O reino de Asoka, parte 3
continuando da segunda parte...
Atordoado pelo olhar firme e tranqüilo daquele monge pronto para a morte, Asoka se lembrou do olhar do avô, pouco antes da batalha em que desapareceu, tornando-se um monge jainista. Sacou a espada do avô e cravou-a ao solo, próximo de Samudra, que então fechou brevemente os olhos e disse:
“Vejo que está pronto, o primeiro ato para a não-violência é deixar a espada de lado.”
“Sim, agora eu entendo o que meu avô quis dizer. Em minha última batalha em Kalinga, matamos mais de 100 mil homens de seu exército, e perdemos 10 mil de nossos soldados. Que maldição! Que ignorância! O que eu tenho feito? Se foram vitórias o que obtive nesses anos todos, o que seriam então derrotas? Alguém perdeu seu marido, e outro um pai, ainda outro um filho, e há mulheres que tenham perdido a vida junto com sua criança na barriga... Não há sentido em tamanha loucura, se conquistar significa dizimar, então todos os conquistadores são tolos, e eu sou o maior deles!”
“Mas foi para os tolos que o Buda trouxe seus ensinamentos. Enquanto vivia em seu palácio, ignorante do sofrimento do mundo, eis que ele mesmo era também um tolo. Para tudo isso há remédio. Só não há remédio para quem está ainda cego, para quem insiste em caminhar no caminho circular, e retorna sempre para onde acabou de sair...”
“Mas como eu vou me regenerar? Como vou convencer o povo da não-violência, se eu mesmo tenho sido um invasor brutal?”
“Primeiro com o exemplo, depois com o ensinamento das nobres verdades do senhor Buda. É isso que todos temos feito, a diferença é que eu sou monge, e comando apenas a mim mesmo, e você é imperador: o seu fardo é mais pesado.”
“Oh nobre Samudra, que os deuses lhe abençoem por ter me encontrado nesta prisão. Eu que um dia quis conquistar toda a extensão dos horizontes, hoje percebo que até hoje conquistei apenas sombras e fumaça, e o que sou permaneceu selvagem e descontrolado. De agora em diante irei conquistar apenas a mim mesmo, e farei de tais ensinamentos a lei para todo o meu império!”
E o primeiro ato de Asoka foi destruir o seu poço infernal, e destituir Girika do cargo de executor real, não mais necessário. Com o auxílio de Samudra, estabeleceu novas leis para o Império Máuria, que foi o grande responsável pela propagação do budismo no mundo antigo.
Asoka defendeu até o fim da vida os princípios do dharma, como a não-violência, a tolerância a seitas e opiniões contrárias, a obediência aos pais, o respeito aos brahmans, professores e sacerdotes de todas as religiões, a tendência para a amizade entre os povos, a observação dos direitos humanos de escravos e serviçais, e até mesmo aos direitos dos animais...
Embora certamente pudesse ter marchado e seguido em suas conquistas territoriais até a borda do império romano, e provavelmente além dela, deixou a fronteira do império intacta, e se preocupou apenas com a conquista da verdade. Asoka ficou desde então conhecido como Dhammashoka (sânscrito), “o seguidor do dharma”, ou simplesmente como Asoka o Grande .
Em todas as grandes cidades, mandou construir os Pilares de Asoka, muito mais famosos que seus poços infernais: ao invés de prisões que se estendiam para abaixo do solo, construiu pilares que apontavam para o céu, com as leis do dharma gravadas em sua superfície, para que todos os povos pudessem ler.
Eis a história de como um homem teve de abdicar de seu vasto reino para finalmente conquistar algo de real. E conquistando a si mesmo, tornou-se enfim um verdadeiro imperador de homens e almas de homens, e não de sombras e cadáveres... Não se sabe se Asoka conseguiu limpar a consciência de todas as guerras e execuções, e de todos os sonhos sombrios de glórias efêmeras que tenha tido em sua fase de caminhos circulares e ignorância – porém, desde que encontrou o caminho sem fim para a verdade, reconheceu qual era o melhor caminho. E isso é, no fim, o que importa.
***
Crédito da foto: Velachery Balu (réplica dos 3 leões esculpidos sempre no topo dos Pilares de Asoka - há ainda muitos pilares originais na Índia)
Marcadores: Asoka, budismo, contos, contos (1-20), dharma, história, Índia, moral
2 comentários:
sempre achei inspiradora a história de asoka
Reverências 🙏🙏 eu não tenho muito conhecimento sobre o budismo, mas com a pandemia de coronavírus que assola o planeta, intensifique minhas orações para que a humanidade fosse iluminada. Desde então então venho tendo sonhos estranhos com figuras ou seja pessoas que querem me dizer algo. Então decidi pesquisar e tão grande foi a surpresa que tive, uma das pessoas foi o Imperador Asoka, fiquei encantada, me senti privilegiada em ler um pouco da sua biografia e que tem muito a ver com a atual situação em que a humanidade vem vivenciando.
Continuarei a pesquisa, para descobrir o que o Grande Imperador Asoka tem a nos mostrar, o que nós temos a aprender com o reinado deste Imperador tido como grande e sanguinário conquistador...
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