolos em nossas mentes: o que será um trovão de poesia? Imaginamos um trovão no céu chuvoso, ou uma chuva de palavras descoordenadas? Será que o trovão se refere apenas ao sentimendo de medo e deslumbramento perante a Natureza quando esta nos envia uma tempestade? Porque será que o retoar de um trovão atordoa? Será pelo som que faz, ou pelo sentimento ancestral que nos desperta? Será que entoar tem a ver com retoar? Será que se entoa poesia como a Naturza nos envia trovões? Será que a Natureza é um poeta impessoal? Será que Natureza é poesia em estado bruto? Será que, como a luz, os sentimentos se propagam em meio aos céus revoltos das tempestades? Será que essas indagações fazem parte desta poesia tão simples? Onde será que termina uma poesia?

Poderíamos ficar assim indeterminadamente. Difícil dizer se isso é racionalizar ou sentir. Talvez a mera tentativa de classificar um sentimento seja racionaliza-lo. Porisso o homem não se comunica somente por sons ou gestos, mas também por algo de misterioso e poético, um relance de olhar, uma expressão indeterminada, algo que chamamos "empatia", o dedilhar do violão de um bardo, o entoar de uma oração sacra, ou apócrifa, ou uma oração que se faz na hora, e nunca mais se repete, um eterno celebrar da vida e do desconhecido. O viver aqui e agora, sem medo, nem dó, nem pena, nem nenhuma expectativa além daquela que a Natureza já nos promete a todo momento: a expectativa de ser realmente real tudo aquilo que sentimos ou racionalizamos.

Como atordoa,
Como atordoa...
Entoar poesia.

***

Crédito do desenho (com alteração digital): Albrecht Durer

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3 comentários:

Anonymous lucas disse...

ja ouviu falar de Rubens Alves?,ele é um psicanalista e educador, que mesmo sendo ateu escreve seus textos na forma de poesia.

seus textos podem ser encontrados no final da revista psique do glupo ciencia e vida,eu os recomendo

17/1/10 22:18  
Blogger raph disse...

Sim, dele eu tenho um livro recente, "Perguntaram-me se acredito em Deus", que achei bastante inspirado.

Ateus que se inspiram na natureza ou na poesia são quase como religiosos, apenas não creem em Deus :)

Em todo caso, ele já foi até pastor da igreja presbiteriana, antes de sua "crise de fé".

18/1/10 09:38  
Blogger raph disse...

Também não diria que ele é ateu, talvez agnóstico, provavelmente deísta:

"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem."

Rubem Alves

18/1/10 09:41  

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