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27.1.10

As lições da evolução

Todos aqueles que não se alistaram em guerras santas tem como tirar lições da teoria de Darwin-Wallace para a evolução das espécies; Lições de como a natureza funciona não só no nível físico, como também no espiritual. Engana-se quem pensa que a evolução determina o trunfo do materialismo sobre as demais interpretações da natureza. Se a ciência moderna optou por “esquecer” de Alfred Russel Wallace, que era espiritualista, pelo menos nada pode fazer quanto ao encerramento que Charles Darwin deu para o seu célebre livro, no último parágrafo de “A Origem das Espécies”:

“Assim, a coisa mais elevada que somos capazes de conceber, ou seja, a produção dos animais superiores, resulta diretamente da guerra da natureza da fome e da morte. Há grandeza nesta concepção de que a vida, com suas diferentes forças, foi alentada pelo Criador num curto número de formas ou numa só e que, enquanto este planeta foi girando segundo a constante lei da gravitação, desenvolveram-se e se estão desenvolvendo, a partir de um princípio tão singelo, infinidades de formas as mais belas e portentosas.”

Sabemos que esta teoria nunca pretendeu explicar o surgimento da vida, tampouco o da consciência humana, e sim o mecanismo pelo qual a vida evoluiu a partir das primeiras e mais primitivas formas de vida na Terra. Mesmo assim, e não sem boas razões, ela se tornou um dos pilares que sustentam o pensamento materialista moderno – de que tudo o que somos se resume as partículas de nosso corpo – ainda que não façamos idéia de quais partículas formam a consciência, mas isso é uma outra história.

O que eu gostaria de destacar aqui, porém, é que a evolução também traz enormes lições para uma visão espiritualista da existência:

Somos todos um
Ainda que a nível físico, somos formados por partículas, por poeira de estrelas longínquas que chegaram até nós em meteoritos e, misturando-se com os elementos da Terra em seu berço, criaram de alguma forma ainda oculta os primeiros organismos. De formas tão simples quanto bactérias, tudo o mais surgiu, evoluindo a partir do mesmo código da vida, o DNA.
Hoje a ciência sabe que não existem raças humanas, nosso genoma é praticamente idêntico do aborígene australiano ao homem branco europeu. Não apenas o racismo é ignorância, mas a própria noção de que somos seres a parte na criação, de que os animais irracionais nos servem como meros objetos, é absurda. Os índios já sabiam que somos todos um, que a natureza é uma só, e que estamos todos conectados; Mas, na época moderna, foi preciso a prova científica para que abríssemos os olhos. Esta é a maior lição da natureza: da próxima vez que olhar um pequeno roedor em sua toca, saiba que foi graças a eles que sobrevivemos à época da grande extinção dos dinossauros [1]. Nós somos filhos dos roedores, e das bactérias, porque nesse caminho cósmico, ninguém é mais especial que ninguém, a todos foi dada a mesma oportunidade de viver e de evoluir.

Nos beneficiamos das trocas
O conceito de “raça pura” foi definitivamente enterrado pela evolução. Se o nazismo surgiu no mundo, foi porque seus líderes eram também ignorantes, e perderam a oportunidade de aprender com a natureza. Seres humanos isolados, reproduzindo-se apenas em pequenas comunidades locais, são muito mais vulneráveis a vírus e doenças em geral, pois simplesmente não tiveram misturas suficientes com os genes de outros humanos que caminharam por outras partes do globo.
Porém, mais do que isso, sabemos que as trocas comerciais, culturais e religiosas são fundamentais para o desenvolvimento da humanidade como um todo. Foi com a rota da seda, da Índia para a Europa e Oriente Médio, que as grandes civilizações começaram a se desenvolver mais rapidamente. Foi na época da afluência de várias correntes filosóficas, científicas e religiosas para um mesmo local de paz que muito do pensamento humano se solidificou: da Grécia Antiga a Alexandria, de Al-Andalus ao Renascimento na Europa.
Se alcançamos tais façanhas com trocas de genes, mercadorias e conhecimento, quem sabe onde poderemos chegar com a troca de amor?

O altruísmo é uma evolução da espécie
Desde bactérias que gastam energia para produzir uma substância viscosa que faz suas colônias flutuarem na água e ficarem mais protegidas, até a troca de oferendas ancestrais de hominídeos, onde os machos traziam alimento de suas caçadas para trocar pelo sexo com as fêmeas, o altruísmo tem se comprovado como uma evolução da espécie.
Aquele que caça sozinho terá mais comida quando abater uma presa, porém a história prova que são as espécies que caçam em grupo que obtém a maior vantagem evolutiva: quando todos se ajudam e auxiliam mutuamente, ainda que tenham de dividir a caçada, existem maiores garantias de que não morrerão de fome, solitários, pois a probabilidade de haver boa caça todos os dias é bem maior em grupos que têm mais olhos e mais armas afiadas.
Desde épocas imemoriais, a natureza tem nos ensinado tal mistério: quanto mais nos afeiçoamos aos seres, mais capacidade temos de nos afeiçoar ainda mais. O amor é combustível que não acaba nunca, o fogo de sua pira é eterno e o vento só faz ele crescer mais e mais...

Das adversidades nascem os grandes saltos evolutivos
Nenhuma espécie evoluiu com vida mansa, seja pela abundância de presas para caçar ou pela ausência completa de predadores. Sem a adversidade, seja esta um predador faminto ou um estômago suplicando por energia, os seres não teriam motivo para evoluir.
Embora todos gostemos de paz, de que tudo “ande nos trilhos”, não podemos esperar que as adversidades passem ao largo. Esta seria, ao longo prazo, uma grande armadilha. A estagnação, seja física, seja mental, seja espiritual, é o grande mal da humanidade. A época negra na Europa medieval demonstrou que dogmas não nos servem de salvação, e que manuais de verdades absolutas de nada adiantam se as pessoas ainda são ignorantes da real interpretação dessas verdades. Adquirir conhecimento não faz de ninguém um santo: é preciso praticar, é preciso sujar os pés de lama, é preciso encarar o deserto e compreender que, onde quer que haja estagnação, a natureza não nos deixará relaxar.
A “guerra da natureza”, a que Darwin mencionou acima, é uma forma pela qual o seu mecanismo continua nos puxando, e puxando, sempre para cima.

O ambiente nos molda
Pequenos cataclismas submarinos, causados pelo fim da vazão de água em altas temperaturas da crosta terrestre, podem fazer com que nichos ecológicos inteiros de seres microscópicos se extinguam, levando consigo pequenas barreiras de corais e espécies das profundezas do oceano. Um rio muda de curso, as monções são interrompidas, e impérios inteiros se extinguem, ou partem para invadir novos territórios, como é caso tão comum na história do sul da Ásia...
Em nossa vã esperança de que fossemos o centro de todo o Cosmos, acreditamos que os deuses é quem deveriam nos servir, ainda que através das mais variadas formas de barganha. Ainda hoje, há cientistas que crêem que podem ditar os rumos da natureza, “criando” novas espécies ou retardando indefinidamente o envelhecimento das células do corpo. Tudo em vão: nada está parado, tudo flui, tudo vibra. A natureza se move em ciclos, e dentre eras glaciais terrestres, surgiu o ser humano e todo o seu conhecimento.
Mas nem todo conhecimento é em vão. A maior prova está na compreensão de que, muito mais do que as disputas pela sobrevivência, é o meio-ambiente que molda a evolução das espécies. E mesmo aqui, uma vez mais, os índios estavam certos: estamos todos conectados, principalmente com a natureza a nossa volta.

A natureza é livre
O homem vem tentando compreender os mecanismos da natureza, mas até hoje falha miseravelmente em qualquer tipo de previsão mais aprofundada sobre para onde o vento soprará a seguir. Prever o clima a curto prazo é possível, a longo prazo não: é que a natureza insiste em erguer o seu véu, e dentre pequenos eventos que, por não sabermos a causa real, chamamos de “caóticos” ou “aleatórios”, nada realmente pode ser previsto do futuro. Nem onde o vento vai soprar, nem onde a terra vai tremer, nem até onde a evolução poderá nos levar.
Darwin dizia que o destino das espécies “tende a perfeição”. Muito embora seja complexo definir o que seja perfeição, a natureza jamais cansará de nos surpreender. Em apenas alguns segundos do ano cósmico, surgiu o homem e todo o seu conhecimento. A perfeição é o amanhã, é o porvir, é a potencialidade das consciências etéreas a bailar por entre eras e espécies – e ninguém pode realmente prever aonde tudo isso vai dar.
De sua agenda, a vida mesmo cuida: a natureza é livre.

A vida é a função do sistema
Embora todo sistema tenha sua função, há muitos que preferem ignorar que o sistema-natureza também tenha a sua. Em cada partícula que insiste em moldar organismos que se comportam de forma anti-entrópica enquanto vivificados, encontra-se parte do texto sagrado; Texto este que, codificado, reafirma através de infinitas reações químicas em meio ao turbilhão do universo: “Produzir vida, esta é a minha função”.

A lei da evolução
Nem o mais forte, nem o mais inteligente. Sobrevive e evolui aquele que melhor se adapta as condições do ambiente, e as suas mudanças.
Fisicamente, fazemos parte da espécie que obteve o maior sucesso em se adaptar ao meio-ambiente. Exploramos e ocupamos as zonas mais remotas do planeta, e hoje estamos em via de nos lançar ao oceano do Cosmos. Que nos faltará, senão uma adaptação de consciência? Senão explorar e ocupar nosso infinito interior?

***

[1] Um biólogo amigo meu apontou uma correção: "nosso 'ancestral' sobrevivente da extinção dos dinossauros não era um Roedor, que é um grupo avançado do qual os Primatas não derivaram; mas fazia parte de ordens extintas, como os Multituberculados, que só superficialmente lembram roedores". Devido a característica poética do trecho, preferi deixar assim.

Este artigo também se encontra traduzido para o inglês: "The lessons of evolution"

Crédito das imagens: [topo] Louie Psihoyos/CORBIS (Paleontologista Doug Zhiming); [ao longo] Bettmann/CORBIS (Neanderthal)

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9 comentários:

Blogger Ricardo disse...

Caro Rafael:
Apesar de gostar de muitos dos seus textos, achei esse fantástico.
As mesmas lições que você destacou para uma "visão espiritualista da existência", eu, talvez para dar um alcance maior, consideraria lições sob um ponto de vista ético.
De qualquer forma, o seu trabalho continua merecendo os parabéns pelo ótimo nível alcançado.
Grande abraço.

28/1/10 07:47  
Blogger raph disse...

Oi Ricardo,

Muito obrigado, aprecio ainda mais o elogio sabendo a bagagem filosófica de sua parte :)

Olha, se formos retornar desde Espinosa, passando pelos estóicos e até Sócrates, veremos que o logos era a razão conectada ao Cosmos, e a filosofia não era feita, quase que nunca, isolada da noção de espiritualidade...

O problema é que hoje em dia as pessoas tem uma visão errada da espiritualidade, há meu ver falar em ética, pelo menos no sentido que Espinosa deu em seu livro, é muitas vezes falar também em espiritualidade, mas a espiritualidade profunda, verdadeira.

Por isso também que acredito que as lições da evolução, vindas diretamente da natureza, não poderiam falar de outra coisa senão de ética, e de espiritualidade :)

Abs
raph

29/1/10 11:18  
Anonymous lucas disse...

quando escreveu a evolução das especies,Darwin era um legitimo representante da Ingraterra ultraconservadora,sua esposa era uma religiosa feroz,e muitos de seus professores eram padres além disso ele teve sua espiritualidade abalada com a morte da filha,isso é mostrado no filme que estreou a pouco nos cinemas.

Porém Darwin nunca foi ateu,se dizendo um agnostico, e tambem nunca foi fã de debates entre criacionistas e evolucionistas uma vez que via nisso uma perda de tempo.

mesmo assim Darwin errou em não se preocupar no fato de sua teoria pudese ser interpretada para o mal, como no caso dos nazistas

Ainda no tema evolucionismo e espiritualidade ,a um texto no final da Galileu do mês passado(uma que fala sobre o filme atividade paranormal)que trata sobre essa questão,o autor é menbro da associação de biologos brasileiros e é cristão,segundo a revista vocé pode encontrar o texto tambem no site:www.biologos.com(se não der certo tente www.biologos.net)

29/1/10 22:51  
Blogger raph disse...

Achei o artigo da revista Galileu a que o Lucas se referiu acima:

Biólogo aproxima cristianismo de Darwin
- Karl Gibeson mostra como é possível acreditar em Deus e na Teoria da Evolução ao mesmo tempo.

Está hospedado no site oficial da Galileu.

Abs
raph

30/1/10 12:04  
Blogger Universalistas disse...

Excelente texto Raph!

pode deixar que sempre divulgaremos seus projetos e trabalhos!

Abraços!

4/2/10 18:03  
Blogger Yara Morais disse...

Olá Raph!

Belíssimo texto!!
Nunca entendi muito bem o porque da Teoria da Evolução (para alguns)excluir totalmente a noção de espiritualidade,ou de algo maior que nós...
Ora,ao meu ver a teoria não só é muito mais lógica que a explicação bíblica da Gênese,como mostra todo o processo da vida de forma magnífica e surpreendente!
Convivo entre muitos que se autodenominam ateus,pessoas da área da saúde,das ciências que usam desmesuradamente a teoria da evolução como desculpa para acabar de vez com todas as expectativas espirituais...sinto um certo vazio às vezes por conta disso,porque realmente eu preciso desse "algo a mais" para dar sentido e alento à vida.Mas por outro lado evito levantar bandeiras,pois me cansa ver pessoas exaltadas discutindo sejam crentes ou descrentes...
Abs,

Yara

21/3/11 00:09  
Blogger raph disse...

Pois é Yara, mas como você deve ter lido no outro artigo, um dos co-criadores desta teoria, Alfred Russel Wallace, era espiritualista, inclusive participava de sessões espíritas... Isso dá o que pensar.

Pois, independetemente de espíritos ou a reencarnação existir mesmo ou não, Wallace foi relegado a obscuridade histórica pelo simples preconceito (não apenas por ser espiritualista, mas também jovem e não-ocidental)... De modo que a teoria de Darwin-Wallace é hoje quase que sempre referida apenas como teoria de Darwin.

No entanto, este artigo em específico fala da espiritualidade da evolução ainda independente das teorias reencarnacionistas... Muito embora elas se complementem muito bem.

Abs
raph

21/3/11 01:31  
Blogger O Cabrito Politico disse...

Artigo que acrescenta idéias para quem raciocina sôbre a existência Parabens. E talvez eu possa recompensar fornecendo outras idéias que certamente desconheces. Estas idéias sugerem que existem muitas mais lições da evolução.

A evolução segundo a teoria darwiniana é baseada em três mecanismos, VSI = Variation, Selection, Inheritance. Mas os humanos estão considerando a evolução natural como se ela tivesse emergido dos sistemas biológicos na Terra. Não conhecem as fôrças e elementos fisicos naturais existentes antes dos sistemas biológicos que teriam "evoluído" para a evolução biológica. Antes existiam apenas sistemas atômicos e astronomicos, e êstes não eram regidos pelos mecanismos darwinianos? Existiram sob o que se chama "Evolução Cosmológica", porem para esta ainda se desconhecem os mecanismos. Quais mecanismos regeram a evolução da nebulosa de átomos para a forma de galáxias? Seleção natural? Hereditariedade?

Tenho um trabalho realizado na selva amazônica por seis anos por um método parecido com o de Darwin em Galápagos, mas buscando os elos da evolução entre sistemas naturais. Não pude evitar de aplicar a anatomia comparada entre os sistemas pré-vida e pós-origem da vida. No final resultou uma teoria macro-evolucionaria que está no meu website: A Matrix/DNA dos Sistemas naturais e Ciclos Vitais. Aqui, a evolução total é regida por sete variaveis e não apenas pelas tr6es de Darwin.

O leque de lições se amplia muito sob esta teoria. Uma das principais vem da sugestão que nosso ancestral "não-vivo" imediato foi o building block dos sistemas galacticos, cuja configuração é identica ao building block do DNA. Com as galaxias teria sido interrompida a evolução cosmológica porque nela a a matéria se organizou como sistema fechado em si mesmo, vindo daí nossa herança do "gene egoísta". Portanto ela ensina que devemos evitar as tendencias individualista, consumista e de busca extrema de poder para construir um paraiso individual.O certo é ser-mos sistemas abertos.

Quanto à espiritualidade, a teoria sugere que todos os sistemas naturais, de átomos a homens, possuiram duas faces: a de hardware e a de software. A auto-consciência dormia no átomo, sonhava na galáxia, e ainda está nos ultimos estágios embrionarios no homem. Vale a pena dar uma olhada quando gostas de material para pensar. Abraços.

11/1/12 10:50  
Blogger raph disse...

Muito obrigado Louis, estou salvando seu site no meu Delicious (favoritos) e vou ler com mais calma depois.

Em tempo, gostaria de lhe sugerir dois livros, que acho que acrescentariam a sua pesquisa:

"Evolução em quatro dimensões", de Eva Jablonka e Marion J. Lamb (editora Cia. das Letras), do qual tenho trechos no meu blog, por exemplo:

http://textosparareflexao.blogspot.com/2010/06/comunicacao-simbolica-como-sistema-de.html

***

"O universo inteligente" de James Gardner (Ed. Cultrix), ver também um trecho aqui:

http://textosparareflexao.blogspot.com/2010/09/biocosmos.html

***

Como faltou o link para o seu site, para facilitar aos outros visitantes, incluirei abaixo:

"A Matriz Universal"

Abs!
raph

11/1/12 17:31  

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