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16.4.09

Reflexões sobre a consciência, parte 1

Consciência: é uma qualidade da mente, considerando abranger qualificações tais como subjetividade, auto-consciência, sentiência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente.

Meio segundo depois

Consciência é algo que todos acreditam possuir, mas explicar com exatidão o que ela significa é um desafio que os pensadores encaram há muito tempo. Os pesquisadores modernos já se valem dos avanços da ciência e da filosofia, como o eletroencefalograma (EEG) - que capta sinais elétricos que fluem entre células do cérebro de forma não-invasiva e não-indolor, ou a noção Lockeana de que a consciência é "a percepção do que se passa na mente de um homem" - ou seja, antes de mais nada, um processo que não atua sozinho, mas depende do todo, incluindo memórias e estímulos sensoriais... No entanto tais pesquisadores ainda não chegaram na ponta do iceberg do chamado "problema difícil": como o cérebro produz a experiência de ser consciente?

Não temos a pretensão de encontrar uma resposta final a tal pergunta num futuro muito próximo (ou mesmo distante), mas podemos começar com uma reflexão de razoável bom senso acerca do "processo de se estar consciente": a todo segundo (de fato, a todo milésimo de segundo ou bem menos do que isso) somos bombardeados por ondas de partículas, são elas que nos trazem toda a informação que dispomos para analisar em nosso cérebro. Algumas não podem ser percebidas senão por intrumentos avançados, e serão inúteis para essa análise (ex: neutrinos - embora sejamos bombardeados por eles a todo instante)... Outras no entanto são essenciais para nossa experiência sensorial, sejam os fótons (luz) que nos permitem ver o mundo, ou a repulsão eletrostática (dos elétrons) que nos permite "tocar" em algo "sólido" e sentir alguma pressão nos dedos (ou em qualquer parte do corpo onde nossas terminações nervosas cheguem). Ao que tudo indica, nosso cérebro recebe a todo instante muito, mas muito mais informação, do que conseguimos perceber de forma consciente.

Em um de seus livros, o neurologista e pesquisador de casos extremos, Oliver Sacks, nos conta a história de um cego de nascença que através de uma cirurgia de catarata pôde enxergar (ou seja - deixar de ser cego) após já adulto, o que é algo extremamente raro mesmo nos dias atuais... Interessante que o homem vai a um zoológico e, observando um Elefante, não consegue "juntar suas partes". Ele vê uma tromba, uma enorme pata, uma orelha se movendo, e é incapaz de fundir todas essas informações visuais de forma a compreender aquilo tudo como uma única criatura... Somente após apalpar a miniatura de um Elefante é que o homem "começa" a compreender a forma visual de um Elefante, à distância, em perspectiva, se movendo pelo espaço e não apenas pelo tempo (quando somos cegos "enxergamos" as coisas de forma cronológica e não espacial). Resumindo, Sacks nos diz que levamos em torno de 15 anos para "aprender a enxergar como um adulto", e que não basta os olhos enviarem as informações trazidas pelos fótons ao cérebro - o cérebro precisa aprender a processar essas informações de forma a gerar uma resposta coerente a nossa consciência, e isso leva um baita tempo de acordo com Sacks.

Já outro neurologista, Benjamin Libet, ajudou a ciência a chegar ao entendimento de que: (1) a consciência envole uma pequena parcela da atividade cerebral; (2) a consciência parece perceber apenas um percentual mínimo de toda a informação que chega ao cérebro por vias sensoriais; (3) o cérebro despende de um enorme esforço para "gerar o processo consciente" pois une os estímulos sensoriais do mundo externo para produzir um modelo coerente de realidade. Para chegar a tais conclusões ele antes estimulou de forma bem fraca o cérebro de pacientes, e percebeu que os estímulos geravam "resposta" no cérebro, mas essa "resposta" não passava pela consciência - ou seja, eles não percebiam de forma alguma que estavam sendo estimulados. Ou, pode-se dizer, percebiam de forma inconsciente.

O mais incrível, entretanto, é que descobriu-se que estímulos não-reflexivos, ou que dependiam de algum tipo de "resposta do inconsciente", só "apareciam" para a consciência meio segundo depois... Isso mesmo, como se tudo o que escolhessemos fazer, desde mover um dedo a atravessar a rua no sinal correto, ocorresse 0,5s depois dos impulsos nervosos correspondentes bailarem pelo cérebro. Ou melhor, "como se fosse assim" não é a premissa ideal, pois hoje sabemos que sim, é assim. Interessante que estímulos reflexivos, como proteger os olhos com as mãos quando algum objeto é arremessado em sua direção, não passam pela consciência, e exatamente porisso operam em "tempo real", sem o meio segundo de atraso... talvez por não dependerem de resposta inconsciente alguma. E, de fato, nós não podemos "escolher" proteger os olhos, nosso reflexo é incondicional - somos obrigados a proteger-los.

Segundo o psicólogo Bernard Baars, os processos conscientes são aqueles que estão na "luz dos refletores" da atenção mental, enquanto os demais permanecem fora dos holofotes, guardados na memória para acesso imediato. Enquanto isso, os processos incoscientes trabalham nos bastidores - mas também integram a audiência mental e portanto respondem ao que está sob os refletores. Essa metáfora de um "teatro mental" na verdade é uma teoria analisada com seriedade pela ciência atual: a teoria do espaço global de trabalho.

Mas e qual a vantagem evolucionária de se gastar tanta energia no processo da consciência? Uma possível explicação está na noção de que a consciência é um meio de criar um modelo mental de realidade. Qualquer organismo possuidor de tal modelo pode fazer mais do que apenas reagir aos estímulos e rezar para que a resposta seja rápida o bastante para escapar dos predadores. Isso, por sua vez, sugere que indagar se um organismo é consciente pode não ser uma boa pergunta. A consciência pode apresentar gradações. Um inseto, por exemplo, apresentaria um modelo marcadamente menos sofisticado da realidade do que um humano.

Um inseto pode precisar recorrer a respostas inconscientes somente em raras ocasiões. Na imensa maioria delas pode operar de modo reflexivo, quando nenhuma escolha além da escolha de se preservar a vida se faz necessária... Em seres que pensam, que sentem emoções como o amor e o ódio, ou que foram suficientemente perspicazes para cunhar o termo "moral", talvez as escolhas sejam mais complexas, menos autômatas e mais indeterminadas - mas será que mesmo nesses casos o ser é livre para escolher a forma de agir?

Isso nós discutiremos à seguir, quando falo do livre-arbítrio, uma questão fundamental de nossa existência...

***

Bibliografia recomendada: "Um antropólogo em marte" de Oliver Sacks (ed. Cia das Letras); "25 Grandes Idéias - como a ciência está transformando nosso mundo" de Robert Matthews (ed. Zahar).

Crédito da foto: Louie Psihoyos/Corbis

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2 comentários:

Anonymous Rayom disse...

Raph:

Fico a imaginar nessa pesquisa dos neurologistas e psicólogos onde eles assentariam a superconsciência.

Sabemos que no ser humano ela existe e atua também nos bastidores, lançando informações lá do camarote acima do mezanino.

Já nos animais não há uma individualização acentuada da consciência, mas reações grupais com poucas originalidades.

De todas as formas, o estudo da consciência sempre encadeia mais questões do que deixa respostas.

Abraço.

16/4/09 20:46  
Blogger raph disse...

Rayom, certamente vou tocar no assunto no decorrer da sequencia dos artigos :)

Pode-se dizer que esse primeiro foi "materialista", mas a medida que os conceitos vão se aprofundando, o materialismo se tornará inócuo para as explicações requeridas...

Lembrando, é claro, que a ciência não é nem materialista nem espiritualista. Ciência é o conhecimento da realidade detectável.

Abs
raph

18/4/09 14:18  

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