O reino de Asoka, parte 2
continuando da primeira parte...
Um dos ministros de Asoka exercia o cargo de conselheiro direto do imperador. Asoka confiava plenamente nele, e acatava muitos de seus conselhos. O conselheiro então, verificando que Asoka perdia mais tempo preocupado em julgar e executar os criminosos, rebeldes e traidores do império, do que em efetivamente governar as províncias, aconselhou-o: “crie o cargo de executor real, deixe que outra alma se encarregue dessas decisões negras, e fique livre para governar sem se preocupar em julgar.”
“Mas onde vou encontrar alguém que seja tão implacável quanto eu em seus julgamentos?” – perguntou o jovem imperador. O conselheiro então indicou um jovem chamado Girika, que diziam ser tão maquiavélico que não poupara nem a própria família de sua ira. Seguindo o conselho mais uma vez, Asoka nomeou o jovem Girika como executor real. Em seu primeiro dia no cargo, Girika ordenou a construção de um poço nas imediações da capital. Diziam que era um poço inspirado no mesmo poço que Asoka construiu para matar o irmão. No entanto, em torno da construção cresciam belos jardins, de modo que mais parecia que uma casa de descanso paradisíaca estava sendo construída sob a terra.
Quando o poço oculto em sua entrada florida ficou pronto, Girika chamou Asoka para inspecionar a obra:
“Eis o inferno sobre a terra, meu senhor!” – exclamou Girika.
“Inferno? Mas como? Isso mais parece um jardim de meditação” – respondeu-lhe Asoka, um tanto confuso.
Girika então convidou o imperador para adentrar o poço, e Asoka percebeu que os jardins da entrada escondiam um poço ainda mais infernal do que o anterior: rios de óleo negro escaldante escorriam por entre frestas nas paredes, apenas pequenas ilhas de pedra pontiaguda se elevavam acima do mar de fogo – quem quer que ali fosse jogado, teria uma morte dolorosa, definitivamente!
Asoka ficou maravilhado com a obra, e perguntou se Girika não necessitava de alguma compensação por tão brilhante empreendimento. O executor real apenas pediu para que qualquer um que fosse condenado a entrar naquela prisão disfarçada, nunca mais pudesse sair dali. O imperador concordou, e então estava criado o famoso Inferno de Asoka...
Durante os anos que se passaram, muitos foram os condenados ao Inferno de Asoka. Ludibriados por sua aparência externa, muitos condenados o escolhiam de livre vontade, imaginando que se tratava apenas de um jardim recluso, onde cumpririam sua pena em vida contemplativa. E assim foram as histórias de dolorosas mortes no lago infernal de Asoka, até que um monge budista foi confundido com um rebelde, e condenado injustamente ao poço.
Samudra era monge à muitos anos, e se encantou com os belos jardins que escondiam o Inferno de Asoka. No entanto, lá adentrando, percebeu que logo teria seu fim. Ao contrário de todos os outros que encararam o lago de fogo, Samudra não pareceu se abalar nem um pouco com seu destino. Girika pareceu comover-se com o fato, e chamou seu mestre para se certificar de que gostaria mesmo de arremessar aquela criatura pacífica no poço.
Asoka veio e, observando a atitude do monge, questinou-o:
“Porque está sorrindo para mim? Você não é um dos rebeldes que gostaria de me ver morto?”
“De modo algum, não sou eu quem decide quem vive e quem morre. Por acaso o senhor pode decidir sobre a vida e a morte?”
“É claro, eu sou Asoka, imperador de todas as terras ao sul e futuro conquistador dos povos do ocidente e do norte. Minha palavra é a lei!”
“Muitos antes de você também disseram o mesmo, e hoje se foram. Não há quem possa decidir quando e como vai morrer. Tudo o que sabemos é que partiremos um dia, então porque a necessidade de um império? Nenhum império atravessa o véu conosco, para o lado de lá...”
Asoka nunca havia sido tratado de forma tão insolente desde que se tornara imperador. Furioso, fitou o monge e bradou:
“Se eu ordenar, Girika irá arremessá-lo neste poço e terá uma morte terrível! É isso o que quer, testar se sou ou não sou capaz de decidir quem vive e quem morre? Pois posso lhe matar neste momento!”
O monge fitou o imperador, sem perder o sorriso entre os lábios nem por um momento:
“E não foi o que eu disse? Você pode até decidir quando alguém vai morrer, mas de sua própria morte, isso ninguém sabe. No entanto, fico feliz por ter conhecido jardim tão belo pouco antes de aqui adentrar... Vou manter o jardim em mente, e esquecer que estarei derretendo em um lago de fogo.”
Asoka ficou atônito. De certa forma, de todas as batalhas que havia participado, em nenhuma delas havia enfrentado um homem tão corajoso quanto aquele monge. Asoka dominava vasta extensão da Ásia, e era tratado como um semi-deus por seu povo, mas nunca havia conseguido encontrar aquela paz que via na feição de um ser pronto para a morte. Aliás, para uma morte dolorosa.
Samudra entoou um belo cântico budista, respirou profundamente e olhou fundo nos olhos de Asoka:
“Vá, faça o que tem de fazer. Mate-me!”
***
Crédito da foto: buecherwurm
Marcadores: Asoka, budismo, céu e inferno, contos, contos (1-20), história, Índia, morte
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