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31.7.12

Intervista, parte 3

Esta é uma "entrevista de mim mesmo" que escrevi em 1999 e agora trago para este blog. Continuando da parte 2:


Você se considera alguém esperançoso?

-Como assim? No sentido de ter esperança em que?

-Na vida, no mundo, nas coisas em geral...

-Ah sim... Pois bem, neste sentido posso dizer que não tenho esperança alguma, pelo menos não como as outras pessoas têm.

-Ora, mais uma resposta enigmática, como era de se esperar...

-(sorri) Você gostaria que eu explicasse melhor?
 
-Claro! E não se preocupe porque temos bastante tempo ainda.

-(sorri mais uma vez) Eu estava querendo dizer que as pessoas me parecem ter muita esperança, muito mais do que eu tenho por assim dizer... Elas têm, por exemplo, a esperança de serem amadas, bem sucedidas e felizes, mas para isso contam mesmo apenas com sua esperança. Elas querem ser amadas sem se preocupar em amar a elas mesmas, ou a sua vida e seus amigos, ou a quem quer que seja. Querem receber carinho, mas desde cedo aprendem que demonstrar carinho é uma coisa vulgar, que demonstra sua fraqueza, e as impede de serem bem vistas pelos homens que criaram tais regras. Elas na verdade não estão nem aí para tais regras, elas querem é ser amadas, mas como elas tem tanta esperança, seguem as regras porque acham que vão ser amadas de qualquer jeito.
Porque seguindo as regras elas tem a esperança de serem bem sucedidas, de terem um grande imóvel, os melhores carros, os companheiros mais bonitos ou famosos, e de poderem viajar para onde quiserem uma vez ao ano pelo menos... Elas acreditam que conseguirão isso apenas seguindo as regras, e que além de conseguir tudo isso, ainda serão amadas, muito amadas; e, portanto, felizes. Elas têm tanta esperança que acham que tudo isso irá verdadeiramente cair do céu em cima delas.
Não se preocupam em fazer o que gostam, nem em desenvolver um gosto pessoal, elas apenas seguem as regras, e fazem o que quer que vá transforma-las em pessoas bem sucedidas, gostam do que tem de gostar para serem tais pessoas; e, incrivelmente, elas têm a esperança de serem muito felizes, e ainda muito amadas, vivendo dessa maneira.

-Sim, sim, você está querendo dizer que os meios de comunicação, aliados a lei do consumismo capitalista e ao que é considerado politicamente correto, escravizam as pessoas em vidas sem rumo pessoal ou sentido próprio?

-Meu Deus, eu não quero dizer nada disso! Veja bem, eu não estou querendo ser irônico, e as pessoas não estão escravizadas! Ora, é muito fácil pensar assim, que alguma elite multimilionária simplesmente controla toda a forma ocidental de pensar. Não é nada disso... As pessoas vivem assim porque querem realmente, porque estão acomodadas e com medo de tentar algo novo, como sempre... Na realidade, esse algo novo é muito antigo, a verdade da vida sempre esteve oculta dentre o mundo, e são muito poucos os que conseguem desmascará-la.

-A verdade está atrás de uma máscara?

-Claro, não só a verdade do mundo, mas a nossa própria verdade. Quantos de nós não usam máscaras para se adequarem ao mundo que nos é apresentado, escondendo nosso amor, nossa criatividade, nossa vontade de dançar, para sermos considerados homens normais?
A verdade está mascarada porque as pessoas não se preocupam em retirar sua máscara, não porque tenham medo da verdade... Alguns até têm medo, mas acredito que a grande maioria esteja mesmo é acomodada. Sabe porque? Porque a grande maioria tem muita esperança! Esperança de que essa máscara caia sozinha, sem que eles tenham que se arriscar a desvendar a si mesmas, e ao mundo...
Quando andamos pelas ruas movimentadas das cidades grandes, queremos conversar com as pessoas, mesmo que não sejam tão bonitas; sempre encontramos alguém que nos chame a atenção, num bar, na praia ou no ônibus... Pensamos diversas coisas, como seria aquela pessoa? Será que não poderíamos ser bons amigos? Ao menos viajar juntos ou conversar por algumas horas...
Porque as cidades são mesmo um caos, mas somente porque nos sentimos sozinhos mesmo em meio a uma multidão. Nas escolas não aprendemos a nos comunicar, não nos foi ensinada uma boa maneira de conversar, trocar idéias e comentários. O que importa é defender nossa opinião, 99% do tempo fazemos isso... Se gostamos de um filme é bom que as pessoas também gostem, para termos certeza de que o filme é realmente bom. Se as pessoas não gostam, talvez o filme não seja tudo aquilo que imaginamos, afinal...
E, portanto, ficou entendido que não devemos nos comunicar com qualquer um, principalmente pelas ruas e caminhos da vida. Vai que a pessoa não concorda com nossa opinião?

-Você está dizendo que as pessoas não se comunicam porque têm medo de que discordem de sua opinião?

-Não exatamente, elas não têm medo de que discordem de sua opinião, elas têm medo do novo! Têm medo de que sua definição da vida seja falsa, e que alguém na rua lhes convença disso. Elas não têm medo dos que discordam de sua opinião, pois aí vão continuar se divertindo, defendendo sua própria opinião, muitas vezes sem nem ouvir ou dar crédito a opinião alheia... Elas dão valor às opiniões mais populares, mais bem aceitas na sociedade, nas regras do que é correto, e se mascaram atrás delas. Se as pessoas divergem de sua opinião, ela pode então discutir, brigar, guerrear com elas, até que sua opinião impere sobre as outras.
Mas elas não têm problema nenhum com isso, pois em verdade estão duelando protegidas por suas máscaras maravilhosas, que as mantém longe do desconhecido, do que é novo. Na realidade as pessoas têm mais problemas em se comunicar com aquele que aceita qualquer opinião, elas não entendem esse alguém, pois ele está olhando, e falando, com a pessoa verdadeira, aquela por detrás da máscara... E isso tudo é muito novo para elas, muito provocativo e original, e elas não querem entender isso, pois acham que já entendem de tudo.

-Então as pessoas têm mesmo é a esperança de que essas tais máscaras maravilhosas as protejam para sempre do novo, e, portanto, jamais terem de encarar desmascaradas ao desconhecido?

-Me parece que é isso... Elas não querem encarar a verdade. Talvez não seja nem culpa delas, mas de tantas outras que viveram antes de nós, e criaram tais regras brutais. Mas enfim, as pessoas parecem ter mesmo muita esperança, pois acham que vão conseguir enxergar ao mundo inteiro com sua visão tão curta, e ainda por cima encoberta por uma máscara!

-Interessante, interessante... (pensa por algum tempo) Mas agora eu tenho uma última pergunta: Se a esperança não serve de nada a essas pessoas, o que será do futuro?

-Não! Desculpe se não soube me explicar... (preocupado) Na verdade estava mais preocupado em não parecer irônico... Eu não quis dizer que a esperança não serve de nada, apenas que somos nós mesmos quem construímos a esperança.
Eu explico: A humanidade se tornou uma especialista em padronizar as coisas. Ela diz que esperança é ter fé em algo melhor, numa vida melhor. Daí ela inventa a palavra “esperança” e publica em seus dicionários monstruosos que esperança é isso que foi dito acima. Mas se esquece de que tem de ensinar as crianças sobre tais verdades, pois senão corre o risco de que elas interpretem tais definições de dicionário ao pé da letra, e então padronizem a coisa toda...
Por acaso as pessoas sabem o que é ter fé? Então como vão saber o que é ter esperança? Ora, a gente não nasce com fé, ou pelo menos se nascemos com ela, não vamos conseguir mais fé num shopping center ou comprando com cartão de crédito. Nós construímos essa fé, e consequentemente a nossa esperança, ao nos dedicarmos a achar a verdade pelo mundo... Porque a verdade foi massacrada por tanta ignorância através dos tempos, e sua única saída foi se esconder também, pois essa foi à única maneira de não ser totalmente arruinada pelos preconceitos e inquisições patrocinados pelos homens mascarados, distantes de si mesmos...
Mas a verdade não foi embora, e, portanto, ainda existem caminhos a serem seguidos, e decerto ainda existe esperança. Mas veja bem: Só se conquista a esperança ao desbravar o desconhecido, ao ter a coragem de seguir tais caminhos por onde tão poucos passaram, mais por onde todos um dia inevitavelmente terão de passar. A cada passo sua esperança irá aumentar, a cada recuo, ela irá se abalar, mas em realidade você nunca terá esperança! A esperança não é uma moeda que se perde ou ganha, ela é uma força poderosa destinada a nos levar daqui para mundos muito melhores. Você não ganha esperança, mas pode correr para ela, sem medo, sem máscaras, e abraça-la de coração!
Irá abraçar a si mesmo, e depois a todos aqueles que passam angustiados pelas ruas, e mostrar para eles que o homem pode sim jogar a máscara fora, e então se preparar para aceitar toda a verdade, todo o amor, e toda a felicidade decorrentes de tal ato.

***

Por algum motivo, na época eu não prossegui com esta entrevista... Talvez, quem sabe, por ter se tornado pessoal demais – afinal, seria hipócrita se dissesse a vocês que eu mesmo não carrego mais máscara alguma. Mas o que me interessa em retornar até 1999, revisitando esse texto, é tentar reconhecer quem eu era, e não sou mais...

Este é um belo exercício, que recomendo a todos. As máscaras são trocadas, e nem sequer percebemos, até que temos uma fantasia totalmente nova posta diante do espelho. Somente o folião por detrás da fantasia, o dançarino, o poeta, o espírito, é quem permanece – este grande ser oculto, para o qual tenho dedicado todas as minhas cascas de sentimento.

raph

***

Crédito da imagem: WIN-Images/Corbis

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2 comentários:

Blogger Jakeline Santana disse...

Olá Raph,

Gostei bastante das três partes, e achei interessante a última que reflete questões parecidas com aquelas que angustiam as pessoas que vivem nas grandes cidades... Receitas de como se viver em sociedade, máscaras, esperanças num futuro que está sempre em mudança...Fico pensando qual seria o resultado de algo assim do ponto de vista de alguém que more no interior, por exemplo, ou em um lugar com uma cultura completamente diferente...

Obrigada pelo texto =)

1/8/12 21:27  
Blogger raph disse...

Oi Jaque, obrigado :)

Acredito que, quando menor a cidade, menor o stress e, quem sabe, a angústia. O problema é que mesmo quem mora em cidades pequenas geralmente está informado acerca dos males das cidades grandes, e quando se vê sem muita perspectiva de emprego na cidade natal, parte para uma grande cidade já com uma boa dose de medo acerca do que vai encontrar pela frente.

Se quem nasce em cidade grande e depois se muda para uma pequena, reduz o stress, da mesma forma quem nasce no interior e se muda para capital, normalmente aumenta o stress e a angústia.

Mas, para tudo isso, existe a filosofia, a poesia, e a espiritualidade :)

Bjs
raph

2/8/12 09:57  

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